Berço do futebol no Ceará despreza memória e já foi ponto de prostituição

Praça Fortaleza (Foto: Caio Carrieri)
Praça Fortaleza (Foto: Caio Carrieri)

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Fortaleza vive às 17h desta sexta-feira a definição das quartas de final da Copa entre Brasil e Colômbia a partida mais importante da sua história quase tricentenária – a fundação aconteceu em 1726, há 288 anos. A grande paixão dos torcedores da cidade pelo futebol, no entanto, não significa preservação das raízes do esporte nas ruas.

Palco do primeiro jogo do Ceará, em 1904, a Praça do Passeio Público, no centro, não tem nada que remeta ao início do então “football”. A região da praça ter recebido a primeira pelada do estado é surpresa até para quem trabalha na praça.

– Ninguém nunca comentou esse assunto, e olha que eu sou o responsável por administrar tudo aqui. Essa desinformação é culpa do poder público, que não valoriza o patrimônio da cidade – espanta-se Paulo César da Silva, administrador do lugar há dez anos e funcionário da Prefeitura.

Da Silva e outros frequentadores do local podem não saber, mas foi o fortalezense José Silveira, filho de portugueses, que introduziu o futebol na cidade. O estudante na Suíça trouxe em 1904 a primeira bola e um livro de regras. Em counjunto com outros amigos, organizou em 25 de dezembro daquele ano a primeira partida, entre cearenses (Foot-ball Clube) e ingleses moradores de Fortaleza e de um navio ancorado. A equipe Inglezes venceu o duelo por 2 a 0.

Na época, o Passeio Público era um centro de lazer, dividido originalmente em três níveis, um para cada classe social (alta, média e baixa). O jogo aconteceu na segunda seção, área ocupada atualmente pela Companhia de Comando da 10 Região Militar do Exército, sem acesso ao público.

O terceiro nível não existe mais, e o primeiro, tombado pelos poderes municipal, estadual e federal abriga uma praça charmosa, mas com esculturas e jardins pouco conservados. O ponto foi violento e cenário de prostituições durante anos, queixam-se moradores das cercanias. O panorama só mudou em 2007, quando o Passeio Público passou por revitalização. 

– O pessoal roubava tudo de quem passava aqui. Era muito perigoso. Hoje mudou. Aos finais de semana fazemos uma feijoada com chorinho – relata o administrador.

O berço do futebol cearense chora.

Imagem da primeira partida, retirada do livro "Ceará - uma paixão histórica e centenária", de Airton de Farias

PREFEITURA CITA BUROCRACIA

A Secretaria de Cultura de Cultura de Fortaleza culpa a burocracia das esferas municipal, estadual e federal como impeditivo para sinalizar a Praça do Passeio Público com

– Nós estamos tentando formatar um projeto da melhor forma, tentando envolver o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que detém a salva-guarda de alguns bens, assim como a Secretaria de Cultura, que detém outros e a secretaria de Turismo – declarou Eugênio Moreira,  arquiteto da Célula de Patrimônio Material da Secretaria de Cultura.

Galpão do Exército, ponto em que aconteceu a primeira pelada (Foto: Caio Carrieri)

FALTA TURISMO HISTÓRICO EM FORTALEZA, RECLAMA HISTORIADOR

Como analisa a falta de preservação da memória do futebol?
A memória do futebol cearense se relaciona com o Ceará. Sempre houve uma obsessão pela modernidade na política, então estão pouco se lixando para o passado. Se o poder público não está preocupado com isso, imagine a sociedade.  Faltam recursos. Esse ano quase não teve Carnaval em Fortaleza. Tivemos que fazer vaquinha para pagar os músicos. Fazer arte no Ceará é um ato de guerrilha. Se no Brasil não se ganha dinheiro com isso, no Ceará menos ainda.

Como esse panorama poderia ser mudado?
Não existe o turismo histórico em Fortaleza: aqui só existe o roteiro praia e bunda. Isso é o que foi ofertado para os turistas na Copa do Mundo. Faltou um projeto cultural. Na Copa da Alemanha, por exemplo, tinha atividades para o turista compreender a história da onde você está visitando. Não é obrigatório, mas esse tipo de turismo com praia e bunda pode acabar na prostituição infantil e nas drogas.

Vê alguma solução?
Defendo que o poder público tome o que está em posse dos militares e construa um centro cultural. Mas ninguém se interessou. Talvez isso não renda muitos votos.

A IMPORTÂNCIA DO PASSEIO PÚBLICO

Memória
Mais antiga e arborizada praça de Fortaleza, o lugar também recebe a alcunha de Praça dos Mártires por ter sido palco de atrocidades históricas, como o assassinato público em 1985 dos revolucionários da Confederação do Equador. Iniciado em Pernambuco e irradiado para outros pontos do Nordeste, o movimento tinha caráter republicano e separatista contra o Império.

Reconhecimento
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou o local histórico em 13 de abril de 1965.
Além da importância histórica, na praça há  árvores centenárias, como o baobá, oriundo da Ilha de Madagascar, plantado desde 1910.

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