Orgulho Rei: Homossexuais, são-paulino e palmeirense pedem fim da homofobia nos estádios

Primeiro Choque-Rei com torcida única no Morumbi será no mesmo dia da Parada do Orgulho LGBT. Contra o preconceito, fãs relatam as dificuldades vistas nos estádios

Torcedores Sao paulo Palmeiras (foto:Arquivo Pessoal)
Ricardo, são-paulino, e Roberto, palmeirense, na luta contra a homofobia (foto:Arquivo Pessoal)

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Ricardo dos Santos Silva, 34 anos, e Roberto Machado Filho, 26, são torcedores comuns. Vestem a camisa, vão ao estádio desde criança, sabem de cor a escalação de São Paulo e Palmeiras, por quem torcem. Gostariam de ir ao Choque-Rei neste domingo, mas hesitam porque teriam de enfrentar um obstáculo maior que o Morumbi: a intolerância.

Advogados e companheiros de time na pelada de fim de semana, Ricardo e Roberto são homossexuais. Por causa da homofobia tão presente nos estádios brasileiros, quando vão precisam se comportar de maneira diferente do que estão acostumados no dia a dia.

– Vou menos aos jogos por causa disso, medo da violência. Com certeza, se eu fizer algo que fuja do padrão, sei que serei linchado. Já fui com meu namorado, não podia abraçá-lo – conta Ricardo, são-paulino, resignado.

– Se eu falar que sou gay, certamente serei agredido. Nunca me aconteceu nada porque sou mais discreto, não tenho trejeitos. É um ambiente pesado – diz Roberto, que é torcedor do Palmeiras.

Cliente cinco estrelas do Avanti, programa de sócios-torcedores do Verdão, Roberto não perde um jogo no Allianz Parque e nos arredores de São Paulo. Iria ao Morumbi, mas não pode. Além do desconforto de se reprimir onde os demais parecem extravasar suas mágoas, as autoridades vetaram a presença da torcida visitante por conta de briga de organizadas. Vitória da intolerância.

– Essa decisão não resolve. Fui no Palmeiras e Corinthians e as brigas foram fora do estádio, nada aconteceu dentro – reclama o palmeirense.

O jeito é seguir as “regras” e tentar mudar por outras vias. Antes do jogo, os amigos pretendem marcar presença na Avenida Paulista, na 20ª edição da Parada do Orgulho LGBT (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros). É o maior movimento do país contra o preconceito na diferença de gêneros. Depois, voltam a torcida e as brincadeiras saudáveis.

– Se o Palmeiras ganha, o Roberto não vai perdoar. E eu vou sumir do WhatsApp – brinca Ricardo.

Que o clássico seja o mais colorido possível. Antes a alegria do arco-íris do que o preto do luto.

Entrevista com Ricardo Santos Silva, torcedor do São Paulo

Qual sua relação com o futebol e com o São Paulo?
Sempre fui são-paulino desde pequeno, sempre joguei bola. Aí fiquei um período sem jogar por causa da faculdade, falta de tempo. Agora voltei, jogo num time só de gays, faço natação, academia, ando de skate, bicicleta.

Joga em qual posição?
Jogo de zagueiro. Na verdade, até jogava mais à frente, no campo até jogo de volante.

Como chama o time e faz quanto tempo que jogam?
Chama Timidans. Oficialmente, jogamos há um ano.

Com quem frequência se reúnem? Disputam campeonatos?
Todo final de semana entre a gente, amistosos, tem campeonato. A gente participou do torneio da cidade, mas jogamos mais amistosos. Geralmente, futsal.

Você vai ao estádio? Lembra de um jogo mais marcante?
Eu curto ir, vou esporadicamente, mas costumo ir. Faz muito tempo, quando era criança foi a primeira vez. Não tem um jogo mais marcante. As eliminações de Libertadores marcaram.

Vai ao Morumbi ou na Parada LGBT?
Estou em dúvida ainda, como é só torcida única, anima mais, pode não ter tanta confusão. Geralmente não vou na Parada. já fui muito na Parada, ultimamente não tenho me interessado, virou meio Carnaval, só dou respaldo para a parte politica.

'É ridículo esse ambiente homofóbico, sintoma da nossa sociedade, da intolerância, do machismo. a sociedade acha que tem de seguir padrão', Ricardo, torcedor do São Paulo

É engajado contra a homofobia?
Tento postar coisas nas minhas redes sociais, me posicionar com meus amigos, familiares, mas nada de organização, ONG.

O ambiente de estádio é homofóbico?
Sim, super violento, intolerante a tudo.

E qual sua opinião sobre isso?
Ridículo, sintoma da nossa sociedade, da intolerância, do machismo. a sociedade acha que tem de seguir padrão.

Como vê o São Paulo atualmente?
Agora o time está bem melhor, antes tava bem desanimado. Agora teve arrancada, está com mais raça, deu um ânimo a mais, apesar de não estar 100%, está mais aguerrido, da mais chance.

Arrisca algum palpite? Quem fará os gols?
Não sei, queria que ganhasse de 2 a 0. O São Paulo faz tempo que não ganha um clássico, aguenta piada. Não sei se o Callleri vai jogar, mas seria ele e o Ganso.

ENTREVISTA COM ROBERTO MACHADO FILHO, PALMEIRENSE

Qual sua relação com o futebol e o Palmeiras?
Eu jogo bola, já pratico, toda sexta e sábado, então faz parte de mim. Meu pai é técnico de um time de futebol de várzea em Curitiba, sempre estive ligado. E com o Palmeiras, sou sócio Avanti, eu e minha mãe. Então todos os jogos que o Palmeiras faz contra a Ponte Preta, próximo da capital, sempre vou. Minha ligação é muito forte.

Qual foi o jogo mais marcante?
Eu acho que foi Palmeiras e Santos, final da Copa do Brasil. Porque tive dificuldade para comprar ingresso, ainda não era 5 estrela, hoje sou. Tive briga para entrar, não consegui, entrei quase começando o jogo. A torcida começou a cantar hino, mosaico, me emocionei, comecei a chorar, tomou conta de mim. O Palmeiras estava ganhando, ai foi pros pênaltis, fiquei desesperado, vi de olho fechado.

Já sofreu preconceito no estádio por ser homossexual?
Não sofri preconceito porque estádio tem problema com gays com mais trejeitos, com aparência. Eu não falo para ninguém porque vou para assistir os jogos. Eu vou sozinho, não tenho porque ficar falando, vejo o jogo e vou embora.

O ambiente de estádio é homofóbico?
Sim, infelizmente é um ambiente homofóbico, quando começa a tocar a bola, já começa bicha, viado, as ofensas que são direcionada aos jogadores, usa como ofensa.

'Se eu falasse que sou gay, eu certamente sofreria agressões, mas nunca sofri nada, ainda bem', Roberto, torcedor do Palmeiras

Você se ofende?
Eu não me ofendo, porque não é para se ofender é para se orgulhar. Mas claro que se fosse uma pessoa de cabeça fraca ia se doer.

Você acha que se agisse naturalmente correria risco?
Se eu falasse que sou gay, eu certamente sofreria agressões, mas nunca sofri nada, ainda bem.

Não é negativo você não pode se comportar como se comporta na rua?
Sim, negativo, deveria ser ambiente de pessoas. Não somos animais, pode conviver junto, um respeitando a posição do outro. Tem gente que tem religião que não compactuo e convivo. É meio frustrante isso.

Vai para o jogo ou para a Parada?
A Parada vai ser meio-dia. E vejo jogo às 16h. 

O que acha de os torcedores rivais apelidarem a torcida do São Paulo de bambi, ligada ao homossexualismo?
Acho infantil essa forma. Porque tem homossexual em todas as torcidas. Nós temos muito medo, de usar uma camisa do Palmeiras, tiver de dar a mão para o namorado, certamente vou ser agredido. E 90% dos meus uniformes são palmeirenses. É muito triste.

Se pudesse mandar uma mensagem contra a homofobia, o que diria? 

Eu diria que o futebol é um esporte como qualquer outro, onde as pessoas têm de conviver em sociedade, eu tenho de conviver no meio de religiões que não cultuo, não compactuo, mas eu respeito. Falta isso, o cara toca a bola, é bicha, viado. Teve um episódio, do Richarlyson, que a torcida do Palmeiras se manifestou, eu queria dizer que é para acabar esse preconceito, esse machismo, essa separação. 

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