‘A temporada em pista aberta é que mostrará como será a Olimpíada’, diz Fabiana Murer

Principal atleta do Brasil no atletismo, varista inicia a disputa do Mundial indoor nesta quinta-feira de olho em na medalha, mas focada nos Jogos Olímpicos do Rio

Fabiana Murer
Ao lado do técnico Elson Miranda, Fabiana Murer fez uma preparação intensa para o Mundial de Portland  (Foto: Ari Ferreira/Lancepress!)

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Praticamente um treino de luxo para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em agosto. É dessa maneira que pode ser encarado o Mundial de Atletismo indoor, em Portland (EUA), desta quinta-feira até domingo. Mas mesmo assim, os dez atletas brasileiros na disputa sonham com um pódio. Principalmente a mais importante entre eles, Fabiana Murer.

A varista é atualmente a principal competidora do país na modalidade. Os resultados dos últimos anos não deixam qualquer dúvida, principalmente pelas medalhas de ouro no Mundial indoor de Doha-2010 e no Mundial outdoor de Daegu-2011, e, mais recentemente, as pratas nos Jogos Pan-Americanos de Toronto e no Mundial de Pequim, ambas as competições no ano passado. Isso sem contar os dois títulos da Liga Diamante, entre outros.

Murer não esconde que a meta principal é ir ao pódio na Rio-2016. Mas um bom resultado nos Jogos passa por um bom desempenho em Portland. Em entrevista ao site do LANCE!, a atleta falou sobre as metas para 2016, o ano de sua despedida, e a Olimpíada. Confira:

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro são daqui um pouco mais de cinco meses. Como está a expectativa?
Fabiana Murer:
Parecia que estava tão longe 2016, mas já chegou. Já está aí. O ano começou para mim em outubro, que é quando eu começo os treinos fortes, para fazer a preparação da pré-temporada em pista coberta. Estou treinando bem, já estou em 18 passadas, que é minha corrida total para o salto. Fiz bons treinos, tive poucos problemas na preparação. Estou saltando bem, estou super animada. Em fevereiro, comecei a competir em pista coberta, agora, tem o Mundial. Aí, inicio a preparação para a Olimpíada. Tem muita coisa para acontecer, mas vai passar voando.

Nesse início de temporada, seu foco mesmo é o Mundial?
FM:
Sim, o foco é a temporada em pista coberta. (O Mundial) É uma competição importante, não sei se vão estar todas as principais atletas, mas vai ser uma competição forte. Será um torneio legal. Diferentemente dos outros anos, o primeiro dia vai ser só com o salto com vara, com o feminino e o masculino saltando ao mesmo tempo em dois setores. Será toda a atenção só para o salto com vara.

O que espera em relação ao nível técnico da competição?
FM:
Os resultados crescem em ano olímpico, as americanas já começaram a competir e estão com resultados fortes. Isso mostra que o nível nas Américas cresceu bastante. Vai mostrar um pouco o que será na Olimpíada, mas pode ser que algumas atletas não consigam chegar até agosto, nos Jogos, porque é um período longo. A temporada em pista aberta vai mostrar realmente o que vai acontecer na Olimpíada. O indoor é um parâmetro, mas o que realmente vai mostrar é a pista aberta.

Tem alguma meta nessa temporada indoor?
FM:
O objetivo é saltar acima do recorde sul-americano (indoor), que fiz ano passado, de 4,83m. Acho que posso fazer mais do que isso, tentar o 4,90m, uma marca que eu já poderia ter feito no ano passado e acabou não saindo. Tenho de saltar 4,80m, 4,90m no Mundial se quiser uma medalha.

E essa é sua marca esperada para a temporada?
FM:
Estou pensando por etapas, não dá para voar muito, preciso ter os pés no chão. Primeiro, é passar o recorde sul-americano, que já fiz três vezes. É possível fazer mais. O objetivo é o 4,90m e, se possível, algo melhor.

Em 2012, você não disputou o Mundial indoor. Por que mudou e como isso pode ajudar nos Jogos Olímpicos deste ano?
FM:
Acho que foi um erro não fazer a temporada em pista coberta em 2012. Desde 2006, eu sempre fiz, mas em 2012 eu resolvi treinar mais, porque achava que estaria mais preparada para a Olimpíada. E acabou dando tudo errado, senti uma lesão. Conseguia treinar, mas tive de diminuir as atividades. Essa dor atrapalhou um pouco na técnica do salto. Foi um ano ruim, no qual não consegui passar por todas as etapas do treino, foi um ano de mudança. Nesse, resolvi não mudar e fazer o que fazia anteriormente, algo que meu corpo já estava acostumado. E é minha última temporada, então preciso aproveitar todos os momentos (risos).

O que dá para tirar das competições indoor?
FM:
Não é tão diferente. Às vezes, montam a pista de madeira ou de tablado, e o ritmo do salto é um pouco diferente. Mas não temos o fator vento que ajuda, mas também pode atrapalhar, não tem chuva. É um pouco mais tranquilo, porque não existem os fatores climáticos. Mas tem esse tablado que às vezes dá a diferença na corrida. É uma temporada importante. (O Mundial) É uma competição forte. E é importante para ver o que deu certo nos treinos, o que tem de melhorar, o que tem de mudar. É um parâmetro para corrigir ou continuar fazendo o que deu certo.

'Quero estar no meu auge na Olimpíada. Todo ano, procuro isso, estar cada vez melhor, saltar cada vez mais alto. Não sei se vou estar ou não, mas eu treino para alcançar isso'

Como avalia o ciclo olímpico de Londres-2012 até agora?
FM:
Acho que foi um ciclo bom, crescente. Em 2012, os resultados não foram muito bons, fui bem inconstante. Em 2013, já tive uma constância maior, mas sem ter um salto muito alto, estava retomando minha técnica. Em 2014, foi bom, fui campeã da Liga Diamante, fiz 4,80m novamente. E, em 2015, foi excelente. Fui crescendo gradativamente e espero estar no pico em 2016.

Você acredita que está bem em um momento certo?
FM:
Logicamente que quero saltar alto e melhorar o resultado em todo ano. Mas esse foi um ciclo crescente, até por acaso, não foi um planejamento. Por conta eu ter sofrido uma lesão no tendão calcâneo em 2012, eu tinha muita dor até o começo de 2013. Fiz um tratamento, recuperei e, a partir daí, eu comecei a ver como eu estava mal fisicamente por conta desse problema. Aos poucos, fui retomando a forma física e técnica. A técnica do meu salto está mudando um pouco e é uma coisa boa para eu conseguir saltar mais alto. Não fiz grandes mudanças, mas fiz melhoras. Não é o momento de mudar nada também, é só melhorar o que tenho feito.

O que você tem de diferente atualmente, que não tinha em 2008 e 2012, logicamente que além da experiência?
FM:
Ia falar experiência (risos), que é um fator importante. Hoje, eu escuto mais o meu corpo, entendo mais. Se sinto alguma dor, falo com meu técnico para parar o treino e que não vou fazer isso. É melhor perder um dia de treino do que perder um mês todo. Ele me escuta mais, a gente conversa sobre o treino. A gente fala bastante sobre o treinamento para conseguir levar de uma boa forma, eu não sentir lesões, me sentir bem para não passar do limite. E uma coisa que eu procuro melhorar no meu salto é o fim, a parte de cima que eu acho que era bem deficiente, que eu tenho melhorado bastante, tendo um ganho maior quando eu solto da vara. A minha velocidade até piorou de 2008 por conta de eu estar ficando mais velha. Antes do Mundial de Pequim (CHN) no ano passado, fiz um tiro de 40m e foi muito ruim, mas isso não me abalou. Eu sabia que estava cansada do treino, que eu ia me recuperar e descansar até a competição. E consegui saltar a mesma coisa que em 2011 mesmo estando mais lenta. Isso mostra que a técnica continua boa ou até melhor. A velocidade é importante, mas não é o fator primordial. Preciso estar veloz, mas em uma velocidade ideal. Se for um pouco abaixo, não tem problema, porque sei que posso saltar alto.

Você acha que na Olimpíada vai chegar no seu auge técnico, em condições de fazer a melhor marca da sua carreira?
FM:
Espero que sim, para isso que eu estou treinando: para chegar no meu auge na Olimpíada. Queria estar no meu auge no Mundial no ano passado e quero estar no meu auge na Olimpíada. Todo ano, procuro isso, estar cada vez melhor, saltar cada vez mais alto. Não sei se vou estar ou não, mas eu treino para alcançar isso.

Todos os atletas estão falando desse momento que será especial para os brasileiros. Estar em uma Olimpíada já é fantástico e competir em casa será melhor ainda. O que a Olimpíada Rio-2016 representa para você?
FM:
Significa e significou a continuidade da minha carreira. Eu até pensava em parar antes, mas resolvi continuar até 2016 até por conta da Olimpíada aqui no Brasil. É um sonho estar em uma Olimpiada, é um sonho estar em uma Olimpíada no meu país. Logicamente que a pressão é maior, a cobrança... Mas o atleta precisa saber lidar com isso. Se ele não souber, não vai ser um atleta de ponta, faz parte da carreira. Para mim é algo muito importante.

Se ganhar uma medalha olímpica, acha que dá para ser considerada a maior atleta do atletismo do Brasil?
FM:
É difícil falar isso, tem outros atletas que tiveram títulos, a Maurren (Maggi) foi campeã olímpica, o Ademar (Ferreira da Silva) teve duas medalhas de ouro. Então, é difícil falar. Sei que construí uma boa carreira, consegui vários títulos. Fico contente pelo o que eu consegui fazer e pelo o que eu conquistei. Era uma coisa que eu queria era fazer história, colocar meu nome na história. Acho que consegui. Mas não estou satisfeita. Quero um pouco mais, tem ainda esse ano para eu conquistar outras coisas.

Em 2008 e 2012, você passou em branco na Olimpíada por motivos diferentes. Como esses dois episódios te fizeram uma atleta melhor atualmente?
FM:
Foram situações difíceis que passei nas duas Olimpíadas. Tinha aquele sonho de estar em uma Olimpíada, achava que seria tudo perfeito, mas não é bem assim. É uma competição, muito mais importante que qualquer outra, mas é uma competição. Uma é diferente da outra. Esse ano vai ser diferente de tudo o que eu passei. Nunca consigo chegar na competição e sentir as mesmas coisas ou tentar fazer as mesmas coisas. Cada competição é diferente. Foram experiências importantes para o meu crescimento como a atleta que eu sou hoje. Lógico, foram situações ruins, mas procurei tirar o melhor disso. E sempre pensei em melhorar minha técnica. Minha técnica é a base de tudo, meu ponto forte. Por tudo o que eu passei, lógico que aprendi a crescer em relação ao lado psicológico, estar mais concentrada. Mas também minha técnica foi o que me motivou para eu superar tudo isso que eu passei.

Como você tem trabalhado a questão psicológica? Como mostrar para as pessoas que uma segunda colocação não é um resultado tão ruim?
FM:
Tento falar que qualquer medalha em uma Olimpíada é super importante. Passei por tantas coisas nesses anos, coisas ruins e boas. Então, estou bem tranquila para chegar na Olimpíada, competir e fazer o meu, não importa o que as pessoas falam. Eu sei o que eu conquistei, o que eu vou conquistar, o que eu posso fazer. Então, eu estou pensando muito no meu, no que eu posso fazer e tentando me distanciar das coisas ruins, dos comentários ruins que possam fazer. Sei que é normal, as pessoas torcem, querem que você ganhe. É legal ver a torcida dando suporte aos atletas, mas lógico que não vai ser tudo mil maravilhas, que todo mundo vai ganhar medalhas. É difícil conseguir uma medalha na Olimpíada. No atletismo, são três atletas por prova e a concorrência é ainda maior. Tento passar isso para as pessoas entenderem. E o esporte individual é diferente do coletivo, que o povo brasileiro está acostumado. Se ganhou o jogo foi primeiro, se perdeu é o segundo... Então, o segundo é ruim, porque perdeu. É uma conquista que temos em cada salto, cada corrida. A segunda colocação foi conquistada, não é que eu perdi para conquistar isso.

Em 2008 e 2012, como foi o retorno que você teve do povo em geral. É comum falarem no país que quando um atleta fracassa, ele amarelou. Isso aconteceu com você?
FM:
Em 2008 e 2012, foram bem diferentes. Em 2008, me deram muita força, falaram que choraram junto, que foi culpa dos chineses. Foi um erro que tiveram na organização mesmo. As pessoas me receberam com muito carinho. Já em 2012 foi completamente diferente. Lógico que a exposição foi muito maior, em 2008 estava crescendo, começando a conquistar meus resultados. Em 2012, eu já tinha meus resultados, já era campeã do mundo, então a expectativa das pessoas era maior. Talvez, por isso, foi diferente a visão das pessoas que acharam que eu não consegui classificar para a final. Esperavam uma medalha e eu não consegui. Em 2008, não esperavam tanto. Foi diferente a reação.

Você foi eleita para a comissão de atletas da Iaaf. Como foi assumir o cargo nesse momento do atletismo mundial?
FM:
É complicado, mas ao mesmo tempo é bom. É bom para colocar a visão do atleta, nossa opinião. A gente escuta coisas, vê coisas. Pelo o que eu vi, têm atletas que são tratados diferente um do outro. É legal, vejo a possibilidade de eu mostrar minha visão e minha opinião para fazer um atletismo melhor, mais limpo. Então, infelizmente o atletismo está passando por uma coisa ruim. Mas é bom eu estar dentro para poder discutir e fazer uma modalidade mais limpa.

Qual sua opinião sobre o ocorrido com os diversos casos de doping na Rússia?
FM:
É triste o que aconteceu, tinha um sistema em relação ao doping que era permitido para alguns atletas. É injusto para quem treina, tenta fazer tudo certinho. Faço parte do programa que eu tenho de falar sempre onde estou, que horas vou treinar, onde eu durmo, em que hora do dia onde podem me encontrar para fazer o teste. Então, eu passo por tudo isso, essa vigilância toda e, agora, fico sabendo que não é todo mundo que passa por isso, que essa vigilância não é tão rígida assim. Estão investigando, estão vendo. Os atletas que fizeram coisa errada têm de ser punidos, fizeram uma coisa fora da regra. Tem de ser investigado e ter punição. Estou preocupada com o meu treinamento, tenho de fazer tudo certinho como eu sempre fiz. E cada vez mais preocupada com o que eu tomo. O atleta é responsável pelo o que ele coloca dentro do corpo dele. Não importa se o técnico falou para tomar isso. A culpa é do atleta. Tem de estar muito atento.

O que vai fazer quando encerrar a carreira?
FM:
Ainda não sei o que eu vou fazer, mas quero estar envolvida com esporte, passar minha experiência aos mais novos. Neste mês, fez 19 anos que estou no atletismo. São 19 anos dentro do salto com vara, fiz ginástica artística desde os sete anos. Então, quero estar dentro do esporte. Tenho bastante experiência e isso não pode se perder. Tenho de passar para os atletas que estão vindo, quero passar para eles de alguma maneira. Mas não quero ser treinadora. Depois que eu parar que vou pensar o que vou fazer.

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