‘Neymar: O Caos Perfeito’ mostra um pai que vê o filho como negócio e um filho que lamenta distância entre eles

Análise: na maior parte do tempo, Neymar Pai faz questão de exaltar um legado pós-carreira que o filho não quer assumir; documentário da Netflix estreou nesta terça-feira

Neymar e Neymar Pai
Documentário expôs distância afetiva entre pai e filho (Foto: AFP)

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Direto e reto, o documentário 'Neymar: O Caos Perfeito', lançado pela Netflix nesta terça-feira e com pré-lançamento com direito a recorde na Twitch de Casimiro na segunda à noite, mostra a distância entre Neymar e seu pai, no sentido afetuoso. Os dois não tentam esconder o tema que se torna gritante e central nos três episódios que compõe a série que aborda sutilmente a infância do jogador e avança rápido até o estouro no Santos, o ápice no Barcelona e a relação de amor e ódio com o PSG.

A série levantou debate nas redes e muitos internautas chegaram a se incomodar com o fato do pai do jogador ter tanto protagonismo. Neymar Pai domina os cenários e está quase sempre se vangloriando do business em volta do filho. Ele chega a contar, orgulhoso, como fez o primeiro milhão com o então garoto de 14 anos após sondagem do Real Madrid.

Depois se orgulha de Neymar ganhar R$ 500 mil com o Santos no início da carreira, mas já ter faturado R$ 11 milhões com marketing nos primeiros anos como profissional. O filho para ele, como mostra o documentário, é uma grande ação de marketing, uma peça que precisa ser polida constantemente, para que a imagem não seja 'arranhada' e que permaneça gerando lucro por muitos anos. Talvez isso explique o fato do jogador ter dificuldade de se posicionar em questões sociais, como faz seu amigo Lewis Hamilton, com a mesma categoria que dirige.

- Não é uma gestão fácil. Hoje estamos lidando com uma marca e estamos preparando essa marca pra quando ele parar (de jogar). Nós temos um negócio muito grande ali se a gente souber fazer. Nós estamos na metade da carreira do Neymar. Daqui sete, oito anos, quando ele terminar a carreira dele, ai é consolidação de marca. Ai é o cara pensar: 'Tenho uma baita de uma gestão, de uma carreira' - diz o pai, se sentindo orgulhoso.

- Ele vive na constante transformação não só como pessoa mais como atleta. E nós somos o suporte dele. Minuto a minuto, eu não posso desistir dele por que se eu desistir dele, ele vai ser corrompido por alguma coisa, manipulado, pela inocência que ele é. E pode jogar tudo que nós fizemos por algo abaixo. Só o Neymar pode estragar tudo isso - destaca o pai no início do episódio 2, tratando o homem que completa 30 anos no próximo mês como uma criança. Essa é uma outra crítica muito recebida pelo filho dele.

Em outro momento que aborda a gravidez não planejada de Carol Dantas, mãe de Davi Lucca, Neymar Pai trata a chegada do neto como uma 'gestão de crise'.

- (Essa foi a) primeira gestão de crise como família, mas tivemos que ter gestão de crise como empresa. Relou a mão nela? (SIC) Então vamos assumir, cuidar de filho é a coisa mais fácil do mundo, ainda mais com dinheiro - disse.

Neymar Pai deixa claro novamente a importância do dinheiro. Ele fala brevemente sobre sua carreira de pouco sucesso no futebol e reclama de chegar ao fim da vida profissional sem dinheiro. Com desdém ele cita: 'Eu acabei como pedreiro', como se a profissão fosse menos qualificada e importante para a sociedade do que outras que geram lucros em grandes quantidades.

Enquanto isso, Neymar se comporta como o garoto que quer aproveitar a vida antes que ela passe. Direito dele. Ele ainda diz que consegue levar de boa, sem conflitos, sua vida particular com seu desempenho dentro de campo.

- Eu não ligo para o que os outros vão pensar de mim, do meu jeito, de como eu jogo. Sou um cara transparente, muito verdadeiro. 'Ah, Neymar vai pra balada'. Eu tô nem ai pra o que você pensa. Tá puto? Fica com teu tá puto. Eu não vou fazer isso por que você não quer - diz o jogador.

- A galera fica um pouco revoltada de eu ser o Neymar focado em campo mas também o cara que vive sua vida. Acho que isso ninguém conseguiu fazer bem e eu faço - completa.

Neymar encontro afeto nas amizades
Enquanto isso, Neymar encontra um tratamento humano e familiar no colo dos amigos. Fala com carinho de Gil Cebola, Jota Amâncio, o surfista Gabriel Medina e Bruninho, levantador da seleção de vôlei. Outros amigos que dão exemplos de empatia com o craque são Messi e Suarez, que fizeram com Neymar o 'MSN' do Barcelona.

Messi, inclusive, relembrou um caso em que achou Neymar chorando no vestiário, após o brasileiro sentir muita pressão por jogar no Barcelona. Foram as palavras de Messi que tranquilizaram o amigo. O 'E.T' ainda completou dizendo que só fez tranquilizá-lo e dar suporte emocional para que ele pudesse desempenhar seu futebol com qualidade.

Negócios x Família 
Enquanto em casa, esse apoio não é claro. No caso de acusação de estupro envolvendo Najila Trindade, Neymar Pai fala novamente em gestão de crise e que essas situações 'derruba a sustentação da imagem do jogador'. Os dois batem boca. Neymar lamenta:

- Antigamente era mais uma relação de pai e filho, hoje acho que a gente se distanciou um pouco mais. A gente conversa, mas hoje é mais profissional.

Enquanto isso, o pai não diz se arrepender, pois tem uma grande empresa para tocar e gerenciar a imagem do jogador.

- Eu não consigo separar, eu paguei um preço muito caro. Você abre mão de família. Mas não me arrependo. Não quero governar a vida, eu sou chato com proteção - diz ele, que é separado da mãe de Neymar.

- Por isso que eu acato tudo, pra não gerar conflito - diz Neymar, deixando claro que queria ter mais liberdade para gerenciar a própria vida.

Mas como fazer isso quando o próprio pai o vê como um grande business, uma forma de ganhar dinheiro e ter uma vida confortável? Neymar Pai não teve uma vida com regalias antes da fama do filho. Isso é mostrado no primeiro episódio. Depois, ele chega a fazer com o jornalismo o mesmo que fez ao citar o trabalho de pedreiro. Coloca a profissão como algo inferior ao dizer: 'quando ele parar eu quero que tenha tranquilidade, não quero que ele precise ser apresentador de TV ou um comentarista.

Vida pós-carreira 
Além de controlar toda a carreira, Neymar Pai já traça planos para a vida do Jr. após a aposentadoria e diz que vê o filho como líder natural da empresa comandada atualmente por ele. O pai diz com orgulho que quer entregar a gestão para o filho cuidar, mas não se pergunta se é isso que o jogador quer para ele - e não é, já que o Jr. deixa isso claro no documentário mesmo.

- Eu não ia querer assumir a empresa. Pouco me importa que os outros pensam. quero jogar futebol e esquecer a mídia - diz Neymar.

O tema é tão extenso e complexo que pouco resta a se falar sobre o resto do documentário, que mostra tudo aquilo que quem acompanha a carreira do jogador já sabe, nos três clubes por onde Neymar passou, acompanhado de comentários pertinentes de amigos boleiros.

No fim, 'Neymar: O Caos Perfeito' aborda uma relação conflituosa entre um filho que queria ser mais amado pelo pai e ter mais espaço para cuidar da própria vida, enquanto vê sua referência deixando em segundo plano a relação familiar por causa dos negócios. Por outro lado, o filme mostra que Neymar tenta não cometer os mesmos erros com Davi Lucca, sendo um pai afetuoso. Talvez a falta de preocupação com o 'ter' faça com que o atleta seja mais preocupado com o fato de 'ser' um bom pai. 

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