‘Calote’ do The Strongest em 1969 salvou brasileiro de desastre aéreo

Nilton Pinto foi impedido de viajar com a equipe porque o Tigre não havia pago o dinheiro de sua contratação. Na volta para La Paz, o avião caiu sem deixar sobreviventes<br>

Acidente que deixou 74 mortos ficou conhecido como 'tragédia de Viloco' (foto: The Strongest/Divulgação)
Acidente aéreo&nbsp;que deixou 74 mortos ficou conhecido como 'Tragédia de Viloco' (foto: The Strongest/Divulgação)

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— Menina, sabe que eu nem consegui dormir ontem à noite? Depois que eu falei com você sobre o acidente, fiquei lembrando. Toda vez que eu viajo de avião é a mesma coisa. Me preocupo, não consigo parar de pensar no que aconteceu.

Cinco décadas não foram suficientes para amenizar as memórias de Nilton Pinto, o Niltinho, sobre o acidente aéreo que dizimou o elenco do The Strongest em 1969. Ao término daquela temporada, a equipe foi convidada para disputar um amistoso em Santa Cruz de La Sierra, onde perdeu para o Cerro Porteño, do Paraguai. O revés que se seguiu, contudo, foi além de qualquer derrota já enfrentada pelo clube fundado em 1908.

No dia 26 de setembro, na volta a La Paz, o Douglas DC-6 do Lloyd Aéreo Boliviano bateu na região montanhosa de Viloco, a cerca de 100 km de La Paz. Nenhuma das 74 pessoas que estavam a bordo sobreviveu, incluindo 16 jogadores e três membros da comissão técnica do clube.

Na época, Niltinho defendia o boliviano Always Ready, por onde disputou a Libertadores de 1968. Ele havia acertado verbalmente com o Tigre e já estava em La Paz, de onde deveria viajar com o restante do elenco para o amistoso. Estava em casa, arrumando as malas, quando um dirigente do Always telefonou e avisou que ele não poderia ir, pois o novo clube ainda não havia depositado a quantia acertada pela negociação.

— Fui convocado para o jogo, mas não me liberaram. O presidente do Always não me deixou ir porque não tinha sido feita a transferência do dinheiro. Na hora eu xinguei, porque queria ir — contou o ex-jogador ao LANCE!.

A revolta durou pouco. Niltinho desfez as malas e ficou na concentração. Poucos dias depois, recebeu a notícia de que o avião que trazia o time de volta havia se chocado contra a cordilheira. Não havia sobreviventes.

— Quando eu soube, nasci de novo. Fiquei atordoado. Na hora calcule o que passou pela minha cabeça, eu nem sabia o que falar. Todos os meus companheiros, inclusive dois atletas que jogaram no Always comigo (Jorge Tapia e Eduardo Arrigó), haviam falecido. Aquilo me deu um vazio, eu tinha 21 anos. Não fui e o avião caiu. Como é que a gente fica? — contou.

O brasileiro não foi o único a se salvar. Três jogadores do Tigre também não embarcaram: Luis Gini, por motivo de lesão; Marco Antonio Velasco, que chegou a ir a Santa Cruz de la Sierra, mas optou por ficar mais uns dias para visitar sua família; e o capitão Rolando Vargas, que estava gripado. Padrinho do filho de Nilton, o boliviano diz que sua salvação foi "obra do destino".

A tragédia causou grande comoção na Bolívia e em toda a América do Sul. O presidente do clube na época, Rafael Mendoza, foi responsável por reerguer a equipe e contou com muita colaboração. Como estava praticamente acertado, Niltinho foi o primeiro a se apresentar. Depois vieram os outros. O arquirrival Bolívar e outros times locais emprestaram jogadores para que o Strongest pudesse fazer uma excursão para arrecadar fundos.

O Brasil também participou. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), então presidida por João Havelange, organizou um Fla-Flu no Rio de Janeiro e doou toda a renda para o clube de La Paz. O Boca Juniors repetiu o gesto e ainda cedeu dois jogadores de sua base - Luis Fernando Bastida e Víctor Hugo Romero - que vieram a ser destaques na Bolívia. Já o presidente da Conmebol, Teófilo Salinas, colaborou com 20 mil dólares.

Todo o apoio fez com que o The Strongest se recuperasse rapidamente. Já na temporada seguinte, ergueu o troféu do Campeonato da Liga de La Paz - o futebol boliviano ainda não tinha uma liga unificada. A equipe foi campeã também em 1971 e 1974, além de ter vencido a Copa Simón Bolívar em 74.

— A ideia de fechar o clube sequer foi cogitada, porque embora tenha sido uma marca terrível na Bolívia, o Strongest já era muito grande e querido. O time se reergueu porque todo mundo queria ajudar. Foi uma coisa monstruosa, o país inteiro parou. Todos se comoveram — explicou o ex-jogador, que deixou o clube amarelo e preto em 1973.

O The Strongest receberá o São Paulo nesta quinta-feira, às 21h45 (de Brasília), pela última e decisiva rodada da fase de grupos da Libertadores. Para avançar às oitavas de final, o Tricolor terá que enfrentar, além da altitude de La Paz, uma equipe marcada pela superação.

Relembre outros acidentes aéreos envolvendo clubes de futebol: 

Torino
No dia 4 de maio de 1949, o Torino retornava de Lisboa após uma partida amistosa com o Benfica. Já próximo de aterrissar em Turim, o Fiat G.212 da Avio Linee Italiane se chocou contra a Basílica de Superga. 31 pessoas morreram, sendo 18 jogadores e cinco membros da comissão técnica. Faltavam quatro rodadas para o fim do Italiano e o clube, que liderava com folga, estava prestes a ser campeão. 

Manchester United
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Em 6 de fevereiro de 1958, o Manchester United perdeu oito jogadores no "Desastre de Munique". O Airspeed AS-57 Ambassador da British European Airways caiu na decolagem de Munique para Manchester e vitimou 20 das 44 pessoas que estavam a bordo, sendo oito jogadores da equipe. Os atletas voltavam da Iugoslávia após enfrentar o Estrela Vermelha. 

Seleção olímpica da Dinamarca
No dia 16 de junho de 1960, o e Havilland Dragon Rapide fretada pela Associação Dinamarquesa de Futebol caiu em Oresund logo após decolar em Copenhague. Todos os oito atletas que estavam a caminho dos Jogos Olímpicos de Roma morreram. Apenas o piloto sobreviveu. 

Green Cross
Em 3 de abril de 1961, o Green Cross, do Chile, perdeu oito jogadores, o técnico e o fisioterapeuta quando o Douglas DC-3 (mesmo modelo do desastre com o The Strongest) bateu na Cordilheira dos Andes a caminho de Santiago. Foram 24 vítimas no total. O local exato do acidente só foi descoberto no ano passado.

Pakhtakor Tashkent
Em 11 de agosto de 1979, a equipe do Uzbequistão viajava para Minsk para enfrentar o Dinamo Misnk. Porém o Tupolev Tu-134 da Aeroflot se chocou com outro avião do mesmo modelo e vitimou todas os 178 passageiros das duas aeronaves, sendo 14 jogadores e três membros da comissão técnica. 

Alianza Lima

No dia 8 de dezembro de 1987, o Fokker F27 da Servicio Aeronaval de La Marina del Peru que trazia a equipe de Pucallpa para Lima caiu no Oceano Pacífico. Morreram 43 pessoas, incluindo 16 jogadores e toda a comissão técnica do clube. Somente o piloto sobreviveu. 

Colorful 11

Em 7 de junho de 1989, DC-8 da Surinam Airways que levava o Colorful 11 - time formado por descendentes de surinameses que jogavam na Holanda - caiu na capital Parimbo. Dos 178 passageiros, 11 sobreviveram, sendo três jogadores. Porém outros 15 não resistiram. 

Seleção da Zâmbia

Em 27 de abril de 1993, o De Havilland DHC-5D da Força Aérea da Zâmbia estava a caminho de Dakar para um jogo contra o Senegal, válido pelas Eliminatórias da Copa de 1994. O avião caiu em Gabão e matou todas as 30 pessoas a bordo, incluindo 18 jogadores e membros da comissão técnica. 

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