O cenário é incomum, embaixo de um dos viadutos da Avenida Alcântara Machado, na Zona Leste de São Paulo. Em meio a academia de musculação, quadras de futebol e ringues, um superpôster de um boxeador se destaca em um mural com fotos, recortes de jornais e o título: "Meu sonho não tem fim".
Foi ali que renasceu Fabio Garrido, 31. Seis anos depois de quase ter morrido – após ser nocauteado por Marinho Soares, pela categoria meio-pesado –, ele enfrentará o colombiano Brinatty Maquilon, na noite deste sábado, no mesmo local onde treina, na Arena Projeto Viver.
Quem vencer ficará com os títulos latinos, ambos vagos, da Comissão Mundial de Boxe e da Organização Universal de Boxe – associações com pouco reconhecimento.
Fábio Garrido prepara volta aos ringues
O drama de Garrido começou em abril de 2004. Nocauteado em ringue montado no luxuoso Hotel Unique, em São Paulo, ele foi hospitalizado, passou por cirurgia no cérebro, ficou três dias em coma induzido e mais oito internado no hospital. A lesão foi semelhante à que matou o também pugilista Jefferson Gonçalo, no último 6 de outubro, em Sorocaba.
O caso se tornou ainda mais célebre porque, dias depois da luta, Marinho Soares, revoltado, quase agrediu o apresentador Jorge Kajuru, ao vivo, durante programa de TV, por ter sido chamado de covarde.
Recuperado, em janeiro de 2006, Garrido voltou a lutar e venceu por nocaute Lourival Luiz da Silva. O adversário, porém, disse na época que teve receio de agredi-lo por conhecer sua história. Sem patrocínio, resolveu abandonar o boxe e começou a trabalhar como segurança.
Em 24 de julho deste ano, após passar por novos exames que descartaram sequelas no cérebro, subiu de novo ao ringue e derrotou Albertino Pinheiro por nocaute. Em 28 de agosto, já na segunda luta, conquistou o título brasileiro pela Associação Brasileira de Boxe (também vago), com vitória sobre Eduardo Franca.
Maquilon, o terceiro adversário, é veterano de 42 anos e perdeu 27 das 45 lutas que fez desde a estreia no boxe profissional, em 1988. Não é rival para medir o nível de Garrido. Mas o sonho não tem fim.
Entenda o peso de cada entidade do boxe:
Mais conceituadas
Há dezenas de entidades internacionais. As mais conceituadas são o Conselho Mundial de Boxe (CMB), a Associação Mundial (AMB), a Organização Mundial (OMB) e a Federação Internacional (FIB).
Campeões mundiais
Pelo CMB, o peso-pesado é o ucraniano Vitali Klitschko. O mais completo é o filipino Manny Pacquiao, que conquistou, no último dia 13, o cinturão de meio-médio ligeiro do CMB – oitavo título mundial em categorias diferentes. Entre os brasileiros, o último campeão foi Valdemir Sertão Pereira. Ele bateu o tailandês Phafrakorb Rakkietgym e foi campeão da categoria pena pela FIB, em 2006. Também têm cinturões mundiais: Eder Jofre, peso galo pela AMB, em 1960; Miguel de Oliveira, médio-ligeiro pela AMB e CMB, em 1973; e Popó, leve pela OMB e superpena pela AMB e OMB.
No Brasil
A principal entidade é a Confederação Brasileira de Boxe. O título meio-pesado está vago. O primeiro do ranking ainda é Mário Soares, que não luta desde maio de 2008, segundo o site Boxrec.
Confira abaixo entrevista exclusiva com o pugilista Fabio Garrido:
LANCENET!: Quanto tempo você ficou internado e como foi o período de recuperação depois da luta com Marinho, em 2004?
Fabio Garrido: Fiquei em coma induzido por três dias, ao todo cinco dias na UTI e mais seis no quarto. Total de 11 dias. Saí do hospital, perdi os patrocínios que eu tinha porque fiquei muito tempo parado e ainda fiz acompanhamento médico, sem poder lutar e treinar porque abriram meu crânio para tirar a pressão do cérebro. Então, fiquei em resguardo de treinos. Em setembro, comecei a fazer treino com acompanhamento médico. Em 2005, lutei, ganhei, mas por uma palavra mal colocada (do adversário) não consegui fechar patrocínio de novo. Agora, em julho deste ano, eu já estava com os laudos dos médicos. Sem meu pai saber, eu estava fazendo exames pelo convênio. Passei por neurologista, cardiologista, e todos me deram aval para fazer exames. Com os resultados, os médicos me autorizaram a praticar boxe de novo. E me perguntam se tenho medo dos riscos? Todas as profissões têm seus riscos. Infelizmente, é o que eu gosto de fazer. E o que mais sei fazer até hoje é lutar.
L!: Nesse período, como você se manteve para ganhar dinheiro?
FG: Como já tinha curso de segurança, fui trabalhar na área. Foi o que manteve minha vida pessoal, a minha família, tudo o que eu tinha na época, um menino de quatro anos e uma menina de seis meses. Fiz trabalho de segurança em empresa que prestava serviço e, de vez em quando, apareciam uns biquinhos. Assim fui me mantendo.
L!: E sua mulher apoia você no boxe?
FG: Ninguém apoia porque eles estavam na luta em que sofri o acidente com Mário. Então, não curtem essa parada. Já não curtiam antes e, depois do que houve comigo e do que aconteceu recentemente com nosso amigo Jefferson (Gonçalo), ficou mais difícil ainda ter o apoio da família.
L!: Conversei com Natal, irmão de Jefferson, e ele disse para você ouvir mais sua família. E que Deus deu uma segunda chance, mas talvez não dê a terceira...
FG: Agradeço o carinho e a preocupação dele, mas é minha decisão. Ninguém morre de véspera, meu amigo. Se você tem todas as precauções, se Jefferson tivesse mais acompanhamento médico... Porque ele fez duas lutas pesadas fora do país, depois foi lutar de novo aqui no Brasil sem fazer um check up para saber como estava e aconteceu essa fatalidade. Porque o que o derrubou não foi golpe, o irmão dele sabe disso muito bem. Já eram sequelas de lutas fortes anteriores. Hoje, eu como um boxeador profissional e com a consciência que eu tenho, e, como ele diz, com a chance que Deus está me dando, se minha luta passar do quarto ou quinto round, são três, quatro meses sem lutar e fazendo exame médico para ver como estou, fazendo eletroencefalograma, ressonância magnética, ultrassonografia, para ver se não abalou nada. Isso o que faltou para nosso amigo Jefferson.
L!: Com quantos anos você começou a treinar boxe?
FG: Comecei com quatro anos, com o mestre Baltazar, que treinava meu pai na época. Com nove anos, parei, começou a fase de molecagem, voltei com 12. Meu pai prometia marcar luta e não marcava, aí saí de novo. Voltei com 16 anos, meu pai marcou uma lutinha e consegui bom resultado. Quis me empenhar mesmo, mas meu pai não quis porque ele passou por todas essas dificuldades de patrocínio e apoio. Aí, em 2000, voltei firme. Lutei a Forja dos Campeões, fiquei em terceiro; lutei Luvas, no Kid Jofre, fui campeão... No Paulista, fiquei em terceiro; lutei o Torneio dos Campeões, fiquei em quarto; no Brasileiro, em quarto; e passei para profissinal.
L!: No seu pôster (em tamanho real, no Projeto Viver) há o título "Meu sonho não tem fim". Qual é o sonho afinal?
FG: (Risos) O que vai acontecer no dia 20. Conquistar o título mundial por duas organzações, a WBC e a UBO, que são latinas, para disputar o cinturão mundial e trazer para o Brasil.
L!: E os patrocínios?
FG: Não consegui fechar. Estou começando a fazer um trabalho mais sério de agosto para cá. Tenho apoios de base na camisa, a Everlast me manda material; a Mav’s Surfboard, roupa; a Via Bag, ajuda de custo; e é o que eu tenho para me virar e manter a situação financeira.
L!: O que você conhece do colombiano Brinatty Maquilon?
FG: (Gargalhadas) Não conheço nada, nada! Só achei uma luta dele na internet, uma única luta. Eu ouço falar que ele é o campeão do clinche. Não estou aqui para agarrar homem, estou aqui para derrubar. E espero que ele saia bem da luta e eu também, que nenhum dos dois saia machucado. E que Deus abençoe o nosso trabalho.
L!: Guarda alguma mágoa de Mário Soares?
FG: (Risos) Marinho é meu amigo, pô! Não tenho raiva alguma dele. Ali em cima é profissão, aqui embaixo é outra coisa.
L!: Mas mantém contato com ele?
FG: Nós nos falamos algumas vezes, tanto que tem alguns promotores querendo fazer uma luta novamente, eu e Mário. E, se o pessoal bancar, que mal tem a gente ir, fazer nosso trabalho e ganhar nosso dinheiro? Não tem mal algum!
L!: Boa sorte, Fabio!
FG: Obrigado! É isso aí, gente! Não perca, no dia 20, Fabio Garrido e Brinatty Maquilon!