Banguenses reivindicam pioneirismo no futebol para o Rio de Janeiro


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A rivalidade entre Rio de Janeiro e São Paulo é antiga, sobretudo no futebol. Agora, a picuinha passa a ser histórica, literalmente. É que moradores de Bangu, birro da Zona Oeste, reivindicam para a Cidade Maravilhosa a paternidade do futebol no Brasil. Eles querem desbancar a versão oficial de que o paulista Charles Miller foi o introdutor do esporte mais popular do país. Historiadores foram à Escócia para provar que Thomas Donohoe organizou a primeira partida de 'football' tupiniquim, mesmo que não oficial, e artistas construíram uma estátua para homenagear o escocês.

A história é sustentada pelo jornalista e historiador Carlos Molinari e está contada nas páginas do livro 'Nós é que somos banguenses'. O que começou com relatos românticos de moradores antigos de Bangu se transformou numa revisão histórica embasada por genealogia familiar, registros de viagens, documentos empresariais e reportagens de época.

- Os primeiros relatos foram colhidos com moradores e fugiam bastante do que temos atualmente. Hoje temos um material histórico, com datas precisas que nos dão uma grande confiança – explicou.

A pesquisa mostra que Thomas Donohoe era um operário do ramo têxtil que trabalhava na Busby Print Works, uma estamparia situada próximo a Glasgow, na Escócia, onde também jogava futebol. Seu nome aparece em súmulas do Busby Football Club em partidas disputadas em 1889.

Prevendo a falência da empresa, o que de fato aconteceu em 1901, Donohoe se desligou da Busby e veio para o Brasil em 21 de maio de 1894. Ele tinha o salvo-conduto da coroa britânica e veio para trabalhar na Fábrica de Tecidos Bangu.

Atleta nato, Donohoe se ressentia por não ter trazido uma bola de futebol ao Brasil, pensando que o esporte já era difundido por aqui. Ele não se contentava em participar de banda de música ou fazer passeios de bicicletas nos domingos de folga, como fazia a maior parte dos banguenses. A primeira chance de importar uma bola de futebol foi com a vinda da sua esposa, Elizabeth ao Brasil. Foi ela quem, possivelmente, desembarcou com a primeira pelota em terra brasilis no dia 5 de setembro de 1894, vindo no navio Liguria.

- Acreditamos que ele fez a primeira partida num domingo de setembro de 1894 num campo improvisado no jardim da fábrica – explicou Molinari.

A primeira partida foi disputada por seis jogadores de cada lado, todos britânicos. Não houve divisão com uniforme nem anotações de tempo ou dos gols. Com o passar do tempo, o futebol passou a ganhar adeptos italianos, portugueses e espanhóis, até finalmente cair no gosto dos brasileiros.

- Thomas Donohoe nem suspeitava, mas havia sido o pioneiro, o introdutor desta nova espécie de arte no Brasil. Bangu tem motivos de sobra para se orgulhar: foi o primeiro lugar no país onde se praticou o esporte mais popular do mundo. Aqui foi realizada a primeira partida e também morou por 32 anos, anonimamente, o pai do futebol brasileiro – finalizou Molinari.

MONUMENTO

A pesquisa começou há 15 anos e foi coroada com um monumento em homenagem a Thomas Donohoe. Um chafariz, com uma estátua do escocês e uma bola sobre a água foram inaugurados esta quinta, na entrada principal do Bangu Shopping, mesmo local onde, acredita-se, foi jogada a primeira partida em 1894.

A ideia do monumento partiu do artista plástico e cenógrafo Clécio Régis, banguense doente e pioneiro no projeto tocado por ele, Molinari, Júlia Rovere, Benevenuto Rovere e Rogério Melo, com apoio do Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos, o Museu de Bangu.

- Começamos a pesquisa há 15 anos e há cinco pensei no monumento. Conseguimos os apoios e esperamos a Copa, um momento oportuno, para fazermos a inauguração – declarou Regis.

Além da contemplação artística, o monumento tem uma função pedagógica. Ao redor do chafariz serão colocadas 14 placas contando a história de Thomas Donohoe.

- Priorizamos o texto para contar a história de forma didática. É como se fosse um livro nas placas – finalizou o artista.

CHARLES MILLER

Oficialmente o pai do futebol no Brasil é Charles Miller, paulista, filho de um escocês com uma brasileira de descendência inglesa, que estudou na Inglaterra e que em abril de 1895 organizou, em São Paulo, a primeira partida oficial realizada no país.

Além de fazer partidas organizadas e registradas oficialmente, Molinari acredita que existem outros motivos para que Miller seja considerado o pioneiro do futebol no Brasil.

- As justificativas para o mérito ter ido para Miller e não para Donohoe acabam sendo óbvias: era mais interessante que o homem que trouxe o futebol para o Brasil fosse um brasileiro do que um escocês. Além disso, Miller realizou suas partidas no centro de São Paulo, à vista de todos. Enquanto que Donohoe disputou seus matches no distante Bangu, que ficava a duas horas de trem do Centro do Rio, fazendo com que apenas os moradores do local tomassem conhecimento do seu pioneirismo.


NA HISTÓRIA

    * Thomas Donohoe chega ao Rio de Janeiro em 21 de maio de 1894 no Navio SS Clyde para trabalhar na Fábrica de Tecidos Bangu.

    * Em 5 de setembro de 1894, Elizabeth Donohoe chega ao Brasil com a primeira bola de futebol. Contam os historiadores que Thomas Donohoe a inflou ainda na Estação Leopoldina e sai quicando a bola, para surpresa dos brasileiros.

    * Dia 9 de setembro, um domingo, é a provável data de realização do primeiro jogo, entre 12 ingleses que trabalhavam na Fábrica de Tecidos Bangu. O campo foi improvisado no jardim da fábrica, onde atualmente está o Shopping Bangu e onde será inaugurado um monumento em homenagem a Donohoe.

    * A versão oficial dá conta de Charles Miller organizou a primeira partida no Brasil. Foi em São Paulo no dia 15 de abril entre funcionários da Companhia de Gás X Companhia Ferroviária São Paulo Railway.

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