Alvo de apurações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Libra e a LFU não poderiam ter sido criadas e negociar contratos de transmissão sem aprovação prévia da autarquia. É o que considera Isabel Veloso, professora da FGV Direito Rio.
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— Sempre que uma operação configurar um ato de concentração econômica, como é o caso dessa joint venture para gestão ou negociação coletiva de direitos, e atingir os critérios de faturamento previstos em lei, há obrigação de notificar previamente o Cade — afirma Isabel, nesta entrevista ao Lance!.
Doutora em Ciência Política, Isabel Veloso leciona disciplinas de Direito da Concorrência, Fusões e Aquisições, entre outras. Para ela, o Cade pode exigir que as ligas tomem medidas que evitem concentração econômica ou até mesmo impedir as operações de Libra e LFU.
LANCE! - Do ponto de vista legal, as ligas deveriam realmente ter notificado o Cade antes de se formalizarem?
ISABEL VELOSO - Sim. Sempre que uma operação configurar um ato de concentração econômica, como é o caso dessa joint venture para gestão ou negociação coletiva de direitos, e atingir os critérios de faturamento previstos em lei, há obrigação de notificar previamente o Cade.
Pelas regras atuais, a notificação é obrigatória quando, no Brasil, um dos grupos envolvidos tiver faturamento igual ou superior a R$ 750 milhões e o outro, igual ou superior a R$ 75 milhões no último exercício.
Nessas condições, a operação não pode ser consumada antes da aprovação da autarquia. Caso as partes formalizem e passem a atuar conjuntamente antes da decisão, isso pode caracterizar gun jumping (infração conhecida como "queimar a largada", em tradução), sujeitando-as a multa e à nulidade dos atos praticados.
Qual o critério básico para uma atividade econômica depender da aprovação do Cade?
São dois critérios principais. O primeiro é a natureza da operação: ela deve configurar um ato de concentração econômica, como uma fusão, aquisição, joint venture ou contrato associativo que envolva cooperação contínua e compartilhamento de riscos ou resultados entre empresas concorrentes.
O segundo é o critério de faturamento previsto em norma: a operação deve envolver um grupo econômico com faturamento igual ou superior a R$ 750 milhões e outro com faturamento igual ou superior a R$ 75 milhões no Brasil, no último exercício.
Quando esses dois requisitos são atendidos, a notificação prévia ao Cade é obrigatória, e a operação não pode ser implementada antes da decisão da autarquia.
Cade pode barrar atos de Libra e LFU
O Cade cita a tentativa de aproximação dos dois grupos, Libra e LFU, como potencial concentração econômica. O órgão tem poder de barrar essa união?
Sim. O Cade tem poder para aprovar, impor condições (remédios) ou reprovar a operação caso conclua que a unificação entre as ligas poderia gerar efeitos anticoncorrenciais.
Se, ao final da análise, a autoridade entender que os riscos à concorrência superam os eventuais ganhos de eficiência, a operação pode ser condicionada ou barrada.
Atualmente a CBF é responsável pela organização da Série A, e vinha sendo responsável pelos contratos comerciais até poucos anos. De certa forma, já há concentração econômica. Eventual junção da ligas, mesmo com anuência da CBF, poderia ser barrada pelo Cade? Por quê?
Sim. A existência de um organizador (CBF) não substitui o controle antitruste sobre quem negocia e internaliza poder sobre direitos comerciais. Se a fusão de ligas elevar poder de barganha a ponto de reduzir rivalidade, facilitar coordenação ou piorar condições de acesso a conteúdo e plataformas, o Cade pode condicionar ou reprovar, ainda que haja anuência da CBF.
Quais punições as ligas podem enfrentar?
Se houver gun jumping: nulidade dos atos praticados antes da decisão; multa entre R$ 60 mil e R$ 60 milhões, calculada conforme fatores como pena-base, gravidade, tempo de atraso, intencionalidade, reincidência, com possíveis reduções por notificação espontânea; e instauração de procedimento administrativo.
Há tempo médio para andamento de processos do tipo?
Depende do tipo de rito adotado pelo Cade. Operações simples e de baixo risco concorrencial, como mera substituição de agentes econômicos, seguem o rito sumário, cujo prazo de análise é de 30 dias. Já casos mais complexos, que exigem coleta de informações adicionais, pareceres técnicos e eventuais negociações de remédios, seguem o rito ordinário, com prazo legal de até 240 dias, prorrogável por mais 90 dias.
Nota da redação: Libra e LFU informaram que as apurações do Cade estão sob análise dos respectivos departamentos jurídicos e não quiseram se manifestar. A LFU acrescentou que sempre agiu em conformidade com a lei.