SÃO PAULO (SP) - Um vídeo inédito, revelado nesta quarta-feira, 30 de julho de 2025, com exclusividade pelo Lance!, mostra o então presidente afastado do Corinthians, Augusto Pereira de Melo, tentando se desvencilhar das acusações que o colocam no centro do escândalo do patrocínio da casa de apostas Vai de Bet. Durante mais de três horas de depoimento à Polícia Civil de São Paulo, Melo alterna hesitações, rompantes emocionais e frases que podem pesar contra ele no processo judicial — entre elas, uma confissão direta:
“Nada se faz no futebol sem intermediário.”
A fala, proferida no depoimento do dia 16 de abril de 2025, contrasta com o discurso público que Augusto sustentava até então — o de que teria fechado o maior contrato da história do Corinthians sem atravessadores. Mas a investigação aponta o contrário: o suposto “maior patrocínio do futebol brasileiro”, no valor de R$ 360 milhões, por três anos, escondia um esquema com empresa de fachada, repasses em cadeia e dinheiro desviado do clube.
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O depoimento foi prestado na sede da 3ª Delegacia de Fraudes Financeiras da Polícia Civil, com a presença do delegado Tiago Fernando Correia e do promotor Juliano Carvalho Atoji, do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). O Lance! teve acesso exclusivo à íntegra do vídeo.
Euforia, contradições e o peso da palavra
Quando questionado sobre a empresa Rede Social Media Design, que recebeu R$ 1,4 milhão como suposta intermediária do contrato entre Corinthians e Vai de Bet, Augusto Melo responde:
“Eu nem me preocupei com intermediário. Estava eufórico.”
Ele tenta justificar que sua única preocupação era “fechar valor” — o valor bruto de R$ 360 milhões, segundo ele, teria sido seu foco. Mas em outro momento, aos 1h22min18s, o ex-presidente admite:
“Até que se prove o contrário, ele [Alex Cassundé] é o intermediário.”
Alex Fernando André, o Cassundé, é apontado como o dono da empresa que recebeu os valores considerados fraudulentos pelo Ministério Público. Já aos 48min06s, Augusto menciona outro episódio revelador:
“Eu tive uma transação com o [zagueiro] Cacá que quase eu tenho que pagar duas vezes o intermediário.”
A fala evidencia que Melo conhecia — e aceitava — a prática de repasses paralelos a terceiros, algo central para o entendimento do esquema.
O Rubão, a campanha e a ruptura
O vídeo também revela mágoas e rompimentos com aliados históricos. Rubens Gomes, o Rubão, ex-diretor de futebol e um dos principais articuladores da campanha de Melo, é citado com pesar:
“O Rubão era meu melhor amigo na campanha.”
Mas logo depois, o tom muda:
“Faz essa fogueira toda porque quer ser o próximo presidente.”
Outro nome mencionado é o do jornalista Wagner Vilaron, que, segundo Melo, atuava como assessor de Rubão, e não do clube:
“O Vilaron estava como assessor do Rubão, não do Corinthians.”
Já ao se referir à relação com a torcida organizada, Melo não disfarça a estratégia política:
“Só um presidente burro não trabalha com uma torcida dessa.”
Um escândalo de cifras e fantasmas
O contrato com a Vai de Bet, assinado em janeiro de 2024, foi apresentado como o maior patrocínio da história do futebol brasileiro. Mas, segundo denúncia aceita pela Justiça de São Paulo, parte dos valores foi desviada por meio da simulação de uma intermediação falsa. A empresa Rede Social, controlada por Alex Cassundé, teria recebido R$ 1,4 milhão, com previsão de embolsar até R$ 25,2 milhões ao longo do contrato.
A juíza Márcia Mayumi Okoda Oshiro, da 2ª Vara de Crimes Tributários e Lavagem de Dinheiro, escreveu que os valores desviados circularam entre empresas de fachada, antes de serem usados para pagar dívidas de campanha e gerar enriquecimento ilícito do grupo político de Melo.
Com base nisso, o ex-presidente e outros cinco réus foram denunciados por furto qualificado, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A fraude, segundo a magistrada, se deu por meio da inserção de um falso intermediário para justificar pagamentos que, na prática, saíram dos cofres do clube e foram pulverizados em transferências sucessivas.
Defesa alega “guerra política” e tenta anular investigação
A defesa de Melo argumenta que o caso deveria ser investigado pela Polícia Federal, devido à presença de uma empresa estrangeira no contrato (a BETPIX N.V., com sede em Curaçao). Também alega que houve quebra ilegal de sigilo financeiro e que Melo “entregou voluntariamente” seus dados.
Os advogados sustentam que o ex-presidente não recebeu valores ilícitos e que está sendo alvo de “vazamentos seletivos”, motivados por disputas políticas internas no Corinthians. Mas a juíza rejeitou os pedidos da defesa, e o processo segue em andamento, com base em relatórios do Ministério Público, documentos fiscais, depoimentos e quebras de sigilo bancário e telefônico.