Prass, ao L!: ‘Nossa sociedade ainda não sabe viver sem pré-julgamento’

Prestes a completar 38 anos de idade, goleiro expõe ao LANCE! suas opiniões sobre política, segurança, família... Para o ídolo, há preconceito com jogadores

Palmeiras x Santos
(Foto: Ari Ferreira/Lancepress!)

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Fernando Prass não é do tipo de jogador que foge de perguntas. Aos 37 anos (fará 38 neste sábado), o ídolo do Palmeiras responde sobre política ou segurança pública com a mesma serenidade com que fala sobre a rotina no clube. É uma forma de o goleiro ajudar a desconstruir a imagem, para ele preconceituosa, de que um atleta não consegue opinar sobre temas que não sejam banais.

Esta postura firme foi um dos motivos que lhe renderam a convocação para a Olimpíada do Rio de Janeiro. Provável titular da Seleção em um time recheado de garotos, o goleiro ganhou elogios do técnico Rogério Micale por sua liderança e “comando forte” de vestiário, além da ótima fase, é claro.

Na Academia de Futebol, o camisa 1, que se apresenta à Seleção daqui a dois jogos, conversou com o LANCE! sobre tudo, menos o dia a dia no Verdão. Nesta entrevista, Prass fala desde a violência nos estádios, aos problemas do Bom Senso FC e a situação política do Brasil. Confira as opiniões do ídolo:

Jogador é alienado? Você é um cara que vai além do senso comum... No dia a dia vocês falam de temas além do futebol?
A gente conversa. Claro que não é todo mundo que se interessa, mas aos poucos o perfil do jogador está mudando. Estão vendo que o mundo não se fecha no futebol, que é importante saber o que acontece ao redor. Por incrível que pareça, falam muito que o jogador é alienado, que responde sempre a mesma coisa, mas tem pessoas com uma mente muito atrasada. Eu, normalmente, tento dar minha opinião. Como a gente não é especialista em outras áreas, pode dar uma opinião e até falar alguma besteira, mas eu não me omito. Ainda tem na sociedade pessoas que são contra isso.

Por que diz isso?
Eu ouvi muito que jogador tem que se preocupar em jogar futebol, que não deve se preocupar com segurança pública, política e educação, que eu tenho que me preocupar em defender os chutes e cuidar do meu time. Muitas vezes acusam jogador de futebol de ter baixo intelecto, mas ignorantes são essas pessoas, que acham que jogador de futebol, porque de repente tem um pouco menos de cultura, não pode emitir opinião. Esse é um tipo de preconceito que se tem, como se tem por cor, por classe social... Vivemos em uma sociedade que, apesar de muito misturada, ainda não aprendeu a conviver sem fazer distinção, pré-julgamento.


Ouviu isso após opinar sobre a confusão entre palmeirenses e flamenguistas em Brasília?
Hoje em dia tem as mídias sociais. Quando tu interage lá, está sujeito a elogios e críticas. Claro que a maioria das pessoas entendeu o que eu quis dizer. Se concorda ou não, aí é outra situação, mas respeitam a opinião. Só que sempre tem um ou outro mais ignorante que acha que o jogador de futebol tem que falar só de futebol. Então economista tem que falar só de economia, o motorista de táxi tem que falar só de táxi, o agricultor só de agricultura. Para mim, essa é a maior besteira. (Nota da redação: Questionado em Brasília sobre a violência no futebol após a briga entre flamenguistas e palmeirenses, o goleiro disse que este problema era um problema do país, citando o estupro coletivo de uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro, e a morte de um garoto de 10 anos morto após ação da Polícia Militar)

'O perfil do jogador está mudando. Estão vendo que o mundo não se fecha no futebol, que é importante saber o que acontece ao redor'

O Mané Garrincha, estádio usado na Copa do Mundo, chegou a ser interditado por isso. Achou uma medida acertada?
Esse é o tipo da resposta que, de repente, por eu não ser especialista da área, muita gente vai me criticar. Se fechar o Mané Garrincha, o estádio mais caro da Copa, tem que fechar todos os estádios do Brasil. Se o Mané Garrincha não tem condições de segurança, a Vila Belmiro vai ter? O Moisés Lucarelli vai ter? O Barradão vai ter? Não tem nexo tu ter o estádio no padrão dos melhores estádios europeus e fechar o estádio. Eu vejo que é muito nítido que o problema não é a estrutura física do estádio.

O que acha dos gritos de ‘bicha’ para goleiros que jogam fora de casa?
Acho besteira. Primeiro que não afeta em nada quando me chamam de bicha, de não sei o quê. Acho perda de tempo, não tem resultado. Essa é uma bobagem que se copiou de fora.

Alguma coisa tira você do sério?
A única coisa que já aconteceu em alguns jogos comigo, que não me tira do sério, mas deixa um pouco chateado, é o jogador que faz gol e em vez de comemorar com a torcida dele corre para a torcida adversária, faz gesto de silêncio... Pô, tu tem não sei quantos mil torcedores do teu time para comemorar. Tu faz gol para o teu time, não contra o adversário.

Qual sua opinião sobre as torcidas uniformizadas?
Eu não sou contra torcida organizada, ninguém é contra. Mas, assim como no meio de uma manifestação que tivemos aí houve gente querendo fazer baderna, no meio das organizadas também tem pessoas que querem a confusão. Isso acaba prejudicando a organizada, que tem seu nome denegrido, e o clube também, que acaba perdendo mando de campo ou tendo de jogar com portões fechados. O verdadeiro torcedor da organizada deve fiscalizar para que o clube não seja prejudicado.

'Eu não sou contra torcida organizada, ninguém é. Mas assim como no meio de uma manifestação tem gente querendo fazer baderna, no meio das organizadas também tem pessoas que querem a confusão. E isso prejudica'

Como um dos líderes, por que o Bom Senso perdeu força?
Acho que por dois motivos principais. A gente batia muito no fair play financeiro, para dar um norte aos clubes. Tu ficava muito na mão do dirigente. Podia ter um que tivesse responsabilidade financeira e outro que não tivesse, não tinham regras que norteassem isso. Foi uma das batalhas que a gente brigou muito, mas se conseguiu fazer. O ProFut conseguiu criar alguns padrões para a governança dos times, mas em contrapartida a gente entrou nesse meio e viu que a coisa é complicada. O maior interesse era de que o jogador não tivesse voz, que não falasse. Assim como a Lava Jato está dando um pontapé inicial para remexer todas essas coisas nebulosas que tem na política, no governo, no futebol também tem. Acho que ainda não se conseguiu mexer a fundo nisso.

Bom Senso poderia ser como uma Lava Jato no futebol?
Acho que já começaram algumas coisas no futebol, mas mais de fora, né? Aqui no Brasil foi tentado, teve CPI da Nike, CPI não sei do quê, mas não deu em muita coisa. As investigações feitas fora do Brasil espirraram aqui e deram em alguma coisa. Óbvio que o ideal seria que fizessem uma limpeza no futebol, mas o futebol é só um pedacinho da sociedade. Tem coisas muito mais importantes para cuidar, outras prioridades muito maiores e que influenciariam muito mais diretamente na vida das pessoas, que precisam de um olhar mais urgente.

Por exemplo?
Isso que está acontecendo, esses desvios de verbas, a corrupção que está entranhada na política e acaba refletindo na população. A gente não tem dinheiro para a saúde, para a educação, para a merenda, para a segurança pública, para obras de infraestrutura, saneamento básico... Num país em que os recursos já são escassos, tu ter esse nível de desvio de dinheiro é quase uma tentativa de homicídio. É o que está acontecendo. Muitas pessoas morrem e são mortas por causa dessa falência do estado, da segurança e da educação.

'Num país em que os recursos já são escassos, tu ter esse nível de desvio de dinheiro é quase uma tentativa de homicídio. Muitas pessoas morrem e são mortas por causa dessa falência do estado, da segurança e da educação'

Foi a favor do impeachment?
Eu sou. Mas acho que está sendo provado que quem está entrando também não tem condições de governar, pela nomeação de ministros... Muita gente estava pensando que era o PT o problema. Não é o PT, não é o PMDB, não é o PSDB. A política do Brasil, na sua maioria, está corrompida. Acho que isso é um passo para melhorar. É como se fosse um aviso: “olha, foi assim até agora, mas daqui para a frente não vai ser”. Tem que ter um pontapé inicial. Concordo que o julgamento do impeachment foi muito mais político do que técnico ou jurídico, mas já passou da hora de acontecer alguma coisa para tentar mudar um pouco da situação do país.

A intolerância nisto atrapalha?
Nesse processo todo dá para se comparar com discussão de futebol. As pessoas não conseguem analisar os fatos com clareza, vão muito na emoção. Como tu falou, se rotula muito. Acho isso errado. De um lado está um partido dizendo que é oposição atacando a situação, agora que virou situação se inverte. É um ataque constante. Tu tem a tua opinião, mas não é obrigado a convencer os outros. Aí vai o teu poder de argumentação e também a tua visão, os teus ideais, os conceitos que tu tem do que é certo e errado em política, de como as coisas devem acontecer. Em um país de 200 e poucos milhões de pessoas tu nunca vai conseguir ter unanimidade. O importante é que se respeite as ideologias. Acho que o político, independentemente de ideologias, de esquerda, de direita, de centro, ele tem de ser correto no modo de agir.

Você se considera uma pessoa de direita ou de esquerda?
Ah, eu não me considero nada. Eu não me rotulo em termos de política. De repente não me envolvo tanto, não deixo o lado emocional falar tão alto.

'O discurso tem um certo poder de convencimento, atitude tem muito mais. Com meus filhos eu procuro ser fiel ao meu discurso. Mais do que falar e explicar, tu tem que ser o exemplo'

Você tenta passar estes exemplos para os seus filhos?
O que eu mais me preocupo é isso. Vou dar um exemplo bobo, mas que serve para explicar. Eu sou um cara que não como muito salada. E meus filhos, desde pequenos, comem todos os legumes e verduras, porque desde pequenos eles foram incentivados a se alimentar assim. Quando eu almoço em casa, eu sou obrigado a comer alface, tomate, todo tipo de verdura e legume. É o que eu falo do exemplo: o discurso tem um certo poder de convencimento, atitude tem muito mais. Eu tenho que dar o exemplo para os meus filhos. Eu procuro ser fiel ao meu discurso. Mais do que falar e explicar, tu tem que ser o exemplo.

Vocês ficam concentrados por muito tempo, longe da família. O que faz para aproximar seus filhos da sua rotina?
Uma coisa que me preocupa é a distância. Muitos estão terceirizando a educação dos filhos. A escola é um meio de dar conhecimento, de sociabilizar seus filhos, mas educar, mostrar conceitos de valores, é em casa. Muitas pessoas deixam a cargo da escola. Depois o professor vai tentar corrigir um aluno, fazer alguma crítica, o pai vai lá e critica o professor. Eu tento, para compensar, passar todo meu tempo livre com eles. Somos eu e minha esposa de vez em quando, mas 90% do tempo é com eles, para estar próximo, fazer coisas que eles gostam, jogar bola com os amigos do meu filho, levar as amigas da minha filha para o cinema, tomar um lanche. Gosto de participar.

Você é admirado pelos amigos dos filhos?
O pessoal gosta, né? E é legal, porque mais do que ser conhecido ou famoso, o jogador é referência para as crianças. Tu está ali, pisando de um jeito, falando de um jeito, correndo de um jeito, eles estão olhando e vão te copiar. É uma coisa que com o tempo eu percebi. Dentro de campo, tu tem que fazer tudo para vencer, mas tem que cuidar muito das suas atitudes, os exemplos. Tu é um formador de opinião, e as crianças que te veem como ídolo vão querer te imitar. Se tu tiver uma atitude ruim, tu vai desvirtuar eles para uma atitude ruim. Se der bons exemplos, provavelmente eles vão seguir também.

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