O empate por 1 a 1 da Seleção Brasileira com o Bangu, em Moça Bonita, tirou do sério torcedores, imprensa e a cúpula da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). João Saldanha, que era conhecido pela peculiar alcunha de ‘João Sem Medo’, porém, aparentava tranquilidade. Não quer dizer, contudo, que estivesse exatamente calmo.
Saldanha tinha desavenças com algumas figuras importantes do meio do futebol. Uma delas era Dorival Knipel, o Yustrich, técnico do Flamengo à época.
O treinador rubro-negro era um provocador e crítico mordaz de João Saldanha. Um ano antes, em 1969, Yustrich estava à frente do Atlético-MG na vitória por 2 a 1 sobre a Seleção de Saldanha no Mineirão. Ele comemorou muito aquela vitória e, de quebra, passou a almejar o comando da equipe nacional.
Nesse contexto, empatar com o Bangu às vésperas da Copa do Mundo de 1970 era um prato cheio.
— O Saldanha sai daqui (de Moça Bonita) tranquilo, está com o cargo ainda garantido. Dois dias depois, ele tem uma briga com o Yustrich, que é o técnico do Flamengo. E ele entra na concentração do Flamengo armado, para tirar satisfação com o Yustrich — conta Carlos Molinari, jornalista e historiador do Bangu.
Para a sorte de todo mundo, o treinador rubro-negro não estava no local e tudo não passou de um susto. Mas o episódio serviu como mais um motivo (ou como mais um bode-expiatório) para derrubar Saldanha da Seleção Brasileira.
— Naquela noite ele é chamado na CBD e aí dizem pra ele que "a comissão técnica está dissolvida". O Saldanha quer saber o que é dissolvido. Aí ele fala: "Não sou sorvete para ser dissolvido, estou demitido?". "É, você está demitido." "Tá bom, vou para casa dormir."
Tropeço da Seleção para o Bangu selou destino que já estava traçado
O empate com o Bangu e a invasão do CT do Flamengo ajudam a emoldurar a queda de João Saldanha do comando da Seleção Brasileira, mas o quadro já estava pintado antes disso e havia muitas nuances. O treinador dissera que Pelé estaria com miopia, e muitos imaginaram que isso seria um indício de que ele deixaria o Rei do Futebol fora da Copa do Mundo. Havia ainda outras escolhas que desagradavam.
Ao longo das últimas cinco décadas, muito se falou que a demissão do treinador aconteceu também por pressão do regime militar. À época, o País estava sob a linha dura do governo Médici, general fã de futebol e do atacante Dadá Maravilha, do Atlético-MG, que não vinha sendo convocado.
— Há um jogo político por trás dessa Seleção Brasileira. A seleção representa naquele momento o esforço político do Brasil grandioso, a Seleção representa que nós somos a primeira pátria no mundo e tal — conta Molinari.
— A Seleção fracassou em 1966, na Inglaterra. Fracassar em 1970 seria muito ruim, não só para CBD, mas também para o regime. O regime depende da alegria dos brasileiros, depende do bom humor dos brasileiros também. Tem o milagre econômico que está começando aí nos anos 1970, as famílias vão começar a comprar televisão, vão comprar o carro, vão comprar o Fusca… Mas você precisava também dessa alegria patriótica que a Seleção dá. E a Seleção instável do Saldanha talvez não fosse a campeã do mundo.
Ainda hoje, porém, não há consenso sobre se o regime militar de fato ordenou a demissão de João Saldanha. Certo é que nunca foi encontrado qualquer registro escrito ou declaração de qualquer dos envolvidos à época nesse sentido.
De todo modo, Saldanha foi demitido, Zagallo assumiu o Brasil, Dadá Maravilha foi convocado e o Brasil, com Pelé, conquistou o Tri. Mas não sem antes empatar com o Bangu.
➡️O dia em que a Seleção de 1970 empatou com o Bangu em Moça Bonita
➡️Aladim chuta e Paula Mata pega o rebote: Bangu 1 x 0 Seleção Brasileira