Dia 28/10/2015
04:58
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Não há jogador no elenco santista que entenda melhor a importância da partida contra o Corinthians, nesta quarta-feira, do que o volante Adriano. Torcedor do Peixe desde a infância, Pagode cresceu na favela Catarina de Moraes, em São Vicente, onde a rivalidade alvinegra é “respirada” no dia a dia.

Acostumado a ver as ruas do humilde bairro tomadas nas conquistas dos clubes de maior torcida na Baixada Santista, ele tem noção de todos os componentes que cercam o superclássico do Pacaembu.

– Aqui tem muito santista, mas a rua também lota quando eles são campeões... Falam de São Paulo, Palmeiras, mas igual a Corinthians e Santos não tem – diz o volante, que, ao falar do fanatismo dos rivais, deixa escapar uma frase comumente dita pelos santistas:

– Os caras são loucos, chatos até... Agora, imagina se o Corinthians ganhar uma Libertadores!

Confira a entrevista com o volante santista


Adriano nem cogita essa hipótese. Até porque, além de ver o seu Santos fora da disputa pelo tetracampeonato da América, se o Peixe levar a pior nesta quarta, ele terá de pagar uma aposta feita com um amigo após a classificação sobre o Vélez.

Confiante no próprio taco, o volante não economizou na disputa:

– Tem muito colega corintiano me ligando, enchendo o saco... Já apostei 50 caixas de cerveja – revela o jogador, que, ano passado, com a conquista do Paulistão sobre o rival, já havia ganho de um corintiano outros 20 fardos e mais 5kg de carne.

Mais do que entender a importância de ganhar do rival Corinthians, a vivência na Catarina serviu para moldar a personalidade de Adriano. Simples, humilde e batalhador, o volante, que já enfrentou dificuldades, correu de tiroteios e até perdeu amigos para o mundo do crime, deixou a favela em 2007, mas não esqueceu dos ensinamentos lá aprendidos.

Apesar de não morar mais no local, o volante mantém a casa onde viveu por 18 anos e é lá, sem camisa, de bermuda e chinelo, que ele costuma passar as horas livres. Se ganhar nesta quarta, será na Catarina de Moraes a festa pela classificação. A cerveja já estará garantida, basta só chamar os amigos (santistas, de preferência) e fechar a rua para celebrar.

Na antiga casa, pai de Adriano fez "galeria" do volante (Foto: Ivan Storti)

Após tiroteio, Luxa fez volante deixar a favela

Adriano deixou o bairro Catarina de Moraes em 2007, logo quando foi promovido para o elenco profissional do Santos, sob ordens do técnico da equipe à época, Vanderlei Luxembrugo. O treinador ficou sabendo de uma situação de perigo que o volante esteve envolvido e fez com que ele se mudasse.

– Eu estava na rua e ouvi um “pá pá pá”. Quando vi que era um tiroteio, corri, fui até à esquina e pulei o muro da vizinha para me proteger. No dia seguinte, o Luxemburgo me chamou na sala dele e disse: “Que história é essa de ficar correndo de tiro na favela?” – contou Adriano.

Depois disso, o treinador pediu que o jogador dormisse na Vila Belmiro, enquanto não comprava uma casa. Com o tempo, o volante não só adquiriu um apartamento para si, como também pôde dar uma melhor residência para a família, que se mudou para uma área de classe média-alta em São Vicente.

Apesar de não manter contato com Luxemburgo, Adriano demonstra carinho e gratidão ao treinador, que hoje dirige o Grêmio.

– Muito do que sou hoje devo a ele, que aumentou meu salário, deu um conforto pra minha família e fez tudo ficar mais fácil... Ele me subiu para os profissionais e me ajudou muito – afirmou o jogador.

"Causos" e histórias curiosas de Adriano na favela

Bombardeio
A rivalidade com o Corinthians é tão grande na Catarina, que até hoje a antiga casa de Adriano é alvo dos rivais. O mais recente “ataque” aconteceu há um mês: “Quando o Corinthians ganhou do Vasco, vieram aqui e encheram minha casa de bomba e rojão“, conta ele.

Quase apanha
Certa vez, ainda adolescente, Adriano e Renatinho, ex-jogador do Santos que está na China, voltavam de um treino do Peixe quando o atacante provocou um grupo de garotos que estava na rua. “Os moleques vieram atrás da gente, eram uns 15 e tivemos que correr muito”, relembra Pagode, que só se salvou por ter entrado em um supermercado, cujas portas foram fechadas pelo segurança. “Depois disso, com medo, meu pai teve que me acompanhar até o ponto de ônibus por um bom tempo”, conta ele.

Cena mais chocante
O camisa 15 do Peixe presenciou diversas execuções a tiros, mas nenhuma delas foi tão marcante como ter visto uma mulher grávida quase ser baleada. “Estava aqui na rua e ouvi um barulho. Quando olhei, tinha uma moto, em alta velocidade, com um homem atirando. Nesse momento, uma mulher atravessava a ponte e ficou paralisada. Foram mais de 50 tiros, mas, não sei como, ela não foi atingida”.

Se chover...
A casa em que Adriano morava costumava sofrer com as enchentes. Em dias mais críticos, a casa ficava alagada e a família tinha de dormir na parte de fora da residência, em cima de uma mesa.

Se deu bem
Depois de perder para o Corinthians, na primeira fase do Paulistão de 2011, Adriano foi abordado na rua por um desconhecido torcedor do Corinthians, que lhe fez diversas ofensas. Irritado, o jogador propôs um desafio: “Disse que o Santos seria campeão em cima do time dele e, então, apostamos 20 caixas de cerveja e 5kg de carne. No dia seguinte ao título, fui até o trabalho dele, pois sabia que ele estaria lá, e fiz ele ir até o mercado e me pagar.”

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