O mundo anda monotemático.
A pauta única tem um nome: Donald Trump.
E se é verdade a velha máxima de que o esporte reflete a vida, microcosmo de mundo que é, os dois têm andado mais juntos do que nunca. Porque jamais política e esporte estiveram tão lado a lado na monotonia de um tema só para ambos.
É Donald Trump. Também a única pauta a dominar todos os caminhos e debates do esporte mundial no momento. E assim será pelos próximos anos.
Esporte e política alinhados ao redor de uma única figura, um único tema e um único debate é a conjunção astral da vez.
A patética foto de 13 de julho já devia ter dado o alerta geral e feito soar todas as sirenes para quem não se ligou. Aquela imagem grotesca de um estranho ao jogo roubando a cena e a festa do Chelsea campeão do mundo diante do PSG foi o resumo de um fato: o sequestro do esporte por Trump.
Nunca tinha existido nada parecido na história do esporte mundial em termos de um político roubando o que não é dele. Minto. Existiu um paralelo nos Jogos Olímpicos de 1936, quando o político da vez sequestrou o evento, a festa e imagens. Por sorte, existiu um Jesse Owens de contraponto, apontando caminhos para sair daquele labirinto.
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O 'protagonismo' de Trump
A semana que vai acabando sepultou qualquer dúvida sobre o protagonismo do presidente americano nos cadernos de esporte pelos próximos anos. Muito mais do que isso. Se alguém tinha alguma dúvida, Trump assinou o noticiário com suas intenções: os dois próximos grandes eventos mundiais do esporte terão sua marca. Quis o destino e a estrela do republicano que seu país seja a sede da próxima Copa e das próximas Olimpíadas. E com ele no poder.
Em novo pronunciamento sobre o assunto, o presidente afirmou que "pode transferir os jogos da Copa do Mundo de 2026, tirando de cidades que considere inseguras".
Olhando bem para os alvos dele, leia-se 'inseguras" como administradas por democratas.
Seattle entrou na lista, assim como Boston e outras. Todas com prefeitos democratas, todas no alvo de Trump.
Mesmo quem não vai sediar jogos mas é democrata está sob tiroteio. Como Memphis e Chicago. Apesar de não envolvidas, receberam farpas. Trump bradou que eram "governadas por lunáticos radicais de esquerda que não sabem o que estão fazendo", e por fim, afirmou que a ausência delas "será seguro para a Copa do Mundo".
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Sabiamente, Chicago se antecipou e desistiu da disputa. Repetindo tendência de países ou cidades desenvolvidas e responsáveis que começam a refutar grandes eventos, Chicago alegou como razão para desistir, "a inflexibilidade da FIFA e o risco para o contribuinte".
A FIFA, comandada por Gianni Infantino, parece cada dia mais disposta a genuflexão na direção do líder americano. Logo depois das declarações trumpistas, se apressou a avisar que concorda com tudo e que o governo dos EUA tem o direito de determinar se as cidades são seguras para a Copa do Mundo.
Com jogos ao meio-dia, desumanos para atletas e cruéis com o nível técnico do jogo, dúvidas quanto a vistos para torcedores e outras mazelas, o mundial segue como grande incógnita.
Mas uma certeza já existe: Trump fará de tudo e irá conseguir deixar sua marca em ambos. Legitima ou ilegitimamente, o que, afinal, nunca foi muito problema para ele. Será o centro das atenções, ao lado de um Infantino cada dia mais anão na sombra dele.
Além de deixar suas digitais como dono do evento, especialistas apontam outro risco: a Copa será um pretexto para que o presidente instale presença militar no cangote de cidades oposicionistas. Como já tem ensaiado.
O modus operandi Trump
As andanças de Trump no esporte não são de hoje. Como tampouco suas tentativas de sequestrar o jogo, eventos, ligas, entidades.
Quem quiser ter uma pista maior do que pode acontecer no mundo dos esportes nos próximos anos, vale a leitura de "Football for a Buck", de Jeff Pearlman, do New York Times. Impossível não ficar preocupado com o porvir dos esportes, dos eventos. E do mundo.
Muito mais do que entender o que vem nos esportes, é entender também com quem o mundo está lidando. Para o Brasil, em um momento em que, beirando a psicopatia, decreta tarifaço alegando razões bizarras, pode ser fundamental para se saber quem está do outro lado da banca de negociações.
O mundo na mesa de pôquer
A síntese do modus operandi Trump, o "case" acabado do "crescer ou morrer", de tratar o mundo como mesa de pôquer.
Corriam os anos 80. Uma liga de futebol americano profissional foi criada, mais exatamente entre 1983 e 1985. United States Football League (USFL).
Com uma receita de sucesso parecendo garantida e sem maiores atritos, num modelo de negócios em que se jogava na primavera/verão, e assim se evitava a concorrência direta com a poderosa NFL, já globalmente consolidada com seus jogos no outono/inverno do outro hemisfério.
Era um sucesso de negócio no início. Assinando com grandes talentos vindos da escola, obtendo bons contratos de televisão.
Até que em 1984 um sujeito chamado Donald Trump, que naquele tempo andava muito com Jeffrey Epstein, como hoje se sabe, comprou um time. O New Jersey Generals.
E botou em campo a mesma estratégia com que comanda boa parte do planeta hoje. Começou a pressionar por mudança radical, um cavalo de pau: mover a temporada para o outono. Confrontar a NFL diretamente.
Exatamente como faz hoje, por trás da estratégia agressiva existia muito mais. E outras intenções. Ameaçar, intimidar para obter vantagens. Trump bancava o jogo do confronto, competir por mercado da boca para fora. Mas o que queria mesmo era o acordo de fusão entre as duas ligas.
Convenceu os demais donos de franquias da liga iniciante de que a estratégia de jogar na primavera era fadada ao fracasso, mesmo que tudo indicasse o contrário. Como argumento, dizia que para obter lucros significativos e contratos de TV, era preciso desafiar a NFL no terreno dela.
Tendo como plano processar a NFL com a alegação de que era monopólio. Principalmente porque a NFL tinha acordo com as três grandes redes de televisão (ABC, CBS e NBC). Apostando em acordo na corte, que resultaria na fusão e com a NFL incorporando algumas equipes. A dele obviamente incluída.
Depois de liderar onda de gastos exorbitantes em salários para atrair estrelas, inflacionar os custos para todos os times e tornar o modelo de negócios da USFL inviável e insustentável no longo prazo, Trump e aliados apostaram tudo no processo antitruste. Com a liga praticamente paralisada em 1986, esperando a vitória na Justiça. E o passaporte dourado para botar a mão em parte do bolo da NFL.
O fim: Trump ganhou na Justiça. O júri considerou que a NFL era um monopólio e que violava as leis antitruste. Mas veio uma reviravolta: a decisão da Justiça foi por uma indenização simbólica. Um dólar. Triplicado para US$ 3 posteriormente.
O martelo dos jurados sentenciou que, embora a NFL tivesse praticado conduta anticompetitiva, a USFL teria sido a principal responsável por seus próprios fracassos, especialmente por sua decisão de mudar para o outono e por sua estratégia de gestão financeira. Restaram custos judiciais imensos e uma derrota definitiva no blefe trumpista.
Caminhando como gado guiado no berrante de Trump, a USFL encerrou as operações e nunca mais viu uma partida com seu logo no gramado sintético.
'Idiota do futebol'
Depois de revirar a história desse fracasso Trump e conhecer o personagem em detalhes, o autor guardou três apelidos para ele:
1- "Hot Air Balloon": que pode ser o equivalente ao nosso fogo de palha;
2- "Carnival Barker": vendedor de ilusões;
3- "Football Moron" - "Idiota do futebol".
Um novo jogo nas canchas, piscinas e quadras do mundo está apenas começando para Donald Trump, com escalas em 2026 e 2028. Agora global. O mesmo Trump que tenta fazer países se curvando aos seus tarifaços está só começando sua investida no esporte.
O passado dos que se curvaram a ele naquela USFL conta quase tudo sobre o amanhã. No mundo e nos esportes.
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