Em um meio cada vez mais engessado, de declarações vazias, o volante Souza se destaca não só pelo que joga, mas pelo que tem a dizer. Concorde você ou não, existe um discurso no camisa 5, "eleito" pelo técnico Juan Carlos Osorio como o melhor volante do Brasil.
Souza está com moral, marcou os últimos dois gols do São Paulo no Campeonato Brasileiro, contra Chapecoense e Avaí, contra quem também foi premiado com a faixa de capitão, na ausência de Rogério Ceni. Fala como líder, a ponto de sugerir até o encurtamento do gramado do Morumbi para melhorar a qualidade do espetáculo.
Desde o ano passado no São Paulo, o volante disse nesta entrevista exclusiva ao LANCE! que o clube não pode passar 2015 sem o título brasileiro, elegeu os principais adversários, cobrou a diretoria por reforços, embora a cúpula diga que não vai repor a perda de três jogadores, e bateu forte nos dirigentes, que deixam o futebol brasileiro "bem abaixo" do europeu. Uma entrevista com personalidade.
Confira o bate-papo exclusivo:
Como foi substituir Rogério como capitão?
Estava meio que esperando, pelas opções que tinha no time, e quando Osorio falou que tinha me escolhido, fiquei muito feliz. Primeiro pela confiança dele e depois por estar representando uma faixa que não é qualquer uma. Substituindo o maior ídolo do São Paulo. Para mim foi muito importante a confiança de todos, tentei dar meu melhor como capitão, orientar o time da forma que podia. Fiz meu papel. Espero que aconteça mais vezes.
Como foi a repercussão do grupo?
Foi tranquilo. Ninguém questionou, falou nada. É normal, se fosse qualquer outro a gente respeitaria. Nosso grupo é tranquilo, respeita sempre a decisão do treinador. Da minha parte dei minhas palavras no campo, incentivo, como o capitão faz, e fizemos um bom jogo, pena que não tivemos o resultado.
Acha que conseguiu transmitir toda a liderança que um capitão tem de ter?
De início ainda não. Como falei, é muito cedo. Não sou o capitão, o capitão é o Rogério, mas pude passar um pouco do que estava sentindo para eles. Começamos bem, mandamos na partida, veio o empate, mas são coisas do futebol, acontece. Mas como um todo acho que fui um bom capitão.
Lembra a primeira vez que foi capitão?
No Vasco, na Copa São Paulo de Júnior, no Grêmio, mas é diferente ser capitão aqui, pela grandeza do clube e pelo tamanho do seu líder, que é o Rogério. Tem um peso muito grande, é muito mais visado do que os outros. Teve um peso muito grande. Gostei, pude ajudar com um gol, pena não ter vencido.
Como recebeu os elogios do Osorio de que é o melhor volante do país?
A gente fica feliz de receber elogios de um treinador como ele, que chegou agora, e teve essa percepção. Mas continuo com o pé no chão, trabalhando muito forte. Você acaba perdendo espaço se deixar se levar. Quero trabalhar diariamente para mostrar para ele. A responsabilidade aumenta.
Com a chegada dele você melhorou e seu estilo de jogo foi mais favorecido?
É difícil falar que foi por causa dele. Tem me dado liberdade como Muricy também dava. Acontece que com a chegada dele os gols saíram. Não fiz nenhuma partida exuberante com os gols. Mas ele tem me dado liberdade como todos os outros, a diferença é que saíram os gols quando ele estava.

Souza comemora o gol contra o Avaí no último domingo (Foto: Reginaldo Castro)
Já dá para fazer uma análise do trabalho dele?
É muito cedo, já tinha falado depois do jogo contra a Chapecoense, que diziam que teve o dedo dele. Mesma coisa agora, colocou três zagueiros. Todos gostam de julgar sem dar o tempo. A gente treinou isso. Se não fizesse e tomasse o gol, falariam que era para ter fechado a equipe, estava ganhando. Aconteceu, foi uma fatalidade. Os jogadores têm de acreditar no estilo de jogo dele. Tenho certeza de que o São Paulo vai crescer muito a longo prazo.
Com o time do jeito que está?
Óbvio que a gente espera que o grupo não fique mais enfraquecido. A gente torce para a diretoria buscar soluções, porque o Brasileiro é muito grande e precisamos de jogadores de qualidade. A gente vê jogadores saindo, outros com rumores. Não pode perder a qualidade do elenco senão fica difícil para conseguir.
Com as vendas de Paulo Miranda, Denilson e Rodrigo Caio, o elenco já está fragilizado ou só se perder mais?
Fica um pouco (fragilizado), porque até no treinamento você vê que falta jogadores para a posição. Tem de improvisar, completa ali, aqui, e as vezes o treinamento não fica como deveria. Já é um efeito. No jogo, tem um volante, todos para a posição, mas se machuca um, suspensão, tem de começar a rodar muito. Ele (Osorio) até tem colocado o Carlinhos para jogar no meio, pela falta de jogadores, quer que comecem a pensar nisso, fazer outras posições para suprir a necessidade do elenco, mas tenho certeza de que a diretoria vai olhar com carinho. Tem de reforçar, porque hoje a equipe perdeu três grandes jogadores. O Dória também pode sair, então é necessário olhar com carinho ali atrás que está fragilizado.
O time está no nível do ano passado?
Precisa vencer alguns jogos fora, ano passado vencemos muitos. Precisamos consolidar essa briga lá em cima. Em casa, teoricamente, sem fatalidade como contra o Avaí, vamos vencer porque temos equipe forte, a torcida nos apoia, conhecemos o estádio muito bem. Mas a grande chave é vencer jogos fora, como ano passado. Não chegamos no mesmo nível ainda, falta um pouco.
Esse ano dá para passar sem título novamente?
Esse ano não. Temos de tentar de todas as formas ganhar o Brasileiro. A Copa do Brasil é tiro rápido, vai muito do momento. No Brasileiro, a longo prazo a consegue manter um bom nível. Vamos tentar manter essa regularidade. Esse ano temos que ganhar, não vemos nenhuma equipe se sobressaindo, por isso queremos manter um bom nível para que nossa equipe daqui a pouco se sobressaia.
Quem são os adversários?
Hoje vejo o Corinthians, que até vai jogar dois jogos em casa. Apesar de estar ficando enfraquecida por vendas, perdas, faz valer o mando de campo, como a nossa. O Atlético-MG tem uma equipe muito boa também, que joga fora como em casa. Essas duas equipes tem tudo para brigar com a gente lá em cima.
Como analisa o futebol brasileiro hoje, estrutura e tecnicamente?
Estamos atrás. Começa pelos campos e torcidas. Os diretores estão muito mais preocupados em ganhar dinheiro, acaba colocando preço além, afasta o torcedor. O espetáculo não está dos melhores, só estamos preocupado com vitória, e o jogo fica feio. É um acúmulo de coisas.
Por exemplo...
Os campos têm de ter um padrão. Tem de molhar o gramado, o jogo fica mais rápido. Encurtar os campos. O Morumbi é muito grande (108,3m x 72,7m), todos que jogam aqui reclamam. deveria dar uma encurtada, não só nele, tem Serra Dourada (110m x 75m)... Fica muito espaço, muitas vezes o campo é lento, a grama é alta, seca e o jogo fica aquele marasmo. Não tem intensidade. Eu estava conversando com o (Philippe) Coutinho, pós-jogo da Seleção no Allianz Parque (Brasil 2x0 México), ele falou: "Estou morto de cansado. O campo aqui é muito grande, nunca estou perto do volante, que devo marcar, sempre longe, diferente da Premier League (Liga Inglesa). Temos de pensar nisso. Essa mudança que houve na Fifa tem de refletir aqui no futebol brasileiro, as coisas tem de melhorar, porque está muito abaixo.
O que mais pode modificar?
O Fair Play financeiro deveria ser implantado para que ninguém contrate mais do que pode e depois fique sem pagar seus jogadores. Aconteceu agora com o Pato. O cara tem de receber, não tem culpa se assinaram contrato milionário, ele tem que receber o salário dele. E os clubes deveriam entrar nesse padrão, se não pagar, vai para a segunda divisão. (Nota da redação: O São Paulo deve três meses de direitos de imagem ao elenco, mas não é o caso de Souza, pois o volante recebe só na carteira. Ainda assim, recentemente ele brincou com o atraso em conversa na internet, dizendo que pagaria a contar do jantar com o salário atrasado).
Os dirigentes dizem que o jogador também não abre mão de ganhar muito dinheiro.
A diretoria não tem de contratar. O jogador quer receber acima do que podem pagar. Quer 500 mil por mês? Fala que vai vou contratar outro. Se o cara quer, vai ficar pedindo, e se não pagar, vai ter de reduzir o salário dele. Se paga, quando for ver, está com folha salarial muito alta, não consegue quitar os compromissos. Tinha de ter mais bom senso dos dirigentes. Ah, mas a torcida quer alguém de peso? Paciência. Não vou fazer além do que posso fazer, do que posso pagar.
Mas existe a cobrança sobre os dirigentes se não traz jogador.
Mas existem olheiros, pessoas pagas para isso, para buscar jogadores de qualidade. Tem os estrangeiros. Você vai encontrar jogadores de qualidade, que não vão pedir salários absurdos, e vão querer jogar aqui. Se os brasileiros não querem, vai buscar fora quem queira e com certeza vai encontrar.
Se acha o melhor volante do país?
Já falei com o Osorio. Disse: "Estou te enganando" (risos). Não me acho o melhor. O que difere um do outro é o gol. Fiz, aí começam a falar, ele é o melhor. Mas agradeço o elogio, vindo de um cara que conhece futebol.
Ter ficado fora da Seleção foi um incentivo a mais? Você poderia estar na Copa América e não fazer esses gols.
Não. Nem me motivei a mais nem a menos. Tentei continuar fazendo meu trabalho, as pessoas falaram: "Ah depois que o Souza não foi, melhorou. Não, é coincidencia. Não quero provar nada para ninguém e graças a Deus as coisas começaram a funcionar, aparecer mais pelos gols. Eu não me iludo com isso, sei que daqui a pouco os gols param, tenho de manter um bom futebol. Sou volante, minha obrigação não é essa, tenho ajudado, mas não é obrigação. Tenho aparecido mais, aí costumam falar. Está sendo bom o momento, se tivesse ido não estaria vivendo esse momento aqui, se estivesse lá poderia estar vivendo bom momento lá também, tudo acontece como tem de acontecer. Se não fui, graças a Deus estou aqui, fazendo meus gols no São Paulo, valorizando o apoio do treinador, da torcida. O bom momento que estou vivendo aqui é importante para mim até para pensar novamente em Seleção.