Dia 21/10/2015
19:39
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É impossível negar: Rubens Barrichello está mais leve. Parece ter tirado um peso das costas. Afinal, logo em sua segunda temporada inteira na Stock Car, o piloto já garantiu um título. Algo que não vinha há 23 anos, quando conquistou a Fórmula 3 inglesa, em 1991.

Mas a conquista não é o único motivo para isso. De volta ao seu país natal após 19 anos de Fórmula 1 e um na IndyCar, o piloto está mais perto da família no Brasil. A presença da esposa Silvana e dos filhos Eduardo e Fernando é quase constante nas corridas. E isso tem ajudado muito.

Em entrevista ao LANCE!Net, Barrichello falou sobre o ano, a relação familiar e a Fórmula 1. Confira abaixo:

- Qual a satisfação de conquistar o título da Stock Car logo em seu segundo ano. Foi uma surpresa?

Mais do que tudo, não é o fator surpresa. O fato é voltar para Brasil de uma forma competitiva e poder andar bem. Isso é algo muito legal. Provavelmente, se eu tivesse a condição de competir um ano a mais na IndyCar teria aprendido mais sobre todas as pistas, mudaria para uma equipe melhor e teria mais chances. Mas a Stock Car é o contrário daquilo que imaginamos e também da Fórmula 1. Conto sempre a história que na primeira vez, no momento em que a porta do carro fechou, pedi para abrir de novo, me deu uma sensação de claustrofobia, e isso eu nunca tive. Já parou o elevador comigo dentro, eu nunca tive isso. Mas na Stock Car o carro é muito fechado, um calor danado, insuportável, fiz bastante sauna pra acostumar com ele. Não começamos o ano bem, fizemos as modificações que precisavam ser feitas e isso rendeu bons frutos. A primeira delas foi ganhar R$ 1 milhão (ao vencer a Corrida do Milhão em Goiânia), não pelo dinheiro, mas por dar aquela motivada na equipe e mostrar que éramos capazes..

- Você esperava todo o carinho que vem recebendo da torcida?

Uma pessoa que tem como base a família, que tem como a situação tudo aquilo de bom que o pai passou, não precisa ter coisas contrárias, que são antagônicas. É lógico que a partir do momento que eu encarei para mim, sempre soube que 33% gostam de você, 33% não gostam e 33% não se importam. Então, passei a viver muito melhor. Infelizmente no Brasil, acaba se vendendo a notícia ruim como a melhor, porque ela é a mais lida, é configurada para que a pessoa comente, ela entra no fator comentário e isso faz com que se distorça aquilo que o cara realmente é. Se o leigo tiver vontade de perder um pouco de tempo e ir atrás de quando comecei, da minha primeira corrida de kart, ele vai ver que é uma carreira vitoriosa. Agora, se for ver que o cara deixou o (Michael) Schumacher passar, fez não sei o que, o leigo não vai entender nada e vai meter o pau. Então, é natural que tenhamos essas coisas antagônicas, mas mais do que tudo, com 42 anos, posso olhar no espelho e não gostar da beleza, mas gosto daquilo que vejo e que posso repassar para os meus filhos de uma maneira melhor ainda. Não é com uma vitória ou pódio que eles estão crescendo como educação, é quando eles estão vendo as dificuldades e fracassos. Com isso, vão ser mais fortes do que eu fui.

- Hoje a gente vê você mais leve e menos preocupado. Antes, até se preocupava com as brincadeiras que faziam com você. Você realmente está mais tranquilo?

Olha, estou mais leve, mas não por um fator inédito. A Fórmula 1 tem algumas coisas que acabam conturbando, tudo que você vai falar é meio que controlado. Na Stock Car, você fala o que vem na mente. Isso dá uma oportunidade de expor mais minhas ideias. Mais do que o Brasil, a idade me fez melhor. Todo aprendizado de vida e ver as coisas que realmente precisam ter valor e aquelas que muita gente manda, por exemplo, uma noticia ruim que estão falando, respondo: “Olha, chefe se precisar, eu procuro”. Às vezes, não ler coisas ruins é até melhor.


Barrichello, ao lado do filho Duda, comemora mais uma vitória na Stock Car, em seu segundo ano no Brasil (Foto: Divulgação)

- Antigamente, as pessoas pareciam não valorizar muito seu trabalho. No Brasil, as pessoas não valorizam os ídolos?

Gostaria que existisse uma reeducação na questão de valorizar os esportistas, não só os campeões, mas os esportistas. A gente chora por uma medalha, duas... Imagina se os Estados Unidos fosse chorar por medalhas olímpicas. Iam ter rios. Mas isso não sou eu que vou mudar. É uma situação que o Brasil pode pensar em mudar. Temos crianças diferentes hoje, com espírito diferente. Dou um exemplo dentro de casa. Outro dia o Fefê (Fernando), meu menor de nove anos, estava fazendo a curva e falei: “Vi você pegando duas vezes a zebra e acho que ela está fazendo você perder tempo. Então, ele disse: “Papai, eu testei duas vezes com a zebra e duas sem. Preferi com”. Ou seja, hoje eles têm opinião própria, isso é legal. Não preciso eu falar que não gosto de um esportista, ele pode virar e falar: “Olha, ele fez isso de legal”. O fato dessas crianças serem diferentes, estarem crescendo em um mundo diferente nos dá a chance de um projeto diferenciado para um futuro e já espero isso na Olimpíada de 2016, porque estamos tendo uma graça de ter isso no Brasil. Espero que a gente valorize os esportistas de forma igualitária em 2016.

- Você acha que estamos aproveitando o fato de ter a Olimpíada no Brasil?

Por enquanto, não. Mas acho que a Copa do Mundo deu uma impressão positiva. Se bem que tem sempre alguns sensacionalistas criando aspectos ruins, mas acho que temos tudo para fazer melhor do que a Copa.

- Houve alguma mudança no automobilismo atual? A Stock Car está mais organizada?

Tem patamar para subir, mas mudou sim. A pista de Goiânia é um exemplo disso. Reformularam em uma situação na qual íamos correr uma vez e voltamos para uma segunda prova. Isso mostra a importância da Stock Car para o público regional e nacional. Vi nisso mudanças. Não se cria algo pela Stock Car somente, mas já foram correr lá a Fórmula 3, o Campeonato de Marcas... Daí, se cria o salto que precisamos dar para nosso automobilismo nacional. Espero que em cinco anos, seja uma categoria internacional ou nossa, que possamos voltar a ter uma categoria do estilo da Fórmula Ford e possamos levar nossos grandes meninos do kart para aprimorar os conhecimentos de fórmula antes de ir para fora. Que vão para fora, vão, porque a Fórmula 1 não é brasileira. Você tem crianças correndo no kart, dizendo que o sonho é chegar na Stock Car. Legal, é um sonho que tem de ser consumado. Até pergunto: “Mas poxa, não é a Fórmula 1?” E não é. É um carro de Stock Car, guiar um DTM. Acho isso muito legal, porque é diferenciado. Mas quem quer chegar na Fórmula 1, tem de sair do kart sem passar por uma categoria como eu passei na Fórmula Ford, que foi essencial para eu saber de marchas, ter condições reais e nunca esquecer que ,quando dei três voltas de carro, competindo com outros 16 pilotos por uma vaga, depois da terceira volta o cara me parou e falou: “Você está contratado”. Isso aconteceu porque a F-Ford me deu uma base. Acho isso importantíssimo.

- Hoje a Stock Car é uma competição que vale a pena financeiramente para correr?

Só o fato de você falar que pode passar do amador para o lado profissional, já dá algum ganho. A Stock Car tem equipes que podem contratar pilotos de outras ou de categorias diferentes para seu campeonato. Por mais que o salário não seja grandioso, já coloca a categoria em um patamar diferente, como é a V8 australiana, a DTM... Acho isso muito legal.


Em 2011, Barrichello encerrou sua carreira na Fórmula 1, pela equipe Williams (Foto: Divulgação)

- Você tem algum sonho de voltar a correr lá fora? Teve a história de que você poderia correr pela Caterham no GP do Brasil da Fórmula 1.

Não, meu sonho está consumado. Para resumir essa história, porque muitos falaram e criticaram. Se você é dono de uma equipe de Fórmula 1, e me convida para correr dentro da minha casa, eu posso ter 79 anos, não tenha dúvidas que vou aceitar. Esse é o ponto inicial e final. Mas se eu iria fazer, não importa. Eu que tive uma carreira, iria dar a cara para bater em uma equipe pequena? Não importa. Amigo, é na minha casa, no quintal da minha casa. E poxa, para o cara ter passado por 700 mil pilotos e ter pensado no Rubens Barrichello, porque é no Brasil, porque andou bem, porque pode trazer um ponto para equipe, é sensacional. Isso é a coisa mais legal. Valorizar o ponto positivo da questão. O ponto negativo, puta o cara vai chegar em último... Se com 79 anos, eu tiver um convite para correr na Fórmula 1, não tenha dúvidas que enquanto tiver minha parte funcional trabalhando e meu pescoço aguentar... Hoje, tenho mais dores lombares do que na minha época de Fórmula 1. Por que? Porque ando muito mais de kart com meus filhos do que andava naquele tempo. Hoje, tenho tempo de brincar.

- Na última semana saiu o relatório da FIA sobre o acidente do Jules Bianchi no GP do Japão na Fórmula 1. Qual é a sua análise do ocorrido?

Não gostaria de falar. É muito triste ver o que aconteceu com um piloto tão jovem, com uma carreira grande pela frente. Não podemos fazer uma análise fria com o que vemos pela televisão. A TV não nos mostra os fatos reais. Se não se tornam públicos os dados de telemetria, não podemos ter uma avaliação daquilo. Se a situação é de bandeira amarela, é muito difícil tirar um décimo de segundo na pista, mas em situação de bandeira amarela, é difícil conquistar alguma coisa se você tem de tirar o pé e é perigoso demais. É muito difícil analisar.

- Em 19 anos de Fórmula 1, o que te marcou mais e o que te frustrou mais? E o que você mudaria hoje na Stock Car?

Gostaria de ver a Stock Car aumentando o número de corridas e buscando outros ambientes para correr. Os atuais e outras pistas. Me sinto agraciado de estar na Stock Car hoje e ver que as pessoas estão me conhecendo. Quem fala mal, é porque não me conhece. Então, daquilo que fiz de Fórmula 1, não mudaria. Lógico que você tem situações pecualiares, que você poderia pensar diferente. Mesmo porque, muitas coisas para nós no passado são acertadas ou vice-versa. Mas a realidade é, esses fracassos do passado são o que nos tornam melhor hoje. Não mudaria nada.

  
Na Stock Car, Barrichello reencontrou o caminho das vitórias e títulos (Fotos: Divulgação)

- Correu de Fórmula Indy, Fórmula 1 e Stock Car. Onde mais você correria?

Sou super aberto. Enquanto tiver a mente jovem e o corpo em dia, tudo pode acontecer. Muitos me perguntam se não tenho vontade de correr nas 24 horas de Le Mans, e é algo legal para se pensar. Poderia ser uma boa se for de forma competitiva.

- Você fala muito dos seus filhos e com muito orgulho. Você quer que eles corram ou vai deixar a decisão na mão deles?

Honestamente, sem querer ser arrogante, consigo ter dois dons: um deles é guiar e o outro é ser pai. Tenho muita felicidade em repassar o que meu pai me passou. Tenho muito orgulho dos meus filhos, eles me ensinam muito mais do que ensino a eles. Enquanto eles voltarem para casa dizendo que querem correr mais, que querem treinar, pedindo: “Fala para a mamãe que a escola até às 16h30 não dá certo, pai, porque eu não consigo treinar”... Esse tipo de coisa mostra uma paixão. Essa paixão pode ser guiada, porque o pai faz isso com paixão. Mas o mais importante é saber que eles estão felizes fazendo aquilo. Se for a decisão deles, é a minha também. Se decidirem fazer outra coisa, estarei sempre defendendo o esporte, que para mim é o que me deixou longe de qualquer droga da vida. Não só a droga oficial, mas qualquer coisa ruim. Fico feliz de estar repassando isso. Meus filhos são realmente um orgulho na minha vida.


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