Itália vira símbolo contra xenofobia com seleção multicultural no vôlei

Tradicionalmente ‘branca’, Azzurra disputa Olimpíada com duas negras filhas de imigrantes, apontadas como promessas, e levanta bandeira contra restrições atuais na União Europeia

Itália disputa os Jogos Olímpicos com jovens atletas (Foto: Divulgação/FIVB)
Itália disputa os Jogos Olímpicos com jovens atletas (Foto: Divulgação/FIVB)

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Enquanto o mundo debate os rumos da União Europeia após a saída do Reino Unido do bloco e impõe restrições a imigrantes em diversos cantos do continente, traços de uma Itália multicultural afloram na seleção feminina de vôlei do país, que disputa a Rio-2016.

Duas personagens levantam a bandeira do combate ao preconceito não apenas contra os negros, um drama que elas já sentiram na pele, mas contra a entrada de estrangeiros em um contexto de restrições.

Os pais de Paola Egonu e Miryam Sylla deixaram condições restritas de vida nos países de origem e encontraram oportunidades a quilômetros de distância. De quebra, deram às filhas a chance de disputarem a sonhada Olimpíada.

Sensação da Azzurra, Egonu, de 17 anos, é fruto de um casal de nigerianos. O pai é caminhoneiro. A mãe, enfermeira. Ambos se conheceram na comuna de Cittadella, onde nasceu a oposto, apontada como um fenômeno. Em 2015, ela foi eleita a melhor jogadora do Mundial Sub-18.

Com 1,89m, Paola impressiona. Alcança nada menos que 3,36m em relação ao piso, quando salta para executar um ataque. Como comparação, a ponteira Natália é a que mais sobe no Brasil, ao atingir 3m.

– Já sofri insultos em um jogo em Treviso (ITA). Tentei ignorar. Não gosto de estar nos holofotes por ser negra em um time de maioria branca, mas sei que é inevitável – disse Egonu.

Sua iniciação no vôlei aconteceu de forma curiosa. A atacante se encantou pela modalidade aos 12 anos, pois assistia a um desenho de origem japonesa na televisão, no qual a protagonista praticava a modalidade.

Na escola, imitava os gestos da personagem. O talento chamou a atenção dos clubes por onde passou. Aos 14, já estava na equipe nacional.

– Ainda preciso melhorar em experiência e no comportamento como jogadora. Tenho de diminuir a quantidade de erros de ataque – afirmou Egonu, que, apesar da autocrítica, abre o sorriso pelos recentes feitos.

– Tenho orgulho da minha origem africana e estou feliz com meu desempenho, pois tenho conseguido ter cada vez mais controle em quadra – avaliou a atleta, fã de hip-hop.


Aos 21 anos, Sylla deu muita dor de cabeça ao Brasil no último Grand Prix. A jogadora, de 1,84m, nasceu em Palermo, fruto da relação entre dois marfinenses. Ela alcança 3,20m no ataque.

Seu pai, Abdoulaye, mudou-se de Abdijan rumo à Itália para trabalhar como faxineiro. Foi lá que conheceu Salimata, mãe da ponteira, com quem ainda teve outros dois filhos.

Com as ausências de algumas titulares no ano passado, poupadas das competições pelo técnico Marco Bonitta, Sylla cavou o lugar no time.

– Tudo é novo. É um sonho disputar os Jogos e ficar perto de atletas que farão parte da história – falou a atleta.

A seleção da Itália tem outras duas filhas de imigrantes, que não estão na Rio-2016: Valentina Diouf e Ofelia Malinov. Elas foram cortadas pelo treinador semanas dias antes da Olimpíada.

Diouf, de 23 anos, tem pais senegaleses. Ela nasceu em Milão. Malinov, de 20, é de Bergamo, filha de búlgaros. 

– A característica multicultural da Itália é muito importante. Mostra que competência não tem a ver com cor. Não há lugar para segregação no esporte – afirmou a central Fabiana, da Seleção Brasileira, que já foi alvo de racismo em uma partida da Superliga.

– Quanto mais pudermos lutar por nossas origens, será orgulho. A luta racial, que travo no Brasil, existirá sempre. É preciso falar sobre isto – completou.

Apenas três remanescentes de Londres

A jovem e "colorida" seleção italiana da Olimpíada do Rio sofreu uma forte reformulação desde os Jogos de Londres (ING), em 2012. Na ocasião, o time foi eliminado nas quartas de final pela Coreia do Sul. Sem nenhuma negra.

Na convocação deste ano, apenas três jogadoras seguiram no elenco do técnico Marco Bonita: as ponteiras Serena Ortolani e Antonella Del Core, e a líbero Monica. A oposto Nadia Centoni e a central Martina Guiggi estiveram na edição de Pequim (CHN), em 2008, e retornaram.

Em Pequim-2008, a equipe teve uma atleta negra, mas não de origem italiana: Taismary Agüero, campeã dos Jogos de Atlanta-1996 e Sydney-2000, por Cuba. Ela deixou a seleção após a Olimpíada.

A Itália nunca foi medalhista olímpica no vôlei feminino. Os homens já faturaram duas pratas (1996 e 2004) e três bronzes (1984, 2000 e 2012). Com a geração promissora atual, o sonho pode ficar para Tóquio-2020.

Time fica fora dos playoffs

A Itália já selou sua eliminação na Rio-2016. Na última quarta-feira, a Holanda derrotou a Azzurra por 3 a 0 (25-21, 25-20 e 25-20), no Maracanãzinho, pelo Grupo B, e encaminhou uma das vagas nas quartas de final.

As italianas somaram a terceira derrota em três jogos e não podem mais se garantir entre os quatro melhores da chave.

Mesmo que vença Estados Unidos e Porto Rico por 3 a 0 nas próximas rodadas, e que Holanda e Sérvia percam por este placar, a equipe obterá os mesmos seis pontos dos rivais, mas perderá no set average (divisão dos sets vencidos pelos perdidos).

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