O dia 29 de abril de 1994 deveria ter sido apenas mais um de atividades regulares da Fórmula 1 em Ímola, mas acabou ficando marcado como o início do fim de semana mais tenebroso da história da categoria. Antes dos acidentes fatais do austríaco Roland Ratzenberger e de Ayrton Senna, que aconteceram no sábado e no domingo, respectivamente, Rubens Barrichello quase entrou para a lista de vítimas fatais do circuito italiano.
Era a terceira etapa de 16 no total, a temporada já havia acumulado passagens pelo Brasil, que, na época, era a prova de abertura, e pelo Japão, ainda conhecido como GP do Pacífico, realizado no circuito de Okayama, em Aida. Após duas vitórias e 20 pontos somados, Michael Schumacher, da Benetton, chegou à Itália como líder do campeonato, 13 tentos à frente de Barrichello, que vestia as cores da Jordan e vinha de um pódio na etapa nipônica, o primeiro da carreira. Senna, por sua vez, continuava zerado após abandonar as duas primeiras corridas.
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Em Interlagos, em 27 de março, quando fazia a estreia pela Williams, o tricampeão mundial cravou 1min15s962 e garantiu a pole-position, sendo 0s328 mais rápido que Schumacher. No dia seguinte, Ayrton liderou a prova por 21 voltas, quando, ao tentar ultrapassar o alemão logo após deixar os boxes, rodou na subida da Junção e ficou parado, tendo de abandonar. Três semanas depois, no Japão, a história se repetiu: Senna superou o futuro campeão daquele ano e ficou com a primeira posição no grid, mas acabou não passando da primeira curva após largar mal e ser tocado na traseira por Mika Häkkinen, da McLaren, que o fez rodar e ficar preso na brita.
Sem pontuar nas duas primeiras etapas, o próprio Senna chegou a dizer que o GP de San Marino era o “marco zero” do campeonato. Na busca pelo quarto título e vendo o principal rival se distanciando na classificação, o piloto brasileiro, pela primeira vez em 1994, considerava a Williams a favorita para a vitória. O otimismo era justificado pelo traçado extremamente rápido da pista de Ímola, onde a velocidade média chegava aos 210 km/h em condições de corrida, o que se adequava muito bem ao motor Renault RS6, de dez cilindros, que ocupava a traseira do FW16 — na época, o mais potente da categoria.
Vice-líder do campeonato até então, Barrichello, por sua vez, estava apenas em sua segunda temporada na classe rainha. Apesar de ter conquistado o quarto lugar em Interlagos e um pódio na corrida seguinte, o piloto de 21 anos à época não tinha tantas expectativas para a etapa em Ímola, já que o motor Hart que equipava a Jordan não era tão potente quanto as unidades de Ferrari, Renault e Ford, embora o modelo 194 da equipe inglesa não sofresse com problemas de equilíbrio.
De qualquer maneira, animado com os ótimos resultados conquistados e estimado como uma das grandes revelações do início daquela década, Rubens queria dar as cartas e mostrar que tinha potencial para surpreender os grandes nomes durante aquele fim de semana. E, de fato, o brasileiro se tornou o maior personagem da sexta-feira no circuito italiano, mas não devido aos motivos pelos quais ele tanto esperava.
Acima de qualquer pretensão que a Jordan pudesse ter, Barrichello ocupou uma razoável décima posição após os treinos realizados pela manhã, ficando 2s9 atrás do líder da sessão, Senna. Naquela época, a F1 tinha classificação na sexta e no sábado, com o melhor tempo de cada piloto sendo considerado para a formação do grid de largada. Buscando a terceira pole na temporada, Ayrton cravou 1min21s548 e foi o mais rápido daquela tarde, garantindo a posição de honra para o GP de San Marino, já que o giro de 1min21s885 que Schumacher marcou na segunda parte da classificação, no sábado, só serviu para colocar o alemão no segundo posto.
Rubens, por sua vez, sabendo que tinha condições de fazer mais, calçou pneus novos e decidiu levar a Jordan #14 ao limite na busca por alguns décimos que poderiam melhorar a marca e garanti-lo definitivamente no top-10 para a corrida. Enquanto contornava cada uma das desafiadoras e velozes curvas do circuito de Ímola, chegando a baixar 0s8 em relação ao tempo alcançado pela manhã após completar os primeiros setores, Barrichello não contava com uma zebra excessivamente alta na Variante Bassa, anterior à reta principal.
A 225 km/h, Rubens perdeu o controle do carro, subiu na zebra e foi pelos ares. A Jordan passou por cima da barreira protetora de pneus, bateu de lado na tela de proteção diante de uma das arquibancadas, caiu na grama lateral à pista e ainda capotou duas vezes antes de parar com as rodas para cima. Uma batida terrível. Por causa do impacto de sua cabeça contra o cockpit, o capacete do brasileiro chegou a quebrar.
Os fiscais de pista logo chegaram até o local e prestaram pronto atendimento, colocando o monoposto na posição correta. Rubens ficou desacordado, e a equipe médica liderada pelo veterano Sid Watkins levou cerca de seis minutos para remover o brasileiro do bólido, tudo feito com o maior cuidado para evitar qualquer problema na coluna cervical.
De acordo com o médico, o piloto engoliu a língua e ficou “morto por alguns minutos”. A eficiência da equipe de resgate no circuito foi fundamental, dada a violência da batida, que teve o impacto de 90G — que corresponde a 90 vezes o peso do piloto, que, na época, era de 72kg. Logo em seguida, Barrichello foi encaminhado para o centro médico do autódromo, onde foi submetido à uma tomografia computadorizada. Foi lá, inclusive, que recebeu a visita de Senna, que imediatamente saiu dos boxes da Williams para acompanhar de perto a situação.
Logo em seguida, Rubens foi levado para o hospital Maggiore, em Bolonha, a 35 km de distância, onde ficou sob observação. Internado, o jovem piloto não só recebeu mais uma vez a visita de Ayrton, mas também de Christian Fittipaldi, terceiro brasileiro do grid e que competia pela Footwork. No sábado, após surpreendente recuperação, Barrichello foi liberado e marcou presença no autódromo para acompanhar de perto as atividades.
Apesar da força do acidente, felizmente Rubens saiu ‘apenas’ com uma luxação na costela, algumas escoriações e uma pequena fratura no nariz, mas suficientes para tirá-lo da corrida de domingo. Sem poder competir, o brasileiro voltou para sua casa em Cambridge, na Inglaterra, onde morava na época, de onde assistiu ao restante do fim de semana, incluindo os acidentes fatais de Ratzenberger e Senna. Barrichello, por sua vez, retornou aos testes com a Jordan alguns dias depois, em Silverstone.