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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 19/11/2021
18:30
Atualizado em 20/11/2021
08:47
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Por mais que o futebol seja considerado um esporte democrático, o combate ao racismo continua a lidar com duros empecilhos. Além de perdas de pontos e de mandos de campo serem exceções em punições, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol indica que em 2021 o número de denúncias de injúrias raciais já superou o ano anterior: são 51 casos, contra 31 relatados em 2020. Ao LANCE!, o diretor do Observatório, Marcelo Carvalho, detalha com lamento aspectos para serem refletidos no Dia da Consciência Negra.  

- É um aumento que não nos surpreende, pois a pandemia acarretou em uma interrupção no futebol e durante muitos meses, houve jogos com portões fechados. Porém, à medida que o público retornou aos estádios, a impressão é de que as injúrias raciais voltaram com mais força - disse.

Segundo o diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o número ficou elevado em especial nos últimos três meses. O órgão monitora os casos e consulta autoridades desportivas, que definem se levarão adiante em julgamento.

Adriana, atleta do Corinthians, relatou que foi chamada de 'macaca' durante jogo  com o Nacional-URU na Libertadores Feminina (Foto: Fernando Roberto/Agencia Futpress)


Carvalho elenca alguns aspectos para este aumento de denúncias.

- Vivemos em um momento conturbado, com discurso de ódio aflorado. Mas, ao mesmo tempo, hoje acompanhamos maior conscientização tanto de grupos de torcedores mas também de jogadores - e destacou:

- Alguns anos atrás, provavelmente não veríamos uma atleta do Corinthians não iria falar sobre a injúria racial que sofreu durante um jogo (Adriana foi chamada de "macaca" por uma adversária do Nacional-URU em jogo válido pela Libertadores Feminina). Vemos jogadores cada vez mais perdendo o receio de denunciarem quando sofrem racismo - completou.

Aos olhos do diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, também há uma evolução para mudanças de comportamentos em estádios.

- A pauta de racismo não é mais debatida somente atrelada a datas como o Dia da Consciência Negra. Em alguns clubes, são promovidas palestras. Há debate entre grupos de torcedores, percebemos um aumento de conscientização coletiva em torno de temas como racismo e outros preconceitos como machismo e homofobia - declarou.

'CASO CELSINHO': GOSTO AMARGO COM RESOLUÇÃO DO PLENO DO STJD

Punição ao Brusque ficou mais 'branda': em vez de pontos perdidos, clube foi multado e dirigente que o ofendeu, multado e afastado de estádios por 360 dias (Gustavo Oliveira/Londrina

O fato do Pleno do STJD "devolver" ao Brusque os três pontos perdidos por uma injúria racial contra o meia Celsinho, do Londrina, também foi vista como controversa por Marcelo Carvalho. O diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol apontou contradições.   

- No lado prático, o Brusque perderá mando de campo e será multado. Mas no ponto de vista simbólico, de toda uma luta por um movimento antirracista, a impressão é que o clube foi absolvido ao ter seus pontos devolvidos. Mesmo que fique registrada a pena mais branda, o Brusque conseguiu ter os pontos de volta na Série B - disse.

De acordo com Carvalho, o julgamento do Pleno do STJD trouxe um sinal preocupante para casos de racismo. 

- O que acontece sempre no futebol tem uma projeção muito grande. Quando vemos em um tribunal esportivo pessoas relativizarem o racismo, a luta para que a discriminação seja combatida fica enfraquecida. A dor não é pelo grito, pelo xingamento ou piada de um torcedor ou dirigente em um estádio. Essa dor tem reflexo, que é o genocídio da população negra - afirmou, ressaltando:

-  É lamentável que torcedores sigam cometendo atos racistas e saindo impunes também na esfera desportiva. O torcedor é uma pessoa como outra qualquer. Mas o papel dos clubes também é importante neste momento para promoverem pautas antirracistas - completou.

No Dia da Consciência Negra, Marcelo Carvalho traça alguns caminhos para pôr fim ao preconceito.

- É fundamental que os clubes debatam inclusive internamente pautas antirracistas. Quem relativiza os xingamentos só vai compreender de fato o que é discriminação quando ouvir depoimentos de colegas deles. Quando compreenderem que não é só um insulto ou xingamento, mas também que é a dor do ofendido. Que há uma desigualdade racial, que a discriminação leva 45% dos jovens negros até 29 anos (de acordo com dados da OMS de 2020) a cometerem mais suicídios que os brancos. O que pensam que é uma provocação na verdade afeta uma população - disse.  

O diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol aponta a urgência de um debate amplo do tema nos gramados.

- Temos de levar esta conscientização também para dentro das Federações e dos tribunais de justiça desportiva de cada local. Não basta um ato de racismo levar o clube a ser julgado e penalizado. Todos têm de estar cientes do quanto o racismo precisa ser combatido!

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