O relatório divulgado quarta-feira pela Agência Americana Antidoping (Usada), que aponta Lance Armstrong como beneficiário da rede de dopagem forjada pela U.S. Postal Cycling Team, não surpreendeu o paranaense Mauro Ribeiro. Único brasileiro a vencer uma etapa da Volta da França, em 1991, ele chegou a competir com o americano, heptacampeão do Tour, com quem tinha boa relação. Mas revelou que, já no fim dos anos 90, suspeitas o rondavam.
– Esse fantasma (do doping) sempre correu perto dele. Mas levaram mais de dez anos para se comprovar algo de que se suspeitava – afirmou Ribeiro, hoje com 48 anos.
O brasileiro deixou as duas rodas em 1998. Segundo ele, foi quando o hormônio EPO (eritropoietina), um dos que Armstrong usou, passou a ser consumido por ciclistas. Foi aí que a EPO virou febre por aumentar o nível de glóbulos vermelhos e, assim, a resistência, e não ser detectado em testes antidoping – não havia tecnologia para tanto.
– Em 1998, sabíamos que alguns atletas já usavam (a EPO), mas não quais efeitos colaterais provocava. Mas era um produto elitizado, revolucionário, ao qual só uns dez ou 12 ciclistas tinham acesso – recordou.
Uma única dose de EPO custava o equivalente a R$ 10 mil na época. De acordo com Ribeiro, a introdução da droga no mundo do ciclismo se deu por intermédio do médico Michele Ferrari, também acusado de fornecer os produtos à U.S. Postal – os depoimentos colhidos pela Usada também comprovam uso de doping sanguíneo e hormônio do crescimento.
Porém, ele contou que pouco depois a demanda pelo novo potencializador de performance explodiu.
– Eram dois ou três médicos que possuíam o “saber fazer” do produto e o conhecimento. Como era restrito à elite, nós sabíamos que havia algo, mas não o que era. Eu vivi o momento, mas de fora – relatou o brasileiro, que defendia a equipe Lotto (BEL).
O paranaense foi técnico da Seleção Brasileira de ciclismo de estrada, e assegurou que sua aposentadoria, há 14 anos, não teve a ver com o surgimento de drogas como a EPO. Ele calculou ter passado por cerca de 80 exames antidoping na carreira, e não falhou em nenhum.
– Eu já tinha 35 anos quando parei. Estava cansadinho e sabia do meu limite físico – disse.
Bate-Bola
Mauro Ribeiro
LANCENET: Qual sua opinião sobre a investigação feita contra Armstrong?
Mauro Ribeiro: Muitos acham hipocrisia, porque muito tempo já passou desde que ele foi campeão. Para mim, foi uma questão moral e pública. Ele mexeu com alguém que não devia.
LNET!: Mas acha que é correto tirar os títulos dele na Volta da França?
MR: Vão tirar os títulos e dar para quem? Como ele vai devolver o dinheiro? A maior questão é financeira: ele teria que devolver 35 milhões de euros pelos títulos no Tour.
LNET!: Acha que essa investigação muda a história do ciclismo?
MR: O doping existe desde o princípio do esporte de alto rendimento. Em todas as épocas o mal anda com o bem. Sempre houve e sempre haverá ideia de melhorar performance.
LNET!: Você chegou a receber oferta de usar substância dopante?
MR: Na época em que estive no auge, o que ouvíamos sobre doping era algo muito mais artesanal. Os pegos usavam coisas como cafeína, aspirina ou codeína (um vasodilatador). Era algo muito mais “caseiro” do que hoje, cujo processo é científico.
LNET!: Quando você parou de competir, em 1998, surgiam as drogas como EPO e hormônio de crescimento. Como foi sua reação e de outros de seus contemporâneos?
MR: Foi o ano dos escândalos. Tanto é que o campeão do Tour naquele ano, o (italiano Marco) Pantani se suicidou anos depois (em 2004, após acusações de uso de EPO). Ciclistas, técnicos, oficiais e foram banidos. Foi uma época turbulenta.