A luta antirracista tem como aliada histórica o esporte, mecanismo de ruptura de desigualdades e preconceitos. De diferentes modalidades e contextos históricos, trajetórias de atletas que enfrentaram o racismo mostram como o esporte se tornou espaço de denúncia e resistência. No Dia da Consciência Negra, o Lance! relembra dez esportistas que simbolizam a luta do povo preto.
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Jesse Owens
Neto de escravos, Jesse Owens iniciou a vida no atletismo no ensino médio, quando estudava e ainda trabalhava como engraxate. O velocista fez história na Olimpíada de Berlim em 1936, na Alemanha, no auge do regime nazista de Adolf Hitler. O norte-americano conquistou quatro medalhas de ouro seguidas (100 m, 200 m, Revezamento 4×100 e Salto em distância), desafiando o pensamento supremacista alemão.
No final das competições, era comum que Hitler cumprimentasse os atletas campeões, mas, por não poder falar apenas com os atletas que quisesse, o ditador optou por não cumprimentar nenhum.
Mesmo triunfando em solo alemão, ao retornar aos Estados Unidos, Jesse continuou a enfrentar a dura realidade da segregação racial. O primeiro atleta a conquistar quatro medalhas de ouro na mesma edição de Jogos Olímpicos não foi recebido pelo presidente Franklin Delano Roosevelt, que só prestou homenagens a atletas brancos.
— Não fui convidado para apertar a mão de Hitler, mas também não fui convidado para ir à Casa Branca para apertar a mão do presidente. Na verdade, foi Roosevelt quem me ignorou. Nem mesmo um telegrama foi enviado — afirmou Jesse Owens, em uma entrevista na época.
Tommie Smith e John Carlos
Nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, Tommie Smith e John Carlos realizaram um dos protestos mais emblemáticos da história do esporte. Após a final dos 200 metros rasos, em que Smith venceu e Carlos terminou em terceiro, ambos subiram ao pódio com elementos de simbolismo político: estavam descalços, usavam meias pretas, cachecol e colares de miçangas em referência a vítimas de violência. Durante o hino dos Estados Unidos, ergueram o punho com luvas negras.
O gesto fazia parte das ações do Olympic Project for Human Rights, que denunciava discriminação racial no esporte e na sociedade norte-americana. A repercussão foi imediata. O COI puniu os dois atletas, que foram expulsos da Vila Olímpica, perdendo apoio institucional.
Mesmo assim, a ação de Smith e Carlos se tornou símbolo duradouro do movimento pelos direitos civis e segue como referência nas manifestações contemporâneas.
Lewis Hamilton
Lewis Hamilton já teria marcado seu nome na história da Fórmula 1 por ser o primeiro (e único) piloto negro da categoria. Contudo, o inglês foi além e se tornou o esportista mais bem-sucedido da história da modalidade, com sete títulos mundiais.
A relevância de Hamilton ultrapassou os resultados nas pistas., sendo voz ativa na luta contra o racismo. Ele protagonizou gestos como ajoelhar-se antes das corridas, usou camisetas de movimentos antirracistas, apoia o movimento Black Lives Matter e criou uma comissão de diversidade para promover mudanças institucionais dentro da própria Fórmula 1. Lewis afirma que não deseja ser lembrado apenas como piloto, mas como alguém que "transformou o esporte que o formou".
Muhammad Ali
Muhammad Ali foi campeão mundial dos pesos-pesados e figura de projeção planetária, considerado um dos maiores boxeadores da história. A trajetória esportiva do ícone se combinou com atuação direta nos direitos civis. Ali enfrentou o governo dos Estados Unidos ao recusar-se a lutar na Guerra do Vietnã, alegando motivos de consciência e desigualdade racial.
A recusa gerou punições esportivas e processo criminal, mas reforçou sua posição como símbolo da resistência negra. Ali denunciava a contradição entre a participação na guerra e a falta de liberdade dos negros dentro do próprio país. O posicionamento marcou a interseção entre esporte, política e direitos civis nos anos 1960.
Serena Williams
Serena Williams é uma das maiores tenistas da história e figura central no debate sobre racismo e sexismo no esporte. Ela tornou públicos episódios de discriminação sofridos dentro e fora das quadras e, em 2016, condenou a violência policial contra pessoas negras em uma publicação que repercutiu internacionalmente.
Serena, mulher negra atuando em um esporte marcado por acesso restrito e predominância branca, se tornou referência ao expor desigualdades raciais e de gênero. Sua trajetória evidencia barreiras estruturais enfrentadas por atletas negras em modalidades elitizadas.
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Colin Kaepernick
O quarterback Colin Kaepernick, então jogador do San Francisco 49ers, iniciou em 1º de setembro de 2016 um protesto que impactou o cenário esportivo mundial ao ajoelhar-se durante o hino nacional norte-americano. O gesto denunciava a violência policial contra pessoas negras e a ausência de justiça racial.
A ação se tornou símbolo global de resistência não violenta e provocou debates sobre liberdade de expressão e racismo no esporte. Kaepernick declarou que o protesto não se dirigia à bandeira ou aos militares, mas às desigualdades enfrentadas pela população negra. Ele enfrentou repercussões na carreira e, após ser ausência por lesão, nunca mais recebeu chances na NFL.
Lilian Thuram
Ex-jogador da seleção francesa, Lilian Thuram tornou-se referência no ativismo antirracista após o fim da carreira. Criou a Lilian Thuram Foundation Against Racism, voltada para educação e debates sobre discriminação. Ele afirma que instituições esportivas não protegem adequadamente vítimas de racismo e que o combate exige compreensão histórica da desigualdade.
Thuram atua em escolas, universidades e organizações, defendendo que a transformação social depende de conhecimento e formação crítica. Ele usa sua visibilidade esportiva para impulsionar políticas e debates públicos sobre racismo.
Vini Jr.
O brasileiro Vinícius Júnior tem sido alvo de ataques racistas na Espanha desde sua chegada ao Real Madrid, em 2018. No ano passado, o craque chegou a afirmar que tem "menos vontade de jogar" devido às agressões recorrentes. A gravidade dos casos provocou manifestações de entidades internacionais e do Governo Brasileiro.
As denúncias de Vini Jr. sobre racismo no futebol espanhol revelaram a persistência de discriminações no esporte europeu e ampliaram o debate sobre responsabilidades de clubes, ligas e federações. A experiência pessoal de Vinícius o transformou em figura central da discussão contemporânea sobre racismo no futebol.
Reinaldo
No Brasil, durante a ditadura militar, o atacante Reinaldo, do Atlético-MG, cse tornou símbolo da luta contra o racismo. O ídolo do Galo comemorava gols com o punho cerrado, gesto inspirado pelos Panteras Negras e por Smith e Carlos. Ele via a celebração como protesto racial e político, chamando atenção para desigualdades e repressões da época.
O atleta mantinha o gesto reiterado mesmo sob críticas e interpretações negativas durante um período em que debates raciais eram limitados no esporte brasileiro. A presença de Reinaldo contribuiu para inserir o tema do racismo no futebol nacional.
Aída dos Santos
Aída dos Santos tornou-se a primeira mulher brasileira finalista olímpica em 1964, nos Jogos de Tóquio, ao terminar na quarta colocação do salto em altura. Negra, nascida no Rio de Janeiro, enfrentou racismo na escola, falta de estrutura e ausência de suporte técnico. Competiu sem treinador e sem uniforme adequado.
Ela era alvo de insultos racistas e precisou superar barreiras econômicas e sociais para se tornar uma pioneira do esporte brasileiro. Ao Observatório da Discriminação Racial no Futebol, ela contou episódios de discriminação que sofreu.
— Estava no ginásio de Caio Martins participando de um campeonato colegial de vôlei. Eu era a única negra. Alguém da arquibancada gritou: "Sai daí crioula, seu lugar é na cozinha". Depois do jogo, virei para arquibancada e disse: "Meu lugar é na cozinha, no quarto, na sala e numa quadra de esporte".
— Anos mais tarde, quando eu já fazia atletismo e competia pelo Botafogo eu estava lá no clube e um dirigente, que não vou lembrar o nome chegou para mim e disse: "Eu gosto muito da senhora, mas no que dependesse de mim, a camisa do Botafogo seria só branca, sem estas listras pretas". Eu senti naquele momento que era racismo. Eu falei para ele que ele não gostava de mim, gostava mesmo era dos títulos que eu dava para o clube.