Promulgações orais no STJD dão brecha para confusões como a da Lusa


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O caso da Portuguesa levanta a questão: a pressa tem sido inimiga da perfeição na relação entre clubes e as decisões proferidas pelo STJD. Por causa da necessidade de rápida resolução dos processos, a burocracia vista na Justiça comum e suas papeladas não se faz presente na esfera desportiva, o que abre espaço para confusões, um dito pelo não dito, como a escalação do meia Héverton pela Lusa.

Como previsto no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), o clube paulista tomou conhecimento sobre a suspensão de dois jogos através da promulgação oral do presidente da Quarta Comissão Disciplinar, Paulo Bracks. A partir deste momento, já tinha ciência do fato, pois o advogado Osvaldo Sestário estava na sessão. Depois disso, um conflito de discursos. Um lado diz que avisou sobre a pena, o outro diz que não ouviu.

Até a publicação da decisão do STJD no site da CBF, na segunda-feira subsequente ao julgamento e ao jogo no qual Héverton foi escalado, foi tarde demais. A briga advogado x clube seria resolvida se Sestário ou algum membro do clube tivesse a decisão por escrito – seja por e-mail, fax ou impresso.

Mas se o STJD não transfere de imediato as decisões para o papel, é responsabilidade do clube, ainda que não tivesse enviado representante, saber sobre a sentença.

Além disso, há o lado da CBF, que só observa - inerte - para ver se algum descuido haverá. Quando a entidade se posiciona é com o leite já derramado e diretamente à procuradoria do STJD para que haja abertura de processo contra o infrator, como ocorreu com Portuguesa e Flamengo. Em tempos de Twitter, não precisaria nem de ofício: 140 caracteres já ajudariam a resolver.

Com a palavra
Rubens Approbato - Ex-presidente do STJD
“Clube pode solicitar acórdão do processo”

Não é comum, mas os clubes podem pedir os acórdãos dos processos no STJD. É muito raro, mas quem quiser pode pedir. Na Justiça Desportiva, a promulgação do resultado é via oral pela necessidade de celeridade das ações. Burocratizar o STJD seria um problema e deixaria ações mais lentas. Outra coisa: se o clube tem dúvida quanto a uma punição, é só ligar para a secretaria e pedir informação.

Com a palavra
Luiz Fernando Gomes - Editor-chefe do LANCE!
"A Justiça Desportiva faliu no Brasil"

É claro que importa quem está certo ou errado nesse caso. Como importam também as consequências que o julgamento de segunda-feira terá para o Brasileirão e os clubes envolvidos. Mas a principal lição a ser tirada do imbróglio deste fim de temporada está bem clara: a Justiça Desportiva está falida, seja na estrutura, seja no modus operandi.

É absurdo que se façam julgamentos numa sexta-feira, véspera de rodada. Agilidade e antecipação nas decisões já seriam um bom caminho para evitar trapalhadas. Todo jogador deveria ser julgado, antes mesmo da próxima partida, antes de cumprir a tal suspensão automática.

Mas o mais inadmissível nisso tudo é que a CBF, no tempo das plataformas digitais, não publique no seu site, imediatamente, os resultados dos julgamentos. Não entregue ao menos ao delegado de cada jogo a relação com os atletas impedidos de entrar em campo. Coisa que acontece em qualquer torneio escolar minimamente organizado.

A quem interessa abrir brechas que permitam manobras ainda que por vezes, como no caso atual, construídas a partir de argumentos juridicamente válidos?

A solução , contudo, vai mais além, para essas mazelas operacionais passa pela reestruturação completa da Justiça Desportiva. Ela precisa ser independente, não depender de verbas da CBF. Precisa que seus auditores sejam concursados ou eleitos, não indicados em ações entre amigos. Precisa, sem perder a agilidade que o esporte exige, seguir trâmites e normas do Poder Judiciário. Isso era a proposta original do Estatuto do Torcedor. Que seja retomada. Reformas já!

Os trâmites da Justiça Desportiva: da expulsão ao julgamento

1 - Jogador é expulso. Árbitro relata na súmula e publica no site da CBF

2 - Equipe da procuradoria, que tem plantão definido por escala, faz a triagem de casos dignos de denúncia e os formula, com embasamento em um dos artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. A definição do artigo varia de acordo com a conduta do jogador e o relatório do árbitro. São cinco equipes ao todo e cada uma delas é ligada a uma comissão disciplinar do STJD. O procurador-geral age diretamente só quando os processos vão para o Pleno.

3 - A denúncias são enviadas ao Tribunal. Recebidas, a sessão de julgamento é marcada. Segundo o regimento interno, cada comissão disciplinar já tem seu dia da semana definido para as sessões ordinárias. A primeira comissão é segunda-feira, a segunda comissão fica na terça, a terceira comissão ocorre às quartas, a quarta comissão na sexta e a quinta reveza com o Pleno (segunda instância) às quintas.

4 - No caso de réus e partes envolvidas, assim que a denúncia é recebida e o julgamento é marcado, há um processo de citação dos envolvidos e intimação para comparecimento, caso seja necessário.

5 - Sessões extraordinárias podem ser marcadas quando a espera até a próxima sessão ordinária de uma comissão cause risco de perecimento do direito da parte ou de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação; quando houver considerável acúmulo de processos a serem julgados pelo STJD; e quando se estiver próximo do encerramento do calendário da CBF, de modo a evitar que os réus tenham questões sob pendência durante recesso do futebol.

6 - Cada comissão disciplinar tem cinco auditores, incluindo o presidente, além do suplente, que entra em ação em caso de impossibilidade de comparecimento de algum deles.

7 - Julgado o processo em primeira instância, quando ainda cabe recurso, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de advogados de defesa, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos valerão a partir do dia seguinte ao julgamento.

8 - Não há necessidade de comunicação via fax, e-mail, telefone, para a decisão passar a valer. Nenhum tipo de ofício é enviado às partes. Os resultados do julgamentos são publicados no site da CBF. Mas não no mesmo dia da sessão.

9 - A defesa e a procuradoria têm direito a recorrer da decisão das comissões, em primeira instância. Se assim o fizerem, um novo julgamento é marcado no Pleno do STJD. A decisão do Pleno é soberana na esfera esportiva brasileira. Superior a ele, só a Corte Arbitral do Esporte, na Suíça.

10 - Os clubes têm responsabilidade total sobre o cumprimento ou não da decisão. Se um jogador é suspenso, a CBF não veta ou impede a escalação deste atleta.

11 - A CBF, depois de cada rodada, faz, através da Diretoria de Competições, o controle para ver se alguém escalou algum jogador de forma irregular. Identificado o descumprimento do regulamento, é informado à procuradoria do STJD e um outro processo nasce, agora com base em artigo diferente – no caso da escalação irregular, o 214 do CBJD.

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