SÃO PAULO (SP) - Em vídeo inédito obtido com exclusividade pelo LANCE!, Rubens Gomes da Silva, o Rubão — ex-diretor de futebol do Corinthians e empresário — chama o então presidente do clube, Augusto Melo, de “caloteiro”, em meio a cobranças pessoais nunca quitadas.
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A gravação foi feita em 9 de abril de 2025, durante seu segundo depoimento à Polícia Civil de São Paulo, na investigação do escândalo envolvendo o patrocínio da casa de apostas Vai de Bet ao clube alvinegro.
Embate financeiro
O termo “caloteiro” surgiu durante questionamentos feitos pelo delegado Tiago Fernando Correia e pelo promotor Juliano Carvalho Atoji, do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo. Eles indagavam sobre transações financeiras entre Melo e Rubens que, segundo o próprio empresário, somam R$ 41.295,00, referentes ao período entre agosto de 2023 e agosto de 2024.
Rubens relatou dois episódios principais:
Compra de passagens para a Europa: Em setembro de 2023, ele pagou as passagens aéreas para Augusto Melo e outros dois integrantes da campanha (Valmir Cruz e Wagner Vilaron). “O Augusto não tinha cartão de crédito, não tinha dinheiro para comprar a passagem”, explicou Rubens. Segundo ele, o valor foi reembolsado parcialmente ao longo do tempo.
Venda de um carro blindado: Ele também vendeu a Melo um New Beetle branco, blindado, ano 2015, por R$ 151 mil. De acordo com o depoente, Augusto pagou duas parcelas (de cerca de R$ 30 mil e R$ 7 mil), mas deixou de quitar aproximadamente R$ 13 mil. “Até agora ele me deve R$ 13 mil. E ele fala para todo mundo que já me pagou”, afirmou Rubens.
Em resposta à cobrança, Rubens enviou mensagens a Augusto o chamando de “caloteiro”, expressão que mais tarde repetiria na delegacia.
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O financiamento da campanha e o papel de “Marcelinho”
Rubens coordenou a articulação política da campanha de Melo à presidência do Corinthians, mas afirmou que se recusou a lidar com o dinheiro. Ele atribuiu a responsabilidade financeira a três aliados de campanha: Marcelo Mariano (“Marcelinho”), também réu no processo da Vai de Bet, ao lado de Melo, Marcelo Eduardo Rodrigues Sales (“Ninja”) e Marcos Bocatto.
“O caixa da campanha era o Marcelinho”, disse Rubens . Ele estimou os gastos eleitorais em cerca de R$ 3 milhões, com contribuições vindas de diversas fontes, incluindo “pessoas físicas, empresas e agências de jogador”. Entre os principais doadores, Rubens citou a Magnum Relógios, ligada ao empresário Roberto Graziano, dono do Grupo Magnum (dono do São Bernardo Futebol Clube), e a farmacêutica EMS .
Segundo ele, os valores mais expressivos — as tais “gotas maiores” — eram recebidos pelo sobrinho de Augusto, Carlos Eduardo Melo (Cadu), na Arena Tatuapé, empresa controlada por Melo.
Promessa de “choque de gestão”
Mesmo antes de tratar Melo como “caloteiro” à polícia e à promotoria, Rubens já havia deixado um extenso rastro de dúvidas e contradições sobre a forma como o ex-presidente do Corinthians conduziu os negócios do clube — e também os da própria campanha. Em 8 de agosto de 2024, durante o primeiro depoimento prestado à Polícia Civil de São Paulo, Rubão detalhou momentos decisivos nos bastidores da ascensão de Melo ao comando do Parque São Jorge.
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A versão contada por Rubão mostra um Melo obstinado por poder, envolvido com nomes do futebol, do marketing, da política e até do sertanejo — literalmente. Na semana entre o Natal e o Ano Novo de 2023, numa casa de veraneio em Peruíbe, litoral sul paulista, Melo confidenciou ao grupo de aliados que havia acabado de fechar “o maior contrato de patrocínio da história do futebol brasileiro”. O nome da empresa? Vai de Bet. O suposto avalista da negociação? O cantor Gusttavo Lima, citado por Melo como “um dos donos” da casa de apostas.
O sertanejo, a mentira e o intermediário que “não existia”
Rubens narra que, naquele 27 de dezembro, por volta das 17h, Augusto chegou acompanhado do sobrinho Cadu, da namorada e da sogra, ligou o viva-voz do celular e — diante de amigos como Walmir e Capetinha — colocou todos para ouvirem sua conversa com Gusttavo Lima. A cena, segundo o depoimento, serviria de introdução ao grande anúncio: o Corinthians estava prestes a receber uma bolada de R$ 360 milhões vinda de uma patrocinadora do ramo de apostas.
A promessa de transparência, no entanto, duraria pouco. Rubens revela que Melo negou terminantemente a existência de intermediários no contrato da Vai de Bet, mas pouco depois foi desmentido pelos próprios aliados — e, mais tarde, por si mesmo. “Fechei o maior contrato de patrocínio do futebol sem intermediário”, disse Melo, segundo Rubão. “Mas você falou pra mim que não tinha intermediário”, retrucou Rubens, dias depois.
O contador da campanha e a comissão de 10%
A verdade começou a ruir já no lançamento oficial do patrocínio, no dia 7 de janeiro de 2024. Durante o evento, Rubens recebeu uma ligação do diretor jurídico do clube alertando que havia algo estranho na papelada do contrato. Segundo o depoimento, a empresa intermediadora não possuía o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) adequado para atuar como agência de publicidade — condição básica para atuar em contratos desse tipo.
Mais grave: o valor da comissão estipulado era de 10%, acima do praticado pelo mercado, que costuma variar entre 2% e 7%. Quando questionado, Marcelinho — apontado como “o caixa” da campanha — teria dito que não se preocuparia, porque ele mesmo era o contador da empresa e “faria a alteração”.
A essa altura, Rubão desconfiou. E relatou.
Do “sem intermediário” ao “é o Alex, da campanha”
Diante das contradições, Rubens procurou o jornalista Wagner Vilaron, outro nome de confiança do núcleo duro da campanha de Melo, e decidiram apurar melhor a história. Quando questionado diretamente, Melo admitiu a existência de um intermediário: Alex Fernando André, o Cassundé, que também havia trabalhado em sua campanha.
“Isso vai dar problema”, alertou Rubens.
Melo reagiu: “Por quê?”
Não era correto trazer um cara que trabalhou na campanha pra intermediar um contrato desse tamanho, ponderou Rubens.
Apesar do alerta, Melo não recuou e seus assessores pagaram parte da comissão para a empresa Rede Social, de Cassundé.
A nota paga no escuro, com a direção do clube no Uruguai
A transação suspeita foi concretizada dias depois, quando o Corinthians estava em viagem ao Uruguai. Segundo Rubens, a nota foi paga a mando de Marcelinho, numa manobra que contornou a negativa inicial dos diretores. A operação havia sido, de fato, barrada em reunião informal com nomes da diretoria do clube, que consideraram o processo irregular.
Essa sequência de ações fez Rubão ameaçar deixar o cargo. Como diretor de futebol e primeiro na linha sucessória da presidência, Rubens afirmou que não poderia compactuar com a operação, que considerava eticamente reprovável e juridicamente arriscada.
A Range Rover de campanha e o “benfeitor” do Tatuapé
A teia de relações informais não parava por aí. Rubens ainda revelou que, durante a campanha, Augusto apareceu com uma Range Rover branca, modelo Sport, trazida após uma viagem a Porto Alegre (RS). O carro, segundo ele soube depois, foi “doado” por um personagem identificado no depoimento apenas como Igor, como uma espécie de ajuda de campanha.
Igor — afirmou Rubens — hoje estaria envolvido com transações de jogadores, como a contratação do lateral-direito Matheusinho, e com negociações com a empresa BRAX, além de ter emprestado entre R$ 8 e R$ 10 milhões ao clube.
Augusto Melo e o escândalo Vai de Bet x Corinthians
Dias após o depoimento de Rubão à Polícia Civil, em 16 de abril de 2025, o então presidente do Corinthians, Augusto Melo, afastado do cargo desde 26 de maio, prestou um longo depoimento de mais de três horas. Gravado em vídeo, o material foi obtido com exclusividade pelo LANCE!. ➡️Leia a matéria completa clicando aqui.
Nas imagens inéditas, Augusto aparece tenso, trajando roupas formais e acompanhado do advogado Ricardo Cury. Ele alterna entre pausas longas e respostas enfáticas diante das perguntas feitas pelo delegado Tiago Fernando Correia e pelo promotor Juliano Carvalho Atoji, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
Durante o depoimento, o dirigente abordou temas como os bastidores da campanha que o levou à presidência do clube, as rupturas internas que marcaram sua gestão e os detalhes do contrato com a casa de apostas Vai de Bet, centro da investigação conduzida pelas autoridades.