O patrocínio polêmico da Havan arranha a imagem e a história do Vasco? Especialistas comentam

Profissionais de marketing da UFRJ e da PUC-Rio ponderam a presença da logomarca da loja de departamentos nas mangas da camisa do Cruz-Maltino. Ex-dirigente explica processo

Vasco Posada
Loja de departamentos de Luciano Hang tem a logomarca na camisa do time vascaíno (Foto: Thiago Ribeiro / Vasco)

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O jogo do último sábado, contra o Boavista, foi a terceira vez em que as letras garrafais da logomarca da Havan ocuparam o espaço das mangas das camisas do Vasco. O patrocínio da loja de departamentos e a parceria financeira - de até R$ 3,5 milhões, de acordo com apuração do LANCE! - causaram e seguem causando debates entre torcedores cruz-maltinos. E a discussão se dá também no campo do marketing.

Os debates se devem muito por conta da personalidade de Luciano Hang, um dos fundadores e atual dono da rede de lojas. Personalista em relação à empresa, o empresário costuma atrair holofotes pelas declarações e roupas extravagantes. Recentemente, se envolveu na política pública nacional ao apoiar o então candidato Jair Bolsonaro, que seria eleito presidente da república em 2018.

Ocorre que, em diferentes ocasiões, Bolsonaro já deu declarações pelas quais foi acusado de racista, homofóbico, machista e até xenofóbico, bandeiras que vão na contramão da história do Vasco. O clube de São Januário, tão conhecido pela luta por causas sociais, se viu num dilema entre o dinheiro da parceria e uma possível mancha no que representa a cruz de malta.

O LANCE! ouviu especialistas de marketing e o ex-vice-presidente de marketing do clube, Bruno Maia, sobre a seguinte ótica: vale a pena colocar a imagem do Vasco em risco por tamanha polêmica de um patrocínio, que também gera um óbvio aporte financeiro? Até o momento, o clube optou por não se manifestar.

Luiz Leo, professor de marketing esportivo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), especialista no tema, entende que, mesmo cientificamente, o Cruz-Maltino não deveria ter se aliado à Havan. Ele avalia que há possíveis consequências ainda imensuráveis.

- Eu acho, para sair do muro, que não vale a pena. Por mais que seja difícil encontrar investimento, o Vasco é gigante. Qualquer que tenha sido o recurso aportado, cabia prospectar melhor o mercado para que não trouxesse esse espectro que afetasse, em alguma medida, o patrimônio imaterial do clube. Do ponto de vista de um negócio, deveria ser considerado. O que isso trará como consequência futura? Eu, se estivesse nessa posição, procuraria avaliar melhor. Os ganhos são inequívocos, mas as possibilidades de consequências negativas não são mensuradas. É uma decisão difícil, mas compreensível. Eu teria mais cuidado - ponderou, em contato com o LANCE!.

Já Victor Almeida, professor de marketing e negócios, este do Coppead/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pondera os dois lados da moeda. Considera uma face problemática, mas outra necessária para o clube de São Januário.

- Temos que olhar as duas dimensões. Simbolicamente tem problema? Tem. Vai causar certo desconforto nos apoiadores do Vasco. Naqueles que não estão de acordo com os valores promovidos pelo Hang, que é a ponta do iceberg da Havan. O apoiador pode nunca ter entrado (no governo), mas, ao fazer a conexão, vai gerar desconforto - ponderou, também ao LANCE!, antes de concluir:

- Na dimensão econômica, está tudo perfeito porque o Vasco precisa de dinheiro. Amigo do Vasco é aquele que bota dinheiro na mão do Vasco. Sabemos, academicamente, que os resultados desportivos têm alta correlação com o desempenho econômico. Isso cria um círculo virtuoso do dinheiro e do resultado no campo. Se você não tem dinheiro, não tem resultado e nem tem novo patrocínio. É um motor incontestável. Precisa-se do recurso para que aconteça. Esse é o motor que vale - entende Victor.

Os contatos para a Havan patrocinar o Vasco começaram quando a vice-presidência de marketing do clube, hoje acéfala, era ocupada por Bruno Maia. Dirigente até setembro do ano passado, ele explica o trabalho de reconstrução da relação comercial do clube até aquele momento.

- Em algum momento, uma dessas relações fez um representante vir até nós, fruto desse trabalho que vinha sendo percebido em todo o mercado, e nos pediu informações para a Havan. Depois que enviamos, houve um interesse inicial. Aguardamos a evolução interna disso e nos retornaram com a informação de que tinham desistido de fazer qualquer novo movimento em futebol ainda em 2019 e deixariam para 2020, mas que tinham gostado muito do que havíamos apresentado de perspectiva - afirmou Bruno. E concluiu:

- Poucas semanas depois de eu sair do clube, eles me procuraram novamente, sem saber da minha saída, e eu disse que não estava mais lá, mas que eles poderiam seguir diretamente com o presidente Alexandre Campello, com quem eles já tinham também contato. Dito isso, não houve um "porque a Havan". Isso foi parte de uma aproximação que nos levou a apresentar o Vasco para mais de 80 empresas neste período. Por acaso, a Havan se interessou. Provavelmente por ter visto valor no trabalho que vinha acontecendo. O desenrolar disso veio depois e a definição desta parceria foi feita a posteriori - complementou, também ao L!.

Confira a resposta completa de Luiz Leo, professor de marketing esportivo e especialista da PUC-Rio no tema:

"De uma perspectiva científica, de marketing esportivo, eu operei como agente de atletas e lidava com essas relações comerciais e de mercado. A prática que acumulei me colocou nesse dilema muitas vezes. Tinha jogador que ia se vincular a uma marca de bebida alcoólica. Eu sempre fui bastante cuidadoso para orientar: 'Se puder evitar, melhor.' Não condiz com a natureza da atividade. Lidei profissionalmente, agora sou professor da área. Reúno informações que a ciência produz.

Do ponto de vista da agremiação, é uma estrutura de associação com um time de futebol. Esse é o cenário. Uma equipe vinculada a uma entidade sem fins lucrativos. Demanda investimentos para poder triunfar e se sustenta com recurso para promover também lazer. A equipe tem a finalidade esportiva, precisa de performance. Além de cumprir finalidade criativa, existe espírito de competição e recursos humanos. Esse é o pressuposto. Performance é técnica que exige investimento.

'Esse cara (Luciano Hang) tem uma pretensão explícita de se associar ao Bolsonaro, o presidente, que é altamente polêmico e tem pautas altamente contrárias ao Vasco', Luiz Leo, especialista em marketing da PUC-Rio

Qual a natureza de investimento adequada ao investimento? Qualquer atividade lícita entra nessa lógica. A princípio é lícita. Se deve, se não deve... paga tributos. A Havan é uma empresa que tem uma marca e quer se promover. Tem interesse em investir no futebol para alavancar sua marca. O Vasco quer o recurso. Até aí está tudo certo. O problema é que vivemos num contexto externo ao esporte que é de muita polarização política. Avesso a determinado tipo de associação. Num ambiente desses, se associar a referências que remetam a essa polarização causa essa repercussão. A Havan é isso. Não é só uma empresa. Esse cara (Luciano Hang) tem uma pretensão explícita de se associar ao Bolsonaro, o presidente, que é altamente polêmico e tem pautas altamente contrárias ao Vasco. É um conflito que se gera com a história do Vasco. A empresa não tem nada a ver. Vai ganhar, vai reverter em visibilidade  espontânea. Para o Vasco é um bom negócio? Aí já tem uma margem de dúvida. Fere valores históricos do clube. Um clube de futebol se vale de tradições. Neste sentido, o Vasco vai ser alvo de crítica. Vai receber o dinheiro, vai investir, mas, ao mesmo tempo, vai "sacrificar" o patrimônio imaterial em alguma medida. A não ser que faça uma pesquisa. Qual o legado que isso traz para o clube? Isso tudo subjetivamente.

Eu acho, para sair do muro, que não vale a pena. Por mais que seja difícil encontrar investimento, o Vasco é gigante. Qualquer que tenha sido o recurso aportado, cabia prospectar melhor o mercado para que não trouxesse esse espectro que afetasse, em alguma medida, o patrimônio imaterial do clube. Do ponto de vista de um negócio, deveria ser considerado. O que isso trará como consequência futura? Eu, se estivesse nessa posição, procuraria avaliar melhor. Os ganhos são inequívocos, mas as possibilidades de consequências negativas não são mensuradas. É uma decisão difícil, mas compreensível. Eu teria mais cuidado."

Confira a resposta completa de Victor Almeida, professor de marketing e negócios do Coppead/UFRJ no tema:

"Temos que olhar as duas dimensões. O que falei agora é simbólico. Se tem problema? Tem. Vai causar certo desconforto nos apoiadores do Vasco. Naqueles que não estão de acordo com os valores promovidos pelo Hang, que é a ponta do iceberg da Havan. O apoiador pode nunca ter entrado (no governo), mas, ao fazer a conexão, vai gerar desconforto.

Na dimensão econômica, está tudo perfeito. Porque o Vasco precisa de dinheiro. Amigo do Vasco é aquele que bota dinheiro na mão do Vasco. Sabemos, academicamente, que os resultados desportivos têm alta correlação com o desempenho econômico. Isso cria um círculo virtuoso do dinheiro e do resultado no campo. Se você não tem dinheiro, não tem resultado e nem tem novo patrocínio. É um motor incontestável. Precisa-se do recurso para que aconteça. Esse é o motor que vale.

Para a Havan? A Havan está preocupada com os valores de cada marca? No ponto de vista econômico, provavelmente não. Ele (Hang) anunciou que vai continuar a expansão pelo país inteiro. Ele está buscando visibilidade para a marca, que ainda é pouco conhecida. O patrocínio ao Vasco é tudo que ele pode querer. E o Vasco consegue o recurso para o resultado esportivo.

'A Havan não vai conseguir transferir valores negativos para a marca do Vasco. Porque a do Vasco tem trajetória muito grande e muito sólida', Victor Almeida, especialista em marketing do Coppead/UFRJ

No fim do dia, eu não vejo problema porque o curto prazo, no futebol, sempre vence. Eu não vou ensinar cartilha. mas essa é a percepção: o curto prazo é mandatório. O dinheiro paga salário no fim do mês. O que vai mandar no final do dia é a questão econômica para manter o Vasco na primeira divisão. Agora, esse desconforto de alguns torcedores, que certamente há ou haverá, é resolvido pelo próprio torcedor. Porque sabemos, na literatura, que o torcedor tem diferentes elos de ligação com o time. Existe elo com jogadores, treinador... com os cartolas o elo é o mais fraco. Existe sempre questionamento. Uma estratégia que será utilizada, eventualmente, é a da atribuição: ele (torcedor) diz: 'Foi erro do cartola, mas o Vasco é o Vasco'. A paixão do torcedor pelo time é muito maior que essa racionalização. E percebo também que a marca do Vasco é muito maior e poderosa que a da Havan. A Havan não vai conseguir transferir valores negativos para a marca do Vasco. Porque a do Vasco tem trajetória muito grande e muito sólida. E quando você compara o valor das marcas existe um descasamento enorme. O que pode acontecer é uma decisão da diretoria porque esse contrato, normalmente, prevê cláusulas quando a coisa sai do controle. Quando há um limite passado, um excesso que possa dar, eventualmente, origem a um distrato, a diretoria sempre vai ter oportunidade de se defender. Evidentemente, pressionados pela questão econômica.

Significa que a diretoria, quando assinou, certamente estava consciente dessas manifestações que poderiam ocorrer pelas diferenças entre as marcas. Mas o torcedor é o torcedor do Vasco. Não vai deixar de ser. E a Havan não consegue transferir valor. No caso de excesso, autopromoção - de repente, não só comercial, mas política -, mas sempre vai haver a diferença entre as marcas."

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