Marcio Villar se aposenta das ultramaratonas

Ultramaratonista cumpre metade do desafio de dobrar a Arrowhead 135, mas abandonou prova por orientação médica

Márcio Villar na chegada da primeira fase de seu desafio para dobrar a Arrowhead 2022. (Arquivo pessoal)
Márcio Villar na chegada da primeira fase de seu desafio para dobrar a Arrowhead 2022. (Arquivo pessoal)

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O ultramaratonista Marcio Villar tinha um desafio: dobrar a Arrowhead, uma das mais difíceis provas em ambientes extremos do mundo, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, com temperaturas próximas dos 40º Celsius negativos. No dia 26 de janeiro, o recordista mundial de corrida em esteira e do Caminho de Santiago de Compostela, entre a França e Espanha, largou na linha de chegada da prova e, no dia 29, completou a primeira etapa de seu objetivo. Sozinho, empurrando um trenó, ele fechou os 217km.

Em sua chegada em International Falls, local da largada da Arrowhead, Marcio Villar, exausto, com o rosto coberto de neve, agradeceu a torcida de todos. “Agora eu vou descansar para largar na segunda-feira (31)”. Mas isso acabou não ocorrendo. Por recomendação médica, “minha saturação estava em 89%”, ele não largou, abandonando a prova e encerrando sua vida de atleta. “Vou parar de competir e continuar correndo por causas sociais, com o INCAvoluntário e o Projeto Juquinha, entre outros”.

O desafio de Marcio VIllar em dobrar a Arrowhead chamou a atenção da mídia local. O jornalista David Colburn, do “The Timberjay”, ficou impressionado com a história do ultramaratonista carioca e fez uma reportagem com o ultramaratonista carioca, que reproduzo aqui:

Arrowhead é arco final para corredor brasileiro

Uma busca pessoal termina, mas outras aguardam

Villar foi o primeiro corredor este ano a completar a assustadora ultramaratona de inverno Arrowhead 135 (A135), mas seu nome não será encontrado na lista oficial de finalistas, porque Villar conseguiu a façanha na última sexta-feira, antes da corrida começar.

O brasileiro estava tentando fazer algo que os organizadores da corrida não reconhecem, mas muitos ultramaratonistas de elite cobiçam como uma conquista pessoal, “dobrar” a corrida, fazendo isso do fim ao começo e vice-versa.

Villar, 54, já consolidou seu status de elite no mundo das ultramaratonas, nesses testes extremos de resistência humana, ao dobrar e até triplicar essas provas foi uma busca pessoal para se esforçar ao máximo.

“O que me motiva em enfrentar esses desafios é o fato de ninguém no mundo jamais ter conseguido”, disse Villar em um artigo de 2013 sobre suas façanhas. “O impossível não existe. Quando fazemos o que amamos e nos dedicamos, podemos sempre ir mais longe.”

Villar já dobrou duas das três corridas consideradas a Copa do Mundo de Ambientes Extremos. Badwater 135 milhas, na Califórnia, que começa abaixo do nível do mar no calor escaldante e perigoso do Vale da Morte e termina nas encostas do Monte Whitney, a 2.529m. A assustadora Brazil 135, realizada na Serra da Mantiqueira, que ele triplicou, é uma montanha-russa que combina 9.144m de ganho cumulativo de elevação com 8.534m cumulativos de descida. Adicionar um duplo no A135 faria dele a única pessoa no mundo a ter dobrado todos os três. Outra prova que Villar triplicou foi a Ultra dos Anjos, fechando com 705km.

Villar teve que abandonar seu primeiro A135 em 2008, mas retornou em 2009 para terminar em sexto a pé. Ele completou o curso novamente em 2011, ficando em 15º. Desde então, as tentativas de dobrar a corrida ocorreram em 2013, 2016, 2019 e 2020, terminaram aquém da marca.

“Já dupliquei ou tripliquei os outras provas de extrema dificuldade, mas só na Arrowhead ainda não consegui fazer”, disse Villar. “Essa prova representa, para mim, uma superação, de nunca desistir desse sonho até conquistá-lo.”

Problemas de saúde enfrentados por Villar apenas intensificaram seu desejo. Uma doença autoimune rara, arterite temporal juvenil, diagnosticada em 2015, exigiu tratamentos medicamentosos e cirurgia na cabeça que poderiam ter encurtado sua carreira. Os intensos tratamentos com esteróides que o acompanharam causaram a deterioração do fêmur em uma de suas pernas, necessitando de uma substituição do quadril.

No entanto, em 2017, apenas dez meses após essa operação, ele quebrou o recorde mundial da trilha de 804,672km em Santiago de Compostela, na fronteira entre a Espanha e França.

“Fui submetido a cinco operações, colocação de próteses no quadril e três cirurgias na coluna”, disse Villar. “Acho que qualquer pessoa no mundo teria desistido, mas estou aqui para realizar meu sonho. É muita neve, mas eu vou trazer essa marca, se Deus quiser.”

Villar planejava chegar a International Falls em 16 de janeiro para começar a se aclimatar para a corrida, mas seu voo atrasou um dia. O tempo para sua adaptação ao frio intenso do norte de Minnesota foi reduzido ainda mais quando, de acordo com uma postagem na conta de Villar no Instagram, os organizadores da corrida insistiram que ele corresse sua parte solo da dobradinha antes da A135 em vez de depois para sua própria segurança.

Então, na quarta-feira, 26 de janeiro, Villar pegou um táxi de International Falls até a linha de chegada no Fortune Bay Casino Resort para começar a primeira etapa de sua esperada dobradinha. E pela primeira vez em 11 anos, ele completou o curso inteiro, sozinho, terminando na noite de sexta-feira em International Falls.

“Foi muito difícil”, disse Villar. “A temperatura caiu muito. Eu estava congelado no meio da trilha.”

Quando o “Timberjay” encontrou Villar em seu hotel no domingo, ficou claro que a jornada havia cobrado um preço além do que ele desejava. A entrevista foi pontuada pelo som das tosses profundas de Villar.

“Acho que congelou minhas vias aéreas – estou com muita tosse”, disse ele. “Estou medindo minha oxigenação aqui e está muito baixa. Estou com muita dificuldade para respirar e vamos ver se consigo me recuperar para começar a segunda parte amanhã.”

Mas quando a lista foi divulgada para o início da corrida na segunda-feira (31), o nome de Villar não estava nela. Ele havia se retirado e o sonho de dobrar no que ele chamava de “último e maior desafio” de sua vida havia terminado.

Mas, em vez de decepção, o brasileiro de fala mansa se concentrou no que havia conquistado.

“Saí do Rio de Janeiro no Brasil com uma sensação térmica de 50º Celsius e cheguei aqui para enfrentar uma floresta com menos 40º graus Celsius sozinho por três dias. Acho que tenho que estar feliz por ter conseguido, certo?” disse Villar. “Eu acho que é uma vitória, então eu digo às pessoas que você pode ter a pior dificuldade em sua vida, mas qualquer que seja o problema em que você tenha, nunca desista do seu sonho. Acredite, lute, que um dia você chegará lá.”

E esse sonho pessoal em particular nunca foi tão importante para Villar quanto seu sonho de ajudar e inspirar outras pessoas através de sua corrida, e também de trazer reconhecimento à sua amada casa, do Botafogo e do Brasil.

“Minha mãe faleceu há oito anos e tudo o que faço tem filantropia para que ela se orgulhe de mim”, disse ele. “Esta corrida está arrecadando fundos para o Hospital do Câncer (Inca), que sou voluntário há 15 anos. Minha mãe foi curada do câncer por eles, e essa foi a forma que encontrei para retribuir. Quando bati o recorde mundial no Caminho de Santiago de Compostela paguei o tratamento de crianças especiais com paralisia cerebral e síndrome de Down. Já paguei 38 cirurgias cardíacas para crianças correndo. Quando você tem um propósito na vida, faz toda a diferença.”

Esse propósito manterá Villar ativo em causas de caridade, mesmo que ele esteja se aposentando formalmente do circuito de ultramaratonas. Ele planeja continuar participando de eventos locais e regionais mais curtos, e também fazendo palestras motivacionais para empresas e organizações comunitárias.

Sempre sonhador, Villar já tem outro em mente.

“Depois desta corrida, que será a última da minha carreira, pretendo, se conseguir apoio, escalar o Monte Everest”, disse. “Este é o meu próximo sonho.”

Quando planejou o desafio de dobrar a Arrowhead 135 deste ano, Villar lançou o Desafio Marcio Villar em prol do INCAVoluntário. Cada Km custava R$ 5, que serão revertidos para as atividades que o Instituto desenvolve com os pacientes em tratamento e de seus acompanhantes. Mesmo não tendo completado os 432km na neve, Villar viu a meta da campanha ser alcançada.

Quando planejou o desafio de dobrar a Arrowhead 135 deste ano, Villar lançou o Desafio Marcio Villar em prol do INCAVoluntário. Cada Km custava R$ 5, que serão revertidos para as atividades que o Instituto desenvolve com os pacientes em tratamento e de seus acompanhantes. Mesmo não tendo completado os 432km na neve, Villar viu a meta da campanha ser alcançada. (Iúri Totti / Corrida Informa)

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