O futebol brasileiro, definitivamente, está passando por uma transição que vai muito além das quatro linhas. Alavancados pela Lei 14.193/2021, conhecida como Lei da SAF, a chegada de executivos C-level — profissionais de alto escalão, forjados em corporações, habituados a lidar com metas, EBITDA e relatórios trimestrais — promete mudar a forma como os clubes são geridos. E precisa mudar.
➡️Siga o Lance! no WhatsApp e acompanhe em tempo real as principais notícias do esporte
Mas sejamos francos: essa adaptação está longe de ser rápida e, muito menos, tranquila. Existe uma curva de aprendizado em andamento. De um lado, executivos que acreditam que o futebol funciona como qualquer outro negócio. De outro, um universo de muita sabedoria, porém, construído no empirismo, na cultural verbal e na emoção. Tudo isso em um ambiente volátil, hostil, de alta pressão e em um ecossistema viciado em imediatismo, onde o resultado de domingo vale mais do que qualquer planejamento de médio prazo. O choque cultural é inevitável.
A verdade é que ambos os lados precisam ceder
Os C-levels precisam aceitar que o futebol não é um mercado convencional. Na “bola”, a lógica do produto e do cliente é mais complexa. O torcedor não é um consumidor comum — ele é passional, irracional e, muitas vezes, incapaz de aceitar decisões que façam sentido no papel, mas firam o seu orgulho ou apego emocional.
Por outro lado, quem vive o futebol de lado de dentro — dirigentes tradicionais, conselheiros, profissionais de vestiário, atletas etc — precisa compreender que a conta precisa fechar. Que o modelo “gasta-se hoje e depois a gente vê” já quebrou clubes demais, e que é impossível sustentar competitividade sem gestão financeira, planejamento e governança.
Futebol brasileiro vive de soluções emergenciais
E para apimentar ainda mais, a imprensa esportiva vive em um eterno dilema que consiste em pedir mudanças estruturais, trabalhos de longo prazo e, ao mesmo tempo, agradar ao público que a acompanha, que consome e pede o polêmico, o trágico, o bizarro e o cômico.
O futebol brasileiro vive, há muitas décadas, de soluções emergenciais. De dirigentes que trocam técnicos a cada três rodadas, de orçamentos inflados por dívidas impagáveis e de contratações por impulso para acalmar a arquibancada. Isso não se sustenta mais. Não em um cenário em que SAFs surgem, investidores chegam e a cobrança por resultados estruturais passa a ser real.
A boa notícia é que esse movimento é irreversível. Clubes estão se profissionalizando, investindo em estrutura, organizando suas finanças e contratando profissionais que, antes, sequer consideravam trabalhar no futebol. Mas o caminho será de atrito. Porque administrar paixão com racionalidade não é tarefa simples.
O desafio está em encontrar o ponto de equilíbrio. Saber que o futebol precisa ser sustentável, mas sem perder sua essência. Que a decisão de vender um ídolo ou de não contratar um medalhão precisa ter respaldo, mas também sensibilidade. Que a planilha e a paixão podem — e devem — conviver de uma forma mais harmônica.
No fim, o futebol continuará sendo decidido em campo. Mas se fora dele a gestão não for séria, estratégica e responsável, não haverá craque ou torcida capaz de impedir o fracasso.
O futebol mudou. Só falta avisar todo mundo.