Autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, esse texto não reflete necessariamente a opinião do Lance!
Dia 27/06/2025
14:48
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E a Maratona do Rio acabou cumprindo bem o seu atual objetivo principal: entreter! Para o bem e para o mal. Em momentos extremos, faz-se necessário buscar razão e explicação no passado. Assim falava Zaratustra! Assim escrevia Nietzsche.


Voltemos no tempo, então…
. Mais precisamente, o ano de 1985, exatos 40 anos atrás. Corria (sim, vocês já sabem que adoro isso!) o ano do fim da ditadura militar, que se arrastava, peçonhenta, desde 1964, no meu Rio de Janeiro. Foi, entre grandes eventos esportivos e musicais, o ano onde aconteceu a sexta edição da Maratona do Rio, a que recebeu o maior número de corredores, foram mais de 7 mil inscritos, e a de melhor organização. Outra igual, não se repetiria por muito tempo.
Também em 1985, acontecia pela primeira vez, um festival musical gigantesco, num local quase ermo, há mais de 40 quilômetros da zona Sul do Rio, num terreno baldio e enlameado, onde a mágica se fez: nascia o Rock in Rio, trazendo a música do mundo para o meio de um delicioso lamaçal gigante, onde mais de 1 milhão de insanos se divertiram ao longo de 10 dias de festival. Ali surgiu o conceito “Cidade do Rock”, ao som de Queen, Yes, Whitesnake, Iron Maiden, Al Jarreau, entre outros gringos. E uma seleção brasileira de encher os olhos, ouvidos e alma - Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Gil, Lulu, Blitz, Paralamas, Barão Vermelho… Quem viveu esta verdadeira odisseia, não esquece mais. E, à cada 2 anos, novas gerações podem experimentar, guardando as devidas expectativas, a vida pulsando novamente, no coração da Cidade do Rock.
Isso, sim, é entretenimento puro! Mas, e a Maratona do Rio?
Bom, antes de tudo, uma maratona já nasce fadada a ser um evento de performance ESPORTIVA, onde seus participantes precisam, antes de mais nada, estar treinados para cumprir o único propósito inquestionável: percorrer a distância existente entre a LARGADA e a CHEGADA, exatos 42.195 metros! Para que isto aconteça, é necessário criar uma parceria entre corredores (que se comprometem em treinar da melhor forma possível, dedicando meses de treinamento) e organizadores (que se empenham em tornar a tarefa dos corredores, menos dura e enfadonha).
E como os organizadores conseguem fazer sua parte?
Simples, ouvindo os corredores, principalmente os já maratonistas!
Comecemos pelas inscrições: Ter um site ou portal, com um sistema de venda de tickets fácil e intuitivo, com um mínimo de “clicks” até a conclusão da compra. Praticando um preço justo pela “mercadoria” adquirida, e principalmente, uma logística decente de entrega de kits, para evitar filas enormes nos dias de retirada de kit. Se possível, desvincular a entrada da retirada dos kits com a da feira da maratona! Os corredores agradecem, penhorados. É fundamental que organizadores visitem as retiradas de kits das Majors (World Marathon Majors), e das de Valencia e Paris. Entendam a necessidade de logística específica para tal!
Mantenham um checklist parrudo em dia: não esqueçam do inesquecível (esquecer num galpão distante, as medalhas dos 5km em um Festival de Corridas, onde esta prova está “abrindo os serviços”, é fatal)
Repensem a manutenção do escalonamento de provas, revejam o percurso da MARATONA no Centro da Cidade! Lembrem que ano que vem não haverá um feriado facultativo na quinta-feira. Evite mudanças anuais no formato das provas.
Repensem, aliás, PENSEM, mil vezes antes de criarem no escalonamento de largadas em ondas, uma largada especial, logo após a largada da ELITE, onde para ter acesso a esta Largada, basta pagar R$ 200,00!! Centenas, quase milhar, de pessoas usufruíram deste “benefício”, que simplesmente congestionou a prova, com um engarrafamento humano, causado pelos atletas sem a menor condição de impor algum ritmo em suas caminhadas/procissões. Esse pelotão vip especial, não poderia jamais ter largado antes de TODOS os amadores!! Sim, aqueles ali de cima, que treinaram duro, ao longo de meses, para um dia de performance, se viram tentando atravessar um longo e largo pelotão que se movia em ritmo quase de caminhada! Resultado? Engarrafamento e protestos dentro do túnel, para aumentar a claustrofobia e ódio.
Repensem na logística de reposição de água, já que não houve o tão desejado isotônico, pois a demora em repor, e quando reposta, a água vinha ao natural (talvez de Miami, ou Crato), e mesmo num dia quase fresco, água gelada é uma demanda vital para um maratonista.
Repensem em diminuir a distância que os atletas tinham que percorrer na maldita dispersão. Eram 1610 metros, uma milha inteirinha, após percorrerem mais de 42 km, obrigarem ao pobre herói anônimo a se contorcer, passar mal, implorar por ajuda, por longos 1610 metros?
Ok, a espetacular Maratona de NY, já errou sob este detalhe, mas apenas 1 vez! No ano seguinte, a dispersão que leva os atletas concluintes para fora da arena e do próprio Central Park, voltou aos aceitáveis 700 metros, no máximo. E lá, após cruzarem a linha de chegada, até o fim da dispersão, os atletas passam por 2 enormes hospitais de campanha, infinitas tendas para consumo de alimentos, frutas e isotônicos.
Tirem a banda marcial do meio do percurso dos atletas!!! A precariedade de espaço para que os atletas pudessem correr já era alarmante, em muitos pontos do percurso, gerando desconforto aos atletas (os organizadores bons fazem o oposto, tentam cercar de CONFORTO o atleta que pagou, caro, para este momento único de performance esportiva, pelo qual ele treinou e se sacrificou meses a fio!), e para aumentar o atrito, nada melhor do que uma banda no meio do caminho. Quando vi isso, automaticamente me lembrei saudoso de Nara e Chico, cantando “… pra ver a banda passar, cantando coisas de amor…”. A minha gente sofrida, na maratona, teve que desviar de mais um obstáculo!
Por falta de espaço, vou ficando por aqui, olhando de longe a belíssima arena (para shows e entretenimento, são espetaculares), e aproveitando o saudosismo que ora me atropela, lembro da Maratona do Rio de 1985, com uma Largada especial para a Elite, com centenas de realmente atletas de Elite, e logo, a seguir, largando um único e enorme pelotão de mais de 7 mil atletas, que iam se colocando no local de largada correspondente a sua expectativa de ritmo de prova. E uma enorme massa de gente, feliz, dava início a sua corrida pela orla do Leme, numa tarde linda de inverno, sem engarrafamento de gente, sem atropelos, sabendo que o melhor lugar do mudo era ali, e naquela hora, como cantou Gil, em 85, em plena Cidade do Rock. Quantos destes felizes maratonistas, também, naquele ano, não estavam também entre aquele mundo de mais de 1 milhão dos que foram ao primeiro e inesquecível Rock in Rio?
EU FUI! E trago na memória cada gota de chuva, de suor e de lágrima daquelas noites!
Em maratonas, o artista principal é o maratonista, e o palco é de asfalto e gente, por longos, dolorosos e deliciosos 42 mil, cento e noventa e cinco metros.
Guardem e usem bem isto. Só assim se fabrica um sonho, e se consegue um “selo Majors”

Lauter Nogueira

*** Desde o fim da manhã deste domingo, até ontem (quinta-feira à tarde), conversei, entrevistei e proseei com muita gente que participou das provas do conjunto Maratona do Rio. A maioria, com algum grau de frustração pelo que viveu naquele feiradão. Os que menos reclamaram foram os participantes dos 10km, na sexta-feira.

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