Dorival Júnior abre o jogo ao L! e fala de tática, eleição, questões sociais e desejo de ficar no Santos em 2018

Técnico do Peixe reage a cobranças da torcida, explica mudança de comportamento dos adversários diante do Peixe e questões que o irritam para, ainda assim, ficar no Alvinegro

Dorival Júnior e Modesto durante reunião no CT Rei Pelé 
Ivan Storti / Santos FC

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Gritos de burro, de incentivo e de gol; vaia e aplauso. Tudo isso foi possível ver em apenas duas semanas na Vila Belmiro (ou no Pacaembu) e fazem parte de uma relação de (mais) amor e (menos) ódio entre Dorival Júnior e parte da torcida do Santos.

Por trás de disso há diversos fatores, como: política interna, estilo de jogo, convicção tática e até questões médicas. Mas depois da variação de sentimentos da voz das arquibancadas, chegou a vez de o próprio técnico do Peixe dizer o que pensa a respeito de tudo que vivei na temporada, a começar pelo mais importante: o campo.

Dono da segunda melhor campanha do Brasileirão do ano passado, Dorival ganhou seis reforços que custaram ao clube R$ 24 milhões. Com isso, a expectativa da torcida aumentou, mas na prática, o Peixe passou por sequências de jogos difíceis, incluindo derrotas em casa para São Paulo, Ferroviária e Palmeiras. Mas na Libertadores, o Alvinegro lidera o Grupo 2 e vê a chance de classificação antecipada crescer. Fato é que depois do futebol apresentado em 2016, algo mudou para o Santos, inclusive a atitude do adversário, como pensa o treinador.

- É difícil (se abrirem contra o Santos). Eles (adversários) sabem que se possibilitarem essa condição, fatalmente ficarão sujeitos ao contra-ataque e o nosso sempre foi muito rápido e muito forte. Mesmo jogando fora, nós percebemos que as equipes nos esperam lá atrás. E se nós formos jogar em cima dessas equipes adversárias, também damos a possibilidade delas darem o que elas tem de melhor. Que é justamente sair na frente e explorar os contra-ataques. Até lá temos que mudar nossa concepção. Nessa terceira partida da Libertadores, fizemos um jogo de uma maneira inteligente, até o momento da expulsão do Jean Mota. A partir dali, nós quebramos o que estávamos preparando para a fase final do jogo, onde envolvemos o adversário de uma outra forma, e aquilo estava sendo uma situação favorável para a gente. Com a expulsão, tivemos que fazer um recuo natural e obrigatório e tirou a possibilidade real para nós de um resultado diferente - afirmou, referindo-se ao 0 a 0 contra o Santa Fe, na Colômbia.

O contato mais recente com a torcida foi no duelo com a Ponte Preta, pelas quartas de final do Paulistão, no Pacaembu, em que o Peixe venceu por 1 a 0, mas foi desclassificado nos pênaltis. Lá, Dorival chegou a se virar para alguns torcedores e tentou explicar o porquê de tirar Bruno Henrique, melhor no jogo, enquanto ouvia vaias e gritos de "burro".

- Eu pedi calma, porque eles transferem a raiva da saída do Bruno para o campo. A partir do momento que vaia o jogador lá dentro não sabe se ele está sendo vaiado ou se a vaia é para o treinador ou para o jogador que saiu. Eu só falei :"calma, ele está tendo câimbra". O jogador que está desenvolvendo uma boa partida em campo, você de repente tem que tirá-lo. O ideal é o quê? Que ele se jogue em campo para ir a maca e ele sair? As pessoas não percebem o que está acontecendo na partida. O que eles querem ver é se a bola entrou naquele gol ou no outro e a camisa que conseguiu esse feito. É complicado.

E quando se fica em dúvida se Santos e Dorival caminham para o melhor desfecho, vem a convicção mais surpreendente do treinador que está há mais tempo no cargo entre clubes da Série A.

Após quase três anos no comando do time e prestes a encarar uma eleição presidencial, fator que o atrapalha no dia a dia, Dorival mostra a certeza que poucos acreditariam que ele tinha.

- Tenho (vontade de permanecer no clube em 2018), não tenha dúvidas disso. E acho que o trabalho está sendo bem desenvolvido. Eu sou muito sincero, não vou ficar aqui enaltecendo os pontos positivos do trabalho. Não tenho essa preocupação. Eu acho que as coisas estão acontecendo. Neste ano, não como gostaríamos, mas daqui a pouco as coisas vão encontrar um caminho. Mas as coisas estão muito próximas de darem frutos. Estão sendo plantadas coisas muito boas aqui dentro.

Entre tapas e beijos, Dorival parece dar mais ouvidos aos gritos com seu nome ao início de cada jogo. E mais do que isso, quer continuar retribuindo.

"Aqui no Brasil você é visto como bandido se o seu clube é derrotado"

CONFIRA OUTRAS RESPOSTAS DE DORIVAL JÚNIOR:

O Santos costuma mudar a atitude no segundo tempo da maioria dos jogos. Como você usa o intervalo para isso? Dá tempo?


- Às vezes tem condições, às vezes você muda o posicionamento de um jogador e altera, de repente, a aproximação de marcação, adiantando uma linha ou outra e acaba interferindo. De repente, você recua mais o time, dando condições de uma nova situação e dá certo. É aquilo que a gente sempre reclama do futebol. Temos pouquíssimas opções táticas pra trabalhar. Por quê? Porque quando começa uma partida, diferentemente do vôlei e basquete, você não pode mexer no time, tem que parar e alterar, porque não tem uma substituição na sequência. Ou você não pode voltar com aquele jogador que tem iniciado muito mal a partida, sacando e de repente voltar com ele de novo. A parte tática do futebol fica muito mal trabalhada. Eu gostaria de ver algumas mudanças no futebol acontecerem, antes da minha parada, que seria o tempo fixo de jogo da bola rolando. Você quer fazer cera? Vai fazer cera com a bola rolando, com chance de tomar um contra-ataque, de errar um passe, essa é a maneira correta. Aconteceu no Pacaembu, aconteceu no primeiro jogo da Ponte Preta, onde a Ponte estava teoricamente com mais vantagem que a gente, tivemos 40 minutos de bola parada, foi meia partida com bola parada. Isso não é agradável para ninguém. Junta isso, a figura do treinador fica muito amarrada no banco. Você não tem como estar mexendo ali com todo o grupo, você tem à disposição 12 jogadores e só tem três alterações, é muito pouco. Teria que haver um número para podermos mexer taticamente. Tentar modificar, você percebe um detalhe e modifica de novo. Ai sim, daria para observar um trabalho tático de um treinador. Não do jeito que é hoje. Infelizmente, o futebol não evolui como com o basquete, o vôlei, o futebol de salão, tornando o esporte muito mais motivante.

É a favor do recurso eletrônico para decidir lances duvidosos?

- O que é lisura e é limpo no futebol tem que ser preservado. Esses dias estávamos discutindo a atitude do Rodrigo Caio. A atitude dele foi correta! Aquilo tem que ser enaltecido. Aquilo tem que ser mostrado toda hora, outras pessoas terão que fazer o mesmo. O que temos que contestar é a figura do embromador, do enrolador, daquele que está tentando tirar vantagem, tentando tirar proveito da situação ou lance. Deveria ser punido. O errado tem que ser punido. Sem falar de alguém em específico. É um problema mais amplo. O brasileiro tem no DNA dele que tem que tirar proveito de alguém ou algo.

Você já encarou período eleitoral enquanto trabalhou em outros clubes. Tem como o técnico driblar isso?

Vi isso no Flamengo, no Palmeiras, no Internacional, em outros clubes... Não é nem questão de driblar, tem uma interferência direta dentro do próprio clube. As atenções se voltam muito mais para o lado político. E você tem necessidade de ter uma sustentação, ter uma aproximação maior e agora com o Santos não será diferente (o clube tem eleições presidenciais marcadas para dezembro).

Como treinador que está há mais tempo no cargo na Série A, você foi procurado por rivais do Santos. O fato do seu trabalho longo ser reconhecido irá servir como exemplo para dirigentes na hora de demitir um treinador?

- Eu espero que sim, mas não vejo isso acontecendo. Vejo que os primeiro resultados dos campeonatos regionais já geraram aquele caldeirão todo que a gente acompanha de tempos em tempos. Entra ano e sai ano e as coisas não alteram. Eu não sei se isso vai mudar logo, não. Talvez um clube ou outro assimile essa situação, enfrente um pouco mais. O movimento ainda é muito vivo, seja de quem analisa, de quem esteja no movimento do dia a dia de um clube. É uma ação conjunta. Se imprensa, treinadores e diretores não se sensibilizarem e partirem para um outro lado, dificilmente vai acontecer. Uma lei é necessária e uma mudança comportamental também. Esse movimento começa pequeno, mas se fala ali outro aqui, ele se massifica, e quando se massificar é impossível segurar. Os resultados negativos nós teremos. Agora, os positivos, se eles forem muito maiores, eles têm que ser valorizados e não é por conta de uma primeira instabilidade que já se crie. É a posição de trabalho mais difícil e eu não tenho dúvidas disso. Eu apontava lá atrás, quando eu era jogador. Outro dia, lendo uma entrevista do Mourinho, ele fala que no Brasil, olhando as opiniões, onde todos se consideram um treinador de futebol, seria impossível de se trabalhar em um clube. Ele falou lá de fora, só observando, sem ter vivenciado. Imagine vivenciando? (risos) Aqui no Brasil você é visto como bandido se o seu clube é derrotado. É como eu observo.

Considera a reação do torcedor em geral, não só do Santos, exagerada?

- Dá impressão de que um crime no estádio é mais tolerável do que um cometido na rua. Nós vivemos em uma sociedade doente, a gente tem que tentar entender essa reação do torcedor. É difícil. Vivemos em uma guerra civil. Não existe elite quando entra o futebol. A educação, de um modo geral, não condiz com a figura, com a posição social, status de um torcedor... A educação é berço, é a maneira como ele encara a vida. Ele vai a campo como entretenimento ou como desabafo? Vai a uma peça de teatro como uma arte ou esperando um erro de uma ator ou uma atriz? Temos visto isso ultimamente, infelizmente.

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