Dois procedimentos abertos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) podem resultar em multas pesadas e até mesmo tornar nulos todos os atos praticados pela Libra e pela LFU, as duas ligas que reúnem a elite do futebol nacional. Os dois grupos tiraram da CBF a intermediação da venda dos direitos de transmissão e pretendem, no futuro, organizar o Brasileirão. Mas, para o Cade, eles podem ter queimado a largada.

➡️Para especialista, Libra e LFU erraram ao não notificar o Cade

A autarquia federal é um órgão antitruste que atua para proteger a livre concorrência no Brasil. Ela instaurou dois Procedimentos Administrativos de Apuração de Ato de Concentração (APACs) para verificar a "ocorrência de atos de concentração econômica não notificados previamente" ao órgão. A prática é conhecida como gun jumping ("queimar a largada", em tradução). 

— Sempre que uma operação configurar um ato de concentração econômica, como é o caso dessa joint venture para gestão ou negociação coletiva de direitos, e atingir os critérios de faturamento previstos em lei, há obrigação de notificar previamente o Cade — explica Isabel Veloso, que é professora da FGV Direito Rio. A íntegra da entrevista você confere clicando aqui.

Mas, de acordo com a Superintendência-Geral do Cade, essa notificação prévia não aconteceu. Há dois anos, a superintendência enviou ofícios aos clubes envolvidos e aos fundos gestores das ligas pedindo informações. Ao longo da apuração, também registrou o movimento de clubes de uma liga para outra. Em nota técnica, a superintendência apontou que os atos representavam concentração econômica e encaminhou a denúncia para ser analisada pelo tribunal administrativo da autarquia.

Com base na denúncia, no início deste mês o conselheiro-relator responsável pela apuração do Cade, Victor Oliveira Fernandes, determinou a intimação dos representados e tornou o procedimento público.

➡️Sem dinheiro, clubes da Série B criticam ligas e pedem socorro à CBF

Eventual decisão do Cade pode comprometer unificação de Libra e LFU e desejo de organizar o Brasileirão

No despacho, o conselheiro do Cade registrou a aproximação da Libra e da LFU, o que "reforça a necessidade de aprofundamento da análise conduzida pela autoridade".  

"A partir de 2024, teria havido um movimento de progressiva aproximação entre Libra e Liga Forte União, anteriormente posicionadas como estruturas competidoras. A materialização dessa convergência teria ocorrido em 01.03.2025, com o anúncio de acordo conjunto para comercialização dos direitos de transmissão da Série B do Campeonato Brasileiro. Há ainda notícias que apontam a formalização de um suposto Memorando de Entendimento para uma eventual 'fusão' entre as entidades concorrentes", escreveu Victor Oliveira Fernandes.

O desejo dos clubes de organizarem a liga nacional é antigo. Quando o ex-presidente da CBF Ednaldo Rodrigues foi eleito pela primeira vez, em 2022, ele trocou o apoio dos dirigentes de clubes pela promessa de que a entidade não iria se opor a entregar a organização do Brasileirão a eles. E, de fato, uma série de reuniões aconteceram na própria sede da CBF desde então, que apenas cedeu o espaço.

A própria assembleia que decidiu pela criação da LFU, em junho de 2022, foi realizada dentro da CBF. À época, o grupo foi criado por divergências à Libra. A expectativa dos integrantes era de que o Brasileirão passaria a ser organizado pelos clubes este ano, algo que acabaria não ficando nem próximo de acontecer.

CBF não quer se afastar totalmente da liga, caso ela de fato saia do papel

Em março deste ano, o Lance! noticiou que Libra e LFU estavam mais próximas, e que já havia o entendimento de que elas poderiam assumir a organização do Campeonato Brasileiro a partir de 2027. 

Desde então, a discussão entrou em compasso de espera, e com a apuração do Cade ela pode ficar travada. A depender do andamento do processo, ele poderá ter uma definição apenas no segundo semestre do próximo ano. Se punidas, as ligas poderão ser multadas em até R$ 60 milhões e terem todos os seus atos considerados nulos.

Além disso, o atual presidente da CBF, Samir Xaud, tem entendimento diverso do anterior em relação a entregar o Brasileirão aos clubes. "A CBF entraria como mediadora (da liga), como parceira. A CBF é a responsável pelo futebol brasileiro perante Conmebol e Fifa. Por isso a gente acredita que essa liga tem que partir de dentro da CBF", disse Xaud em agosto, em entrevista ao "GE".

E, para completar, clubes da Série B vinculados à Libra e à LFU já foram pedir socorro financeiro à CBF. Na semana passada, a entidade anunciou um auxílio emergencial no valor de R$ 50 milhões e informou em nota que "diante do cenário apresentado, os clubes entendem que é necessário a CBF reassumir a condução comercial da Série B do Campeonato Brasileiro".

Procurada pelo Lance!, a Libra informou que a apuração do Cade está com o departamento jurídico e que não irá se pronunciar no momento. A LFU, por sua vez, declarou que não comenta processos em andamento, mas afirmou que "sempre agimos em conformidade com a lei" e que prestará "os esclarecimentos necessários ao Cade dentro dos prazos estabelecidos".

Intenção de Libra e LFU de organizarem o Brasileirão segue em compasso de espera (Foto: Letícia Martins/EC Bahia)


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