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Dia 09/05/2025
12:12
Atualizado há 6 horas
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E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome…

Assim recitava Drummond em 1942, e cantava Paulo Diniz na década de 70. Ainda hoje não há resposta! José se perdeu por aí, à sombra da própria imagem, calado, triste e só.

Danielzinho (sim, é conhecido pelo pueril apelido), nascido e criado no interior de São Paulo, em meio a plantações, nasceu para correr, e muito cedo, aos 14 anos, enfileirando vários títulos nacionais e internacionais, nas categorias de base. Abandona temporariamente o atletismo, desanimado e deprimido, aos 19 anos! Retornando um ano depois, por incentivo da família, ainda muito jovem, vence a Meia Maratona Internacional de SP em 2020. Ainda em 2020 vence o troféu Brasil de Atletismo pela segunda vez, cravando 29:13, recorde sul-americano sub-20.

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Em 2021, ainda sem ter alcançado todo seu potencial em pista, migra precocemente para a Maratona. Trocando de técnicos, como quem troca de coadores de papel, faz sua primeira maratona em Lima, às pressas, e já consegue o índice para os Jogos de Tóquio, em 2021, com 2h:09’04”.

Durante a maratona olímpica de Tóquio, a sensação que nos passa é de que, entre uma centena de adultos, corre infiltrada uma criança, mas uma criança hiperativa, que corre fácil, e encara a maratona olímpica como se estivesse no recreio de sua escola, lá na sua Paraguaçu Paulista. Corre no primeiro pelotão, demonstrando uma facilidade inacreditável. Desconcentra um concentrado Kipchoge, que sorri da intimidade, tocam as mãos, e Daniel acelera. Será que esse garoto sabe com quantos km se faz uma maratona?

Aparentemente, não. Apesar do absurdo talento, paga um preço pelo abuso, as pernas pesam, o “pace” pune. Mas Daniel, diminui o ritmo um pouco, porém talvez já seja tarde. Simula uma queda mal ensaiada, que soa canastrice, finge desmaio, e some de cena. Meu Deus, onde estão os tutores desta criança?

Foi assim, sua estreia em Jogos Olímpicos. Continuou trocando técnicos, como quem troca figurinhas com colegas, lá no recreio da infância, que não tem fim. E vai para Nova Iorque, uma maratona feita para sábios, para gente grande, onde o nosso sábio mor das maratonas, Marilson dos Santos, venceu duas vezes! Lá, a ópera bufa se repete. Um pelotão perplexo, repleto de grandes maratonistas, é abandonado por ele no km 5 da prova, que segue impávido colosso (obrigado Caetano) em ritmo de recorde mundial, também, ritmo de sub 2 horas. Até que, primeiro entrando num banheiro químico, e saindo segundos depois, e começar a perder ritmo, perder o rumo e abandonar. Da euforia à depressão entre as pontes e esquinas de N.Y.

Lembremos que estamos descrevendo o ano de 2022, mesmo ano em que Danielzão voou na maratona de Seul, em abril, assombrando o mundo, com 2h04’51”, recorde brasileiro e continental, que pertencia a Ronaldo da Costa, de 1998 (então recorde mundial). Nesta época, ele e sua inseparável namorada, já treinavam há algum tempo no Quênia, terra de grandes corredores, e também grandes escândalos de doping!

Neste mesmo 2022, ele participa do Mundial de Eugene, chegando em oitavo lugar, após acompanhar o pelotão líder até o km 32. Um bom tempo e ótima posição. E mantendo a rotina de nômade aeróbico, volta ao Quênia para se preparar para a Maratona de N.Y. dali de cima!

Chegamos à 2023 e Daniel consegue o índice para Paris 2024, fechando a Maratona de Hamburgo na 4ª posição, com um competente tempo de 2h07’06. E Danielzinho volta para o Quênia, meio que desaparece entre as montanhas que cercam o Vale do Rio Rift, acompanhado de sua agora esposa, também maratonista de elite, Grazi Zarri. Uma de suas últimas competições internacionais foi a Meia Maratona de Lisboa, prova super veloz, em março de 2024, fechando com um tímido 1h03’42”, bem distante de sua melhor marca nesta distância.

No começo de julho de 2024, duas semanas antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, ele e sua esposa testaram positivo no controle internacional de dopagem, para um coquetel de esteroides anabolizantes (formas sintéticas de testosterona). Tanto ele quanto sua esposa já estavam no “radar” tanto da WADA (agência internacional de controle de doping) quanto da ADAK, agência de controle de doping queniana. Daniel, antes mesmo de ser informado oficialmente de seu flagrante, voou para o Brasil, onde passou por novo controle de dopagem e, novamente, deu positivo. Daniel e esposa foram suspensos por 4 anos.

Daniel Nascimento foi suspenso da Olimpíada por doping (Foto: Divulgação/CBAt)

Nesta semana, por não usarem a prerrogativa de apresentação de defesa, num caso indefensável, a pena subiu para 6 anos, e regrediu para 5, pelo fato de terem reconhecido o uso, sistemático, de uma gama de substâncias dopantes.

E agora, Daniel? Daniel, para onde?

Aparentemente, sua “equipe multidisciplinar”, tentou nos últimos meses contato com Daniel, em vão. E vida que segue!

Mas, antes de terminar este relato doloroso e triste, preciso que algumas perguntas me sejam respondidas:

1- Será que em alguma dessas múltiplas disciplinas, desta equipe "multidisciplinar", não havia ninguém para desconfiar que alguma coisa acontecia no coração (alma) de Daniel, não só quando ele cruzava a Ipiranga com a São João (Caetano, de novo)?

2- Será que não havia ninguém desta “equipe multidisciplinar”, que não soubesse dizer não ao menino só, que habitava aquele corpo magro?

Enfim, perdemos o maior talento para a maratona que já surgiu por nossas bandas. Mas, que tal nos preocuparmos, agora, com o homem Daniel Nascimento? Viver entre a alegria efêmera e a tristeza, aparentemente, sem fim, dói. Suportar o fracasso diário da vilania, pode ser peso demais para tão frágeis ombros.

Daniel, ninguém em sã consciência irá te inocentar, esteja certo disso. Mas tenho certeza, que, de toda aquela enorme turba que te idolatrava, e também, bajulava, existem seres humanos, que não deixarão de estender a mão, assim como te estendeu Eliud Kipchoge, na Maratona Olímpica de Tóquio 2020, de forma empática. Como faria um pai, que ao fim do castigo dado ao filho travesso (e cumprido plenamente por ele) estende para te avisar o fim do castigo.

Será? Cartas para redação

Lauter Nogueira

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