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Trengrouse defende ‘reformulação’ e crê que clubes enfrentariam melhor a crise se fossem empresas

Advogado especializado em esporte, Pedro Trengrouse falou ao L! e também respondeu sobre os impactos do novo coronavírus na economia do esporte: 'O prejuízo é incalculável'

O advogado Pedro Trengrouse vinha participando de discussões sobre o PL do clube-empresa (Foto: Divulgação)
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Em um cenário ainda sem soluções concretas a respeito dos próximos passos no futebol, o advogado especializado em esporte Pedro Trengrouse conversou com a reportagem do LANCE! e respondeu sobre os impactos do novo coronavírus na economia esportiva e apontou possíveis diretrizes, além de sublinhar as "comorbidades" da estrutura local que agora afloram.

Coordenador acadêmico do programa FGV/Fifa/CIES em gestão de esporte, Trengrouse acredita que a solução de "sobrevivência" seria uma  "reformulação estrutural", inclusive acerca do calendário do futebol nacional:

- A reformulação estrutural é questão de sobrevivência, e o tema do calendário também precisa ser enfrentado. Faz sentido que a maioria dos clubes (quase 90%) joguem apenas quatro meses por ano? - questionou o advogado, que é um engajado defensor do modelo clube-empresa, indo na contramão da postura de clubes da elite do nosso futebol, tendo em vista os interesses quanto aos direitos de transmissão da TV Globo, por exemplo. 

Presidente do Flamengo, Rodolfo Landim já se posicionou contrário a alterações no calendário (Foto: Ricardo Moreira/Zimel Press)

Para Pedro Trengrouse, tendo em vista o "prejuízo incalculável" ocasionado pela pandemia, "agora mais do que nunca" é oportuno que a chave para que clubes tornem-se empresas seja virada. Ele, cabe destacar, chegou a ser contratado para ajudar nos estágios iniciais da formulação da Botafogo S/A

- Por que não pensar nessa crise como freio de arrumação, apurar o prejuízo e reestruturar o futebol brasileiro? Enquanto ninguém investe no Brasil, na Inglaterra, mesmo nessa crise, o fundo soberano da Arábia Saudita está comprando o Newcastle United (ING) por 300 milhões de libras.

Confira a entrevista na íntegra:

L!: Quais os principais impactos que a pandemia deve causar, sobretudo em clubes que já estavam endividados e com dificuldades por receitas?

- O prejuízo é incalculável e não se sabe até quando eventos esportivos ficarão suspensos, nem a extensão dos efeitos econômicos no arranjo produtivo e no poder de compra dos torcedores/consumidores. Amir Somoggi, especialista da Academia LANCE!, projeta que o esporte deve perder mais de US$ 15 bilhões no mundo. A Forbes indica que as receitas das ligas dos Estados Unidos devem cair cerca de 5 bilhões de dólares. O Centre International d’Etude du Sport (CIES) calcula desvalorização de 28%, 10 bilhões de euros, no valor dos jogadores das 5 principais ligas de futebol da Europa, onde a KPMG (empresa de serviços de auditoria) também estima que receitas cairão 4 bilhões de euros. A EY (empresa de serviços de auditoria) aponta que clubes brasileiros deixarão de arrecadar entre R$ 500 milhões e R$ 2 bilhões em 2020. O problema é ainda maior porque o futebol brasileiro estava no grupo de risco, cheio de comorbidades: arquitetura institucional arcaica, estrutura de governança obsoleta, modelo de gestão ineficiente e crise de liquidez beirando a insolvência.

L!: Quais podem ser as principais medidas a serem adotadas para atenuar a queda das receitas dos clubes?

- Todos os setores da economia precisarão de ajuda do Governo para sobreviver. O futebol também. A diferença é que ajudar o futebol brasileiro é promover mudanças estruturais. Entidades que exercem atividade empresarial devem se estruturar como empresa, pagar impostos, correr riscos de mercado com o patrimônio investido e responsabilidade dos administradores. Rodrigo Monteiro de Castro e José Francisco Manssur colocam muito bem: "Antes da COVID-19, a crise futebolística já estava posta, e já se formava consenso – exceto entre os beneficiários daquele sistema – a respeito da inviabilidade do modelo brasileiro.” Não seria hora de transformar o futebol num vetor econômico que ajude o país, ao invés de seguir financiando entidades esportivas insolventes com dinheiro público? Atenuar a queda nas receitas não é suficiente e a demora em tomar medidas agrava os problemas. O Poder Público pode, por exemplo, apoiar a cadeia produtiva do futebol via BNDES, como faz com o Fundo Setorial do Audiovisual, que já investiu mais de R$ 200 milhões, o BNDES Saúde, que financia a modernização da gestão, da governança e da eficiência operacional, visando à sustentabilidade econômico-financeira de instituições filantrópicas, e o Fundo Social, que prevê investimentos em desportos. Recursos das loterias, que nos últimos cinco anos destinaram R$ 427 milhões aos clubes de futebol, poderiam ser antecipados, desde que desvinculados dos financiamentos que garantem atualmente. A FINEP pode viabilizar investimentos para estruturação dos clubes em empresas e dos projetos a serem apresentados ao BNDES, como due diligence contábil e jurídica, estudos de viabilidade econômica etc. O Congresso pode aprovar legislação favorável ao Clube-Empresa, como o Projeto de Lei do Deputado Pedro Paulo, em tramitação no Senado depois de aprovado quase por unanimidade na Câmara, e aprimorar as Leis de Incentivo, como defende o deputado (federal) Marcelo Ramos no "PL Alcino Rocha", que facilita doações de pessoas físicas em até R$ 6 bilhões/ano. Os clubes podem criar a liga e melhorar o ambiente de negócios do futebol brasileiro, com mecanismos coletivos para garantir sua saúde financeira. Também podem securitizar recebíveis como sócio-torcedor, que subiram mais de 40% nos últimos cinco anos, ultrapassando R$ 400 milhões/ano. A CBF pode estruturar uma linha de crédito e fomento para clubes e articular junto à Fifa a regulamentação do investimento em direitos econômicos de jogadores para atrair recursos novos, a exemplo do que ocorria até 2015. Esses são apenas alguns exemplos que poderiam ajudar o futebol a sair mais forte desta crise. Cada um só precisa cumprir o seu papel.

'O problema é ainda maior porque o futebol brasileiro estava no grupo de risco, cheio de comorbidades'








L!: Você vê algum clube brasileiro ou estrangeiro como modelo (ou perto disto) em algum aspecto diante deste cenário?

- Não há modelo. O Papa Francisco ressalta que "neste período, muitas manifestações foram suspensas, mas vêm à tona os frutos do esporte: a resistência, o espírito de equipe, a fraternidade, o dar o melhor de si". A plataforma da MLS potencializando esforços da liga, clubes e futebolistas no combate ao COVID-19 estimula o engajamento de todos no combate à pandemia. A Federação da Espanha abriu linha de crédito de 500 milhões de euros para clubes, e jogadores do Barcelona cortaram seus salários em 70% para que outros funcionários do clube recebessem integralmente. A Premier League destinará 125 milhões libras aos clubes das outras divisões, 20 milhões de libras a profissionais de saúde, e seus jogadores esperam arrecadar mais de 4 milhões de libras (#PlayersTogether) para o Serviço Nacional de Saúde. Os quatro times alemães na Liga dos Campeões criaram fundo de solidariedade de 20 milhões de euros para apoiar os demais. Jogadores da Juventus renunciaram a quatro meses de salário, economizando 90 milhões de euros para o clube. O Benfica e seus jogadores doaram mais de 1 milhão de euros para o combate à pandemia. A Fifa anunciou fundo com suas reservas financeiras, que chegam a quase 3 bilhões de dólares. A CBF acena com quase R$ 40 milhões, dos quais R$ 1 milhão para árbitros e R$ 19 milhões para clubes das Séries C e D. Também articula campanha com a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), como faz o Corinthians na ação “sangue corinthiano” e a Budweiser, nos Estados Unidos, com ligas e times estimulando doação de sangue, e se movimenta em ações coordenadas entre clubes e instituições de todo país, tanto pastorais como de voluntariado. O Internacional organiza ligações dos jogadores para sócios-torcedores idosos. O Bahia faz conscientização com artistas e jogadores. Flamengo, Botafogo e Fluminense estão na campanha do Viva Rio. O Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, com jurisdição estatutária da CBF, CBB e CBV, já arrecadou quase R$ 1 milhão em doações. Há boas iniciativas. Os desafios são enormes. A lógica é uma só: quem pode ajudar, tem que ajudar.

'Há boas iniciativas. Os desafios são enormes. A lógica é uma só: quem pode ajudar, tem que ajudar'








L!: Pensa que este é o momento ideal para reformular o futebol brasileiro e seu calendário? Por quê?

A reformulação estrutural é questão de sobrevivência e o tema do calendário também precisa ser enfrentado. Faz sentido que a maioria dos clubes (quase 90%) joguem apenas quatro meses por ano?

L!: Você é defensor do modelo clube-empresa. Acredita que continua sendo viável a adoção deste modelo de gestão em um cenário de crise econômica e indefinição em que os investidores estarão mais cautelosos?

- Agora mais do que nunca. Numa empresa, há responsabilização dos gestores e o patrimônio investido pelos sócios responde pelas falhas da gestão. Praticamente 90% dos jogadores brasileiros recebem até dois salários mínimos. Se clubes fossem empresas, resolveriam a questão salarial através dessa linha de crédito emergencial que o Governo lançou para financiar a folha de pagamento pelos próximos dois meses. O Brasil é o maior exportador de jogadores do mundo e não recebe nenhum investimento. Até brasileiros preferem investir no exterior, como é o caso do Ronaldo no Valladolid e do Flávio Augusto no Orlando City. Onde tudo é de todos, nada é de ninguém. Futebol profissional é negócio de bilhões, não pode mais ser gerido em estruturas de contar tostões. Empresas vão à falência, bens são leiloados e paga-se o possível a credores. Por que carregar eternamente um passivo que impede o desenvolvimento pleno da atividade e prejudica o país inteiro? Nos Estados Unidos, a USA Rugby pediu recuperação judicial por causa da pandemia. Se não se recuperar, encerra atividades, paga o que puder e a modalidade recomeça em nova entidade. Os juristas Luiz Roberto Ayoub e Pedro Teixeira, que há tempo defendem a tese da Recuperação Judicial para clubes brasileiros, já superendividados antes da pandemia, conseguiram inclusive sensibilizar o deputado (federal) Pedro Paulo, que incluiu o tema no PL Clube-Empresa. Por que não pensar nessa crise como freio de arrumação, apurar o prejuízo e reestruturar o futebol brasileiro? Enquanto ninguém investe no Brasil, na Inglaterra, mesmo nessa crise, o fundo soberano da Arábia Saudita está comprando o Newcastle United por 300 milhões de libras.

'Por que não pensar nessa crise como freio de arrumação, apurar o prejuízo e reestruturar o futebol brasileiro?'








L!: O São Paulo adotou uma redução salarial (50%), de forma unilateral, e prometeu pagar esses valores faltantes depois, além de congelar os direitos de imagem. Há o risco de os atletas procurarem meios legais para processar o clube? Ou até pedir uma rescisão contratual?

- Há risco, sim, e não se resolve problema coletivo individualmente. O clube estaria mais seguro se tivesse negociado com o Sindicato Estadual. A fragilidade da arquitetura institucional do futebol brasileiro pode custar ainda muito mais caro nesse momento de crise. Principalmente nessas questões trabalhistas. O Sindicato Nacional dos Jogadores ainda não tem Carta Sindical. A base da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) não tem Sindicatos Estaduais de SP, BA, SC, GO, ES, DF, MA e MG, que englobam mais da metade dos atletas. A falta de representatividade é tanta que jogadores da Serie C pediram ajuda diretamente à CBF. E mais: a própria Fenapaf, em nota oficial, desautorizou seu Presidente por concordar em reduzir o intervalo de descanso entre as partidas. Os clubes, sem liga e na confusão entre dois sindicatos patronais, Sindafebol e Fenaclubes, negociaram com a Fenapaf através da Comissão Nacional de Clubes, prevista no Estatuto da CBF, que reúne cinco clubes da Série A, dois da B, um da C e um da D, com a incumbência de "fazer sugestões visando a assegurar o equilíbrio competitivo, a modernização organizacional e a integridade das competições nacionais de futebol, podendo representar as entidades de prática desportiva de futebol em comitês e comissões da CBF". Um lado sem legitimidade, outro sem atribuição nem personalidade jurídica, por maior que fosse a boa vontade, seria possível algum acordo?  

Jogadores do São Paulo: clube adotou uma redução salarial (50%), de forma unilateral (Foto: Rubens Chiri/saopaulofc.net)

L!: Caso o futebol volte em breve e alguns atletas se recusem a entrar em campo, como ficaria a relação entre as partes nessa situação? O clube poderia punir o jogador? O jogador poderia entrar na justiça por conta de o clube colocá-lo em uma situação de risco?

- Não se pode obrigar ninguém a colocar sua saúde em risco. Nesse momento, há uma série de impedimentos legais para que o futebol retome suas atividades. Estados e Municípios são responsáveis pelas licenças e alvarás necessários à realização de eventos esportivos. Enquanto medidas mais duras de distanciamento social estiverem em vigor, é praticamente impossível que o futebol retome suas atividades. Entidades esportivas também estão conscientes das suas responsabilidades. A Federação Paulista de Futebol, por exemplo, declarou que a prioridade é a preservação da saúde e que sua Comissão Médica está trabalhando num protocolo de segurança. Se todos os envolvidos estiverem testados e saudáveis, seria possível jogar com os portões fechados? Com todas as licenças e autorizações, num ambiente seguro, alguém se recusaria a jogar?