Velocista brasileiro supera dificuldades nos Estados Unidos e estreia no Mundial indoor

Sem os problemas do passado, João Vitor de Oliveira disputa os 60m com barreiras em Portland de olho em novas marcas dentro da pista e na vida

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João Vitor fez seu melhor resultado da carreira no Mundial de pista aberta no ano passado, nos 110m com barreiras (Foto: Reprodução/Facebook)

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As dez barreiras dos 110m ou os cinco da prova dos 60m não são os únicos obstáculos que já apareceram na vida de João Vitor de Oliveira, velocista do Brasil. Tais objetos, aliás, podem ser considerados os mais tranquilos a serem ultrapassados por ele. Afinal, quem avistá-lo na pista neste sábado, em Portland (EUA), para a disputa das eliminatórias dos 60m com barreiras no Mundial indoor, a partir das 21h05 (de Brasília), nem consegue imaginar tudo o que ele passou.

Aos 23 anos e nascido em Marília (SP), João, ou melhor, “João das Barreiras” é uma das principais revelações do atletismo brasileiro dos últimos anos. Ao lado de Fabiana Murer, foi o único do país a atingir sua melhor marca pessoal em sua prova no Mundial de pista aberta, ano passado, em Pequim, na China – fez 13s45. E tudo foi feito após muito treino e um certo sofrimento.

Desde 2014, o velocista treina em San Diego, nos Estados Unidos, sob o comando de Zequinha Barbosa. A ideia de deixar Marília (SP) e procurar o auxílio de um ex-competidor vencedor e experiente veio após uma competição disputada na Europa. E quem pensa que o resultado foi bom na ocasião, está bem enganado.

– Como a maioria dos atletas do Brasil, vivia para fazer social. Ia para faculdade, encontrava amigos, ia na casa do vizinho, em festa de aniversário, dormia às 1h30, acordava às 8h. Pelo lado profissional, era o cara que treinava das 8h às 12h. Ganhava um salário que era digno dos meus resultados, nem mais e nem menos. Vivia para pagar as contas – afirmou o atleta ao site do LANCE!.

– O dia que mudei foi em fevereiro de 2014, quando viajei para a Itália e fui competir lá. Perdi para todas as pessoas que você possa imaginar, estava mal. Cheguei em último na competição. Então, peguei o celular, abri o bloco de notas e escrevi que voltaria lá, mas em outras condições. O que mexe com as pessoas, é quando você perde a honra ou dinheiro. E aquilo tinha mexido com minha honra. Em março, tirei meu visto, liguei para o Zequinha e perguntei se tinha vontade de me treinar – completou o competidor.

Mas apesar da mudança de pensamento, a realidade em San Diego foi outra. Para conseguir viajar para os Estados Unidos, ele vendeu um carro, móveis e o apartamento onde morava. Em algumas ocasiões até fez vaquinha com os amigos. Juntou cerca de nove mil dólares na época. Já no novo país, as dificuldades foram outras. Com dinheiro apenas para comer e treinar, precisou juntar latinhas para reciclagem em alguns momentos para sobreviver.

– Não estamos nos fazendo de vítima. Mas ele teve uma dificuldade financeira. Por isso, chegou uma hora na qual tomei a frente. Tive de fazer minha parte, ajudei na questão financeira. Fui massagista, cozinheiro, motorista dele... – comentou o treinador Zequinha Barbosa.

Hoje, a realidade é outra. Tanto dentro e fora da pista, João Vitor tem muito o que comemorar. Com a situação financeira resolvida, a única preocupação é com os resultados na pista. Primeiro, no Mundial indoor. Depois, na Rio-2016.

CONFIRA UM BATE-BOLA COM JOÃO VITOR DE OLIVEIRA:

Como estão os seus treinamentos nos Estados Unidos?
João Vitor:
Cheguei em San Diego em 2014. A primeira pré-temporada foi bem geral. Mas tive de reaprender a correr, passar pelas barreiras, a ter disciplina de treino. Depois de 2015, já estabelecemos esse padrão de atleta de alto rendimento, fazendo algo mais específico. Agora, é um treino mais qualitativo. Já estou melhor fisicamente, mentalmente e tecnicamente. O momento é de fazer um trabalho mais de qualidade. Essa é a primeira temporada indoor da minha carreira. Mas o Mundial não é meu foco. O objetivo, obviamente, é a Olimpíada. Mesmo assim, quero ir bem no Mundial e nos Jogos.

Por que decidiu treinar com o Zequinha Barbosa?
JV: Temos um amigo em comum. Apesar de não ser treinador específico de barreira, já era por quatro anos treinador de colegial. E nas condições que eu estava, não precisava de um especialista. Precisava de um cara com vontade. E o que uma pessoa precisa para formar um atleta olímpico? É um atleta. Falei que se ele confiasse em mim, eu faria tudo o que ele pedisse. Começamos a fazer um trabalho do zero. Abri mão de ter uma equipe, vim para os Estados Unidos com o dinheiro do bolso, mas vim confiante.

Quais foram as dificuldades no início nos Estados Unidos?
JV: São dois Joãos. Um que sou eu, que faço e resolve a situação. E outro que as pessoas observam e falam sobre. Esse primeiro passou muito perrengue. Tinha vez de eu comer só arroz, de precisar fazer três refeições só de arroz. Ao mesmo tempo, esse cara chegava na pista e dava o sangue, dava a vida no treino. Não quero que fiquem com dó, não me sinto assim. Se amanhã ou depois eu decidir ir para Marília, tenho tudo. Meus pais têm uma boa condição financeira. Mas não posso pedir dinheiro. Se fizer isso, não vou ter história para contar. Aceitei esse desafio. O que eu passei, não desejo para ninguém. Só para quem quer ser campeão, ser vencedor.

Vale a pena tanto sacrifício?
JV: Com certeza, está valendo e faria tudo de novo quantas vezes forem necessárias. A satisfação que eu trouxe para a minha família e amigos, nenhum dinheiro que eu gastei eu pagaria. Tenho de passar por isso para servir de exemplo, para que essas pessoas se inspirem e não baixem a cabeça em uma situação que as deixaria abaladas. Se precisasse, faria de novo tudo o que fiz, porque vale a pena. Vejo que atingi muita gente. Meu irmão me mandou uma mensagem dizendo que meus familiares iam fazer tudo para eu chegar bem na Olimpíada, e que eu trouxe união e luz para toda a minha a família.

Como começou no atletismo?
JV: Em 2004, o Jadel (Gregório, do salto triplo) abriu uma escolinha em Marília. Nessa época, eu dava muito trabalho na escola e a professora de Educação Física me obrigou a fazer esse teste de atletismo. Tinha déficit de atenção, tomava remédio tarja preta. Entrei no clube de atletismo em abril de 2004, sempre quis ser atleta. Me inspirei no Claudinei (Quirino). A barreira surgiu porque não dava certo em nenhuma prova. Em 2005, 2006, ainda corria e queria fazer salto. Na barreira, a meninada tinha medo, porque achavam alta.

Zequinha Barbosa e João Vitor (Foto: Reprodução/Facebook)
Zequinha Barbosa e João Vitor  antes do Mundial em Portland (Foto: Reprodução/Facebook)

VEJA UMA ANÁLISE DE ZEQUINHA BARBOSA, TÉCNICO DE JOÃO VITOR:

"Após um primeiro contado em 2009, comecei a conversar com o João em 2014, e ele explicou o que queria fazer. Na ocasião, ele falou que estava disposto a fazer tudo, porque, do contrário, deixaria de competir. Saí atrás de treinadores para ele, já que eu não era especialista. Então, ele veio para mim e disse que queria que eu o treinasse. Aceitei o desafio. Mas a primeira coisa que pedi é para não comentar com ninguém. Como não sou um especialista na prova de barreiras, isso poderia ocasionar algumas críticas em cima dele.

Começamos o trabalho e fui buscar conhecimento. Juntamos a fome com a vontade de comer. Saímos da experiência para uma realidade.

Peguei o conhecimento que eu tinha (de estudar Educação Física e trabalhar nos Estados Unidos), completei com a vivência de atleta que eu tinha e usei no João. Com uma vantagem: ele veio para o país com determinação, disciplina, coragem, perseverança e vontade de fazer acontecer.

A evolução foi rápida? Sim. Fizemos uma série de acertos, principalmente na disciplina e forma de pensar. A primeira coisa que ensinei para ele é que não pode ter medo de ganhar.

No início, ele teve dificuldade na questão de disciplina. É diferente. Ele não estava habituado com os treinos duas vezes por dia. Tive uma conversa sincera com ele. Falei que o dia que bebesse teria de ser homem e me falar. E se fizesse isso, ia voltar para o Brasil na mesma hora. Ele também teve dificuldade de adaptação de treinamento, de idioma, de cultura... E, por último, existiu a questão a financeira. Hoje, a situação é outra."

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