Excentricidade. Talvez seja este o melhor adjetivo para definir o megainvestidor Saul Klein que, por mais de duas décadas, aportou milhões no São Caetano (Segundo documento do próprio filho, que pede a interdição do pai, gastou R$ 500 milhões no time do ABC, desde o final da década de 90).
Há um ano, Klein tornou-se também sócio majoritário da Ferroviária S/A. Adquiriu 51% das ações do time, que funciona como um clube-empresa. O valor da compra não foi divulgado, mas estima-se que a folha de pagamento da equipe, este ano, girou acima da casa de R$ 1 milhão. Além disso, Klein formou dois times profissionais completos da Ferroviária, com elenco e comissão técnica, para campeonatos inexpressivos: o campeonato brasileiro da Série D e a Copa Paulista de futebol. A Ferroviária tinha mais de 50 jogadores profissionais contratados.
Um estilo peculiar no comando do clube de Araraquara.
Até seu afastamento das atividades da Ferroviária, na última sexta-feira, numa nota oficial escrita por ele mesmo (por conta das acusações de aliciamento e estupro de 14 mulheres) a gestão dele no futebol afeano ficou marcada pela constante troca de técnicos e fracasso nos resultados, o que resultou também em críticas de seu próprio filho, Philip Klein, então diretor financeiro da Ferroviária.
Antes da MS Sports de Saul Klein – braço esportivo de Saul Klein - assumir o controle da Ferroviária, o clube, um dos mais organizados do interior de São Paulo, havia feito apenas seis trocas de técnicos entre 2015 e 2019, incluindo dois interinos. Desde a chegada do parceiro, no fim de 2019, já foram seis trocas no comando do time.
Tão logo a MS Sports fechou parceria com a Ferroviária, o então diretor de futebol, Roque Júnior, pediu demissão. Teria dito a interlocutores que sabia que faria um papel apenas figurante. O técnico Vinicius Munhoz, que havia completado duas temporadas na Ferroviária, com uma ida às quartas de final do Paulistão em 2019 e um vice-campeonato da Copa Paulista em 2018, foi desligado.
Marcelo Vilar, escolhido para comandar o time no Paulista, foi demitido ainda durante a pré-temporada sem uma explicação oficial e substituído por Sérgio Soares, que conquistou marcas importantes. Ele chegou à terceira fase da Copa do Brasil sendo eliminado no último minuto pelo atual semifinalista América-MG. Mesmo assim, e sem explicação – ele foi demitido durante a pandemia do novo coronavírus. - Não entendi nada e sai chateado, disse à época.
Contratado para a retomada do calendário, Dado Cavalcanti, hoje técnico do Bahia, permaneceu por apenas sete partidas. Com a Locomotiva ainda invicta, ele foi demitido e deixou uma mensagem em suas redes sociais. Na mensagem, Dado afirmou "não se acostumar" com a troca frequente de treinadores entre os clubes brasileiros e disse que imaginava encontrar um ambiente diferente na equipe.
Leo Mendes, então auxiliar, assumiu interinamente até a chegada de Paulo Roberto, que permaneceu até o começo de dezembro, quando a Ferroviária foi eliminada em casa pelo Marcílio Dias, na segunda fase da quarta divisão nacional. Vale lembrar que ao assumir a Ferroviária, a MS Sport prometeu, através de nota, levar o clube à elite do Futebol Nacional em um prazo recorde de cinco anos.
Futebol Feminino – a demissão da campeã
No futebol feminino, em que a Ferroviária é considerada uma força nacional, nenhum título foi conquistado em 2020 e, um dia antes de estourarem as denúncias contra Saul Klein, a técnica Tatiele Silveira, campeã brasileira e vice da Libertadores pelo clube em 2019, foi demitida.
A debandada parece inevitável: Pelas redes sociais, a atacante Adriane Nenê se despediu da Ferroviária. Seu contrato se encerra no dia 31 e não será renovado. Multicampeã com o clube, conquistou a Libertadores 2015, foi bicampeã brasileira, campeã da Copa do Brasil e do Paulistão.
A constante ingerência no trabalho de campo, além das críticas do filho Philip Klein, pode trazer outros danos à Ferroviária: o Cruzeiro, parceiro em negociação de vários atletas, já repensa a parceria por conta de seus torcedores:
“Olha o cara com quem o Cruzeiro tem parceria. Saul Klein, dono da Ferroviária, simplesmente está sendo acusado de estupro e tráfico de pessoas cometidos durante anos. O que dizer sobre isso?”, questionou um torcedor na web ao presidente Sérgio Rodrigues.
Diretores da Ferroviária dizem a interlocutores que também vão deixar o cargo. As palavras do filho, Philip, o primeiro a abandonar o barco, talvez definam melhor o sentimento no time:
– O espírito era fazer a Ferroviária o clube mais moderno no Brasil e que fosse sustentável. O problema é que a dinâmica do dia a dia, com essa gestão centralizada, com as decisões mais importantes sendo sempre da mesma pessoa, isso atrapalhou muito o projeto. As demissões, as contratações sem racionalidade, tudo isso faz parte dessa centralização. Na minha visão foi errado, isso atrapalha demais, o projeto foi muito afetado.
Próximo do Paulista, Ferroviária tem 24 atletas do elenco em fim de contrato
O Campeonato Paulista, com previsão de início em 28 de fevereiro, pode ser um tormento para a Ferroviária. O time ainda está sem técnico. Entre os atletas que integram o elenco, a primeira baixa confirmada é o zagueiro Max, que encerrou vínculo com o clube recentemente. Outros seis atletas encerrarão contrato nos próximos meses que antecedem o início do Paulistão. São eles: o goleiro Wagner, os volantes Nando Carandina e Dener, e os atacantes Will Viana, Tiago Marques e Fernandinho.
Além disso, mais cinco jogadores devem deixar a Ferroviária com o estadual em andamento. São eles: o goleiro Saulo, os zagueiros Anderson Salles e Matheus Salustiano, o volante Dudu Vieira e o meia Fellipe Mateus.
Mais 13 jogadores utilizados na Copa Paulista e inscritos na Série D este ano também terão os contratos encerrados meses antes do começo do Paulistão. São eles: os laterais Cesar, Ednei e Ralph, os zagueiros Mauricio e Windson, o volante Renan Paulino, os meias Diego Felipe, Gabriel Caju e Velicka, além dos atacantes Salomão, Marcos Paulo, Túlio Renan e Luizinho.
Saul Klein foi acusado de estupro e aliciamento por 14 mulheres. Sua defesa alega que ele está lúcido e foi vítima de tentativa de extorsão. Apesar de ter indeferido a tutela cautelar, a Juíza vai dar andamento no caso. Klein, de 66 anos, terá de se submeter a uma perícia psicológica. A ordem para a realização do exame foi dada pela juíza Daniela Leal no processo movido por Philip Klein, filho do empresário, que pediu a interdição do pai, alegando que ele está dilapidando seu patrimônio de forma "acelerada" e "inconsequente".
Philip afirma que Saul, filho do fundador da Casas Bahia, possuía uma fortuna de mais de R$ 1,5 bilhão. Mas que, para sua surpresa, o pai, que foi candidato a vice-prefeito em São Caetano, declarou à Justiça eleitoral possuir somente R$ 61 milhões. A perita Mery Pureza Candido de Oliveira terá 30 dias para realizar o laudo psicológico. O oficial de justiça encarregado de intimar o empresário ficou incumbido pela juíza de descrever também as condições e o estado de saúde de Saul. Procurado pela reportagem, Philip Klein disse que não iria se manifestar sobre o processo de interdição.
Já o processo de estupro e aliciamento de 14 mulheres segue correndo em segredo de Justiça. Segundo a defesa de Klein ao LANCE!, o empresário contratava uma empresa para agenciar mulheres para suas festas e está sendo "vítima de um elaborado esquema de extorsão depois de cessar a contratação dela". Já a advogada das mulheres, Gabriela Souza, afirmou, em nota à reportagem, que a estratégia de defesa do empresário é desqualificar as
vítimas, e cita outros casos recentes que isso aconteceu, como o do ator e diretor Marcius Melhem.
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*Rodrigo Viana nasceu em Ilha Solteira (SP), mas adotou Araraquara como cidade natal. Jornalista e Mestre em Estudos Literários, pela Unesp, foi professor de pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Novas Mídias. Também foi colunista da Revista Imprensa e deste LANCE!. Ministrou palestras e workshops em parceria com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom. Em 2013, lançou, no Museu do Futebol em São Paulo, o livro “A Bola e o Verbo – o futebol na crônica brasileira”, pela Summus Editorial.
Foi jogador das categorias de base da Ferroviária e integra a Seleção Brasileira de futebol dos escritores, o ‘Pindorama’, projeto que une Literatura e Futebol. Trabalhou em todas as grandes emissoras de TV do pais, com destaque para a cobertura da Copa do Mundo de 2014 pelo Sportv/Globo e o título mundial do Corinthians em 2012, no Japão, pelo SBT. Também denunciou o esquema de venda de ingressos pela Fifa na Copa das Confederações em 2013.