O ano de 2025 que vai minguando é singular no esporte. 

Ou ao menos deveria ser. 

Dez anos do “Fifagate”, o maior escândalo de corrupção da história do esporte  mundial.

A efeméride deveria trazer com ele debates todos os dias e a reflexão fundamental:  afinal, o que mudou depois do terremoto?

Um breve olhar conclui logo à primeira vista o que mudou: os nomes. Os personagens.

João Havelange, Joseph Blatter e seus sócios de butim ao longo de décadas viram o  mundo como tinham elaborado desabar naquele fatídico 27 de maio de 2015, o ano  do fim do mundo no esporte.

Os comandantes da organização criminosa que virou uma poderosa máquina de  corrupção. Nas palavras da investigação da justiça americana, homens que produziram  em quantidade industrial “fraude, suborno e lavagem de dinheiro”. Esses ficaram para  trás.

As práticas e as relações como eram, nem tanto.

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Mesmas mazelas

Parece até notícia policial sobre as guerras entre facções dos nossos grandes centros.  Os chefes da vez se vão para tudo permanecer parecido.

Um recente relatório da Fair Square, ONG situada na Inglaterra que formula políticas públicas em torno de boas práticas, afirma que a Fifa “não corrigiu as falhas  estruturais que levaram as autoridades dos EUA a intervir em primeiro lugar”.

É essa continuidade das mesmas mazelas, ainda que com diferente roupagem, que  parece ser a grande tragédia do esporte mundial.

Um mundo à parte, com suas regras e acima das leis dos homens.  Assim segue.

Logo depois da explosão, veio Gianni Infantino.

Chegou em 2016.

Vindo de uma história confusa na UEFA, primeiro como executivo, depois na  presidência.

Envolvido em escândalos de venda de direitos de transmissão, revelados com os  vazamentos do Panamá Papers.

Pelo lado da Fifa, a promessa de Infantino ao assumir: investimento em governança e  transparência. Código de Ética reformulado, comitês com mais autonomia e o discurso  institucional passou a incluir direitos humanos universais.

“Nos tornamos capazes de mudar o ambiente tóxico da Fifa da época para uma  respeitada e confiável entidade global que comanda o esporte”, garantiu Infantino.

Nem tanto.

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Sem concorrência

Transparência é tudo o que não se pode apontar nos novos rumos, diante da evidente  opção por abraçar e ser abraçado por autocratas.

Todos os caminhos da nova Fifa passam por um fechado mundo, de pouca ou  nenhuma transparência. O namoro de Infantino com Mohammed bin Salman virou  casamento.

Regado aos US$ 925 bilhões em ativos do Fundo de Investimento Público (PIF),  investimento árabe controlado pelo príncipe herdeiro, com expectativa de chegar a  US$ 3 trilhões na próxima década.

O auge foi a decisão pela Copa do Mundo de Futebol Masculino de 2034 na Arábia,  sem qualquer concorrência na Fifa.

Bin Salman prometeu à Fifa a construção de dez novos estádios, renovação de quatro  estádios existentes e a ampliação de outros três, hotéis, reforma no trânsito e em  outras infraestruturas obrigatórias. Para a “Nova Fifa” está bom. Se entrarem milhões  no cofre da entidade.

O assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, do Washington Post, no consulado  saudita, em Istambul, na Turquia, em 2018, que tem, de acordo com agentes de  inteligência do governo dos EUA, bin Salman como principal suspeito de ser o  mandante do assassinato do jornalista, não abalou a relação.

Como tampouco a proibição de sindicatos, greves e protestos, e a ausência de direitos  humanos para os 13,4 milhões de trabalhadores migrantes da Arábia Saudita que  trabalham na construção ou em outros empregos de baixos salários no setor de  serviços.

O Mundial de Clubes, há pouco jogado e ganho pelo Chelsea, foi didática explicação de como a banda está tocando. Menina dos olhos de Infantino, que tinha expectativa em arrecadar US$ 2 bilhões em direitos de transmissão com a competição. Encalhado, foi salvo do vexame por uma plataforma que pagou US$ 1 bilhão pelos direitos globais,  podendo sublicenciar.

Pouco tempo depois, a mesma plataforma anunciou que o PIF tinha adquirido uma  participação societária ali, coincidência das coincidências, pelo mesmo US$ 1 bilhão.

Camisa personalizada da Copa do Mundo para Donald Trump (AFP)

Uma medida acompanhava a venda e eventuais sublicenciamentos: a Lei da Mordaça.  Para qualquer detentor de direitos, ficou proibido falar mal da competição disputada  nos Estados Unidos.

Já tinha acontecido no Catar em 2022. Além de Arábia Saudita e Catar, Donald Trump,  virou o grande amigo de Infantino. Já colhe por isso o direito de sediar grandes  eventos da Fifa seguidamente. Mudou até o sorteio dos grupos da próxima copa.  Antes em Las Vegas, agora o show do Trump em Washington. A presença que causou o  constrangimento inenarrável com ali postado no meio da foto do Chelsea campeão do  mundo.  

Lição do Fifagate

Os 10 anos de “Fifagate” parecem deixar como lição maior uma velha certeza: se você  está à procura de dinheiro rápido, absoluta inexistência de mecanismos de fiscalização  e de estar acima da lei, um imenso potencial de lavanderia, procure uma instituição do esporte. Ela provavelmente irá atender suas expectativas. E de quebra ainda, a chave  dos melhores salões do mundo, dos melhores eventos, do glamour e dos holofotes.

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Lúcio de Castro escreve sua coluna no Lance! todas as sextas-feiras. Veja outras colunas:

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