Quase 71 anos depois, a lenda do Fla-Flu da Lagoa se mantém viva no imaginário do torcedor dos dois clubes. Acontecimentos curiosos, pitorescos e emocionantes fazem da decisão do Campeonato Carioca de 1941 um dos jogos mais épicos da História dos 100 anos do clássico. O episódio que marcou a partida, porém, não aconteceu da forma como foi propagado e que acabou perdurando até hoje.
A final daquele ano, que terminou empatada em 2 a 2, reunia os dois principais times daquela época. O Fluminense entrou no campo da Gávea precisando de um empate para se sagrar campeão. Para o Flamengo, só a vitória interessava. O Tricolor chegou a abrir 2 a 0, com Pedro Amorim e Russo. Pirilo marcou dois gols rubro-negros, o segundo aos 38 minutos do segundo tempo.
Como o resultado dava o título ao Fluminense, os tricolores teriam começado a jogar as bolas para a Lagoa Rodrigo de Freitas, cuja distância era de três metros do campo da Gávea – na época, aquela parte da Lagoa ainda não havia sido aterrada. Reza a lenda que os dirigentes do Flamengo, desesperados, exigiram que os remadores do clube fossem buscar as bolas. A atitude tomada pelos jogadores acabou fazendo o tempo passar e o Flu ficou com a taça.
O fato, disseminado pelas pessoas da época, no entanto, é exagerado. Roberto Assaf, um dos autores do livro "Fla x Flu, O jogo do Século", explica que o imaginário popular se encarregou de alterar o que realmente aconteceu.
– Nenhum jornal da época deu o registro desse fato. Somente o “Jornal dos Sports” faz breve relato. Sem exagero. O fato, de tão pitoresco, mereceria registro em todos os jornais – explicou, derrubando de vez o mito daquele Fla-Flu.
– Naquela época, o futebol tinha cronômetro. Quando a bola parava, o juiz paralisava o tempo.
Fatos se misturam com lenda em 1941
Alguns relatos daquela final de 1941 são incontestáveis. O Flamengo pressionou em busca da vitória até o fim, empurrado pela maioria de torcida que assistia ao jogo no campo da Gávea (15.312 pessoas foram ao estádio). O clássico foi dos mais dramáticos e carregado de emoção até o fim.
Outro aspecto que torna essa partida épica é o fato de os dois times terem sido os campeões das cinco edições anteriores àquele Carioca. O Fluminense levou o título em 1936,1937,1938 e 1940, e o Flamengo, em 1939.
– Os dois times tinham jogadores muitos técnicos. As duas equipes chegaram à final por serem as melhores e a disputa acirrada prova isso – ressaltou Roberto Assaf.
Outro ponto interessante foi o heroísmo do goleiro Batatais, do Fluminense. Ele não podia ser substituído e, mesmo com a clavícula deslocada, permaneceu em campo e ajudou o Tricolor com algumas defesas importantes. A atitude do jogador contagiou os companheiros a conseguirem segurar a pressão do Flamengo. Segundo os jornais da época, o destaque daquele clássico foi o centromédio – hoje conhecido como meia – Brant.
VEJA A PALAVRA DE ROBERTO ASSAF
'Número de craques era o atrativo. Resto é lenda'
Esse jogo na Gávea foi emocionante. O Fluminense jogava pelo empate e conseguiu ser campeão. A começar pelo Batatais, goleiro do Fluminense, ter continuado jogando mesmo após deslocar a clavícula. A quantidade de craques que os dois times tinham naquele jogo era outro atrativo daquela decisão de 1941. O resto é lenda.
Algumas bolas, realmente, foram buscadas na Lagoa. Não se diz quantas, nem como. Naquela época existiam mais jornais do que nos dias de hoje no Rio de Janeiro. E nenhum deles deu destaque ou fez registro desses fatos. O único que escreveu alguma coisa foi o Mario Filho, no “Jornal dos Sports”, fazendo um pequeno comentário: “Duas ou três bolas foram chutadas para fora do estádio.” Mas ele não fez muito alarde. Um fato como esse, com certeza, iria ganhar espaço nos jornais.
Eu derrubo esse mito da seguinte forma: naquela época, o futebol tinha cronômetro, como no basquete. Toda vez que a bola saía de campo, o juiz parava o relógio. Portanto, o tempo não ia passar enquanto a bola não voltasse a rolar.