‘Não é do meu feitio ser uma peça decorativa’, afirma Andrew Parsons

Eleito presidente do Comitê Paralímpico Internacional, carioca fala dos objetivos no cargo e reconhece a pressão de ser um dirigente brasileiro 'limpo' em meio à prisão de Nuzman&nbsp;<br>

Andrew Parsons canta o Hino Nacional com Daniel Dias no Estádio Olímpico de Esportes Aquáticos.
Andrew Parsons é o terceiro presidente da história do IPC (Foto: Cleber Mendes/MPIX/CPB)

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Inserido no movimento paralímpico há 20 anos, Andrew Parsons deu mais um passo em sua carreira presidencial em setembro. Após atuar por grande parte de sua vida adulta no Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o carioca é o novo presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC).

Ao LANCE!, Parsons recordo o momento da eleição, revelolu suas principais meta e afirmou que levará a experiência adquirida em solo nacional para comandar a principal entidade paralímpica do mundo. 

O cartola também opinou sobre o atual cenário brasileiro. E acredita que o esporte paralímpico está melhor preparado para o período de vacas magras no que diz respeito a investimento. Parsons ainda comentou sobre a prisão de Carlos Arthur Nuzman, pediu cautela até o julgamento final do ex-presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e disse reconhecer a pressão para ser um dirigente brasileiro que orgulhe o país em meio aos últimos escândalos.

LANCE!: Qual a emoção em ser eleito presidente do IPC?
Andrew Parsons: Foi uma emoção muito grande. Estou envolvido no esporte paralímpico nos últimos 20 anos. Comecei com 20 anos, então praticamente a minha vida adulta foi dentro do movimento paralímpico. Ter feito uma trajetória que vai de estagiário do CPB a presidente do IPC é uma vitória muito grande. Tenho dito para muita gente que me parabeniza, que esta é uma vitória do Brasil. Acho que é o reconhecimento de um trabalho feito no Brasil. É uma realização pessoal e profissional muito grande.

L! Como é se despedir do CPB depois de tantos anos?
AP: Eu me preparei para isso. Acho que uma das coisas bacanas que eu deixei no CPB foi a mudança no estatuto para torná-lo mais moderno. Uma das coisas foi estabelecer um limite de mandatos. Alí eu já sabia que o máximo que eu ficaria era até 2017. Claro que, quando chega a hora, você sente. Mas eu vinha me preparando e o fato de sair do CPB sabendo que iria me candidatar a presidência do IPC não me deu muito tempo para luto. No dia seguinte à minha saída, eu já estava trabalhando na minha candidatura.

L! Você venceu por uma ampla margem de fotos. A que você atribui esta confiança?
AP: É um conjunto de fatores. O primeiro é o trabalho realizado no Brasil. Muitos países em desenvolvimento olham o Brasil como uma inspiração. Eu já sou muito conhecido no movimento paralímpico internacional. Eu tenho cargos diferentes dentro do IPC desde 2006. As pessoas conhecem o meu trabalho há muito tempo. O fato de ter este contato com tanta gente de movimento paralímpico, de ter sido presidente, secretário-geral, mesmo estagiário, de ter vivido dentro de um Comitê Paralímpico nacional muito ativo, acho que me faz entender os anseios do movimento paralímpico internacional. Quando eu publiquei o meu manifesto, eu acho que caiu como uma luva na expectativa que muitos tinham neste momento de mudança. Foram 16 anos com o Philip (Caven) e, para muita gente, ele era um herói. Inclusive para mim. Acho que tinha muito esta questão de quem poderia sucedê-lo. Acho que foi uma junção de todos estes fatores. Além disso, o fato de eu ter, nos cargos que eu ocupei no IPC, eu ter entregue coisas. Não é do meu feitio ser uma peça decorativa. Uma junção de coisas fizeram com que eu tivesse esta vitória no primeiro turno.

L! O quanto o Philip Craven te inspira e o que você pretende fazer de diferente em relação ao governo dele?
AP: Ele é uma inspiração para qualquer um dentro do movimento paralímpico. Um cara que foi atleta, foi motivado pela questão da classificação funcional a se tornar um dirigente. Ele liderou o IPC de uma organização focada em deficiência para ser uma das organizações esportivas mais bem sucedidas do mundo. É uma mudança, principalmente de mentalidade, muito grande, e vindo dele, que tem uma deficiência e foi atleta paralímpico. A liderança dele, o foco dele no atleta. A preocupação fundamental dele é o atleta. Então são coisas com as quais eu me identifico, apesar de não ter sido um atleta, de não ter deficiência. A gente tem esta convergência de olhares. Óbvio que eu sei o tamanho da minha responsabilidade em suceder alguém do tamanho dele, mas ele foi a primeira pessoa que sugeriu que um dia eu pudesse ser presidente do IPC lá em 2009. Eu estava tentando convencê-lo a votar no Rio de Janeiro na eleição para cidade-sede dos Jogos, e ele me falou se eu já tinha pensado em ser presidente do IPC. Eu falei: "Já pensei sim, mas eu acho que , depois de você, vai ser muito difícil alguém que não seja um atleta paralímpico, seja eleito". Ele deu um murro na mesa e falou que isso era uma bobagem. Nós precisamos da pessoa certa, seja atleta ou não. Ele é a minha inspiração em muitas maneiras, desde a liderança dele até ele ser o primeiro cara de peso que falou que eu poderia colocar como meta ser presidente.

L!: Quais as suas principais metas?
AP: O meu slogan de campanha foi "Uma organização para todos". Eu ainda penso que o IPC evoluiu muito, mas a gente precisa agora ajudar os comitês paralímpicos nacionais a ir para o próximo nível de desenvolvimento deles. A gente tem entre 20 e 25 países que estão muito bem, o Brasil entre eles. Mas a maioria dos países ainda precisam se desenvolver, cada um no seu próximo nível. A gente vai construir um sistema de desenvolvimento dos comitês paralímpicos para que eles possam evoluir. O IPC só vai ser uma entidade forte quando os seus membros forem bem-estruturados. É isso que a gente quer fazer, só que não vamos esperar os países virem. Isso é uma coisa que eu mudei no CPB e quero mudar no mundo. A postura do IPC sempre foi de esperar os países irem até ele, assim como aconteceu com o Brasil. Agora, nós é que teremos que ir até os países, propor medidas, visitar, conversar com os governos locais para entender quais as dificuldades. A gente fala que o IPC é uma organização centrada no atleta e a forma de melhor prestar serviço para ele é montar nos países uma organização forte, indo desde a base até a alta performance e, porquê não, o pós-carreira.

L! Você sempre foi muito próximo dos paratletas enquanto esteve no CPB. Guardadas as devidas proporções, você pretende manter a mesma filosofia no IPC?
AP: Acho que o que me fez ser um presidente bem sucedido no Brasil foi o fato de estar perto de todo mundo, não só dos atletas, mas também treinadores, presidente de associação de clube, entre outros. Organizações como o CPB e o IPC a gente fala que é uma "organização guarda-chuva", ou seja, tem entidades abaixo deles. Ele existe para servir. Se a gente não entender o que estes caras precisam, a organização se torna inútil. O IPC não é um cofre em que dinheiro jorra. Nosso orçamento para os próximos anos vai girar em todo de 15 a 20 milhões de euros por ano. O orçamento que eu tinha no CPB era maior. Mostrar as limitações que a gente tem ajuda a buscar soluções possíveis que atendam as necessidades deles e que a gente tenha condições de fazer. Eu não posso dizer para o comitê do Mali ou do Gabão que eu vou depositar um milhão de euros por ano. Isso não vai acontecer. Você só consegue encontrar alternativas estando próximo e com diálogo. Agora todo mundo do universo paraolímpico sabe o meu celular, meu e-mail. Desde que eu fui eleito tem sido um exercício diário de interação.

L!: Ampliar o esporte paralímpico dentro da mídia também está entre as suas metas? Algum dia ele pode se equiparar ao olímpico?
AP: Sem dúvida nenhuma é um dos objetivos. Eu acho que o IPC já vem numa tendência muito boa, a Rio-2016 foi a Paralimpíada mais vista do mundo, foram mais de quatro bilhões de pessoas em audiência acumulada, mas claro que a gente quer mais. A gente olha para o olímpico, vê números maiores e queremos chegar lá. Claro que vamos investir em um maior relacionamento com mais redes de televisão ao redor do mundo. Não sei se um dia a gente vai se equiparar ao Jogos Olímpicos. Isso é uma coisa que as pessoas pensam muito, que a gente quer ser igual aos Jogos Olímpicos, mas não é verdade. A gente não quer ser “mini-olímpicos”, mas sim a melhor versão do Jogos Paralímpicos que a gente puder ser.

L!: Quando você foi eleito, colocou como uma meta estreitar relações com o COI. Como isso será feito?
AP: A gente sempre teve uma relação com o COI, que foi melhorando com o passar do tempo. O que a gente entende, e eu acho que os Jogos de Londres e do Rio mostraram, é que juntos somos muito mais fortes. Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos combinados, geram um festival esportivo com possibilidade de mudança muito forte. Essa é a mentalidade que a gente quer levar para o COI, que já vem sendo entendida por eles há algum tempo, de trabalhar mais em conjunto. Não só a nível COI e IPC, mas os movimentos olímpico e paralímpico. Agora, mantendo a identidade. Não queremos ser um “mini-COI”. Queremos ser o IPC. Tem muito espaço para trabalharmos juntos.

L!: Quanto o Brasil vê você chegando ao topo do ICP, também ocorre a prisão de Carlos Arthur Nuzman. Como você enxerga este cenário?
AP: Eu acho que não é comparar trajetórias, cada indivíduo tem a sua. Quando a questão da prisão, há uma investigação em andamento e acho que a gente tem que aguardar. Até o momento, na questão de compra de votos, ainda não houve nenhuma acusação efetiva ao Nuzman. Acho que a gente tem que esperar um pouco, para que quando e se ele vier a ser acusado, se dê o devido processo leal e ele possa se defender. É lógico que é triste, que não é bom para o esporte. Por outro lado, eu entendo certa responsabilidade que as pessoas tem atribuído a mim de ser um dirigente brasileiro que dê orgulho ao país. Muita gente me cobra isso e eu aceito porque basicamente faz parte da minha índole não me envolver em qualquer coisa que dê margem para acusações. Fica um gosto amargo para quem, assim como eu, se envolveu no processo para fazer os Jogos para o Rio. A gente torce muito para que a conclusão seja de que realmente não houve nada, para que a gente não tenha uma mancha num processo que tanta gente se doou. A gente se esforçou muito pra trazer esses Jogos para o Rio. Tínhamos desafios imensos.

L!: Como você avalia o cenário esportivo brasileiro após a Rio-2016 e como o CPB e insere neste cenário?
AP: O esporte brasileiro passa por um momento muito difícil após os Jogos Rio-2016. Os apoiadores foram embora. O governo federal destina cada vez menos recursos ao esporte. Agora, é um momento também, e aí eu acho que vale a pena a gente destacar e dar um crédito ao movimento paralímpico, que se planejou e hoje passa por um momento extremamente positivo porque se planejou. O Centro de Treinamento Paralímpico é uma realidade, neste ano, serão mais de 270 eventos. Isso é um legado. Neste período de 2009 a 2017, nós conseguimos quintuplicar os recursos do CPB de forma permanente. Acho que é uma questão do mercado ver que quem se planejou saiu mais forte. Você tem confederações olímpicas que saíram mais fortes deste processo.

L!: O que você traz de lição da Rio 2016 por este novo mandato?
AP: Eu acho que é a posição que o movimento paralímpico tem neste mapa todo que inclui o COI, o Comitê Organizador. Acho que a exposição da fragilidade e força da nossa posição dentro neste cenário todo. Eu sempre foquei no sucesso dos Jogos, este sempre foi o meu balizador e, fazendo isso, eu aprendi um buscado. As fragilidades que o IPC tem perante o COI, que ambos têm perante um Comitê Organizador. Quando a crise vem, como aconteceu no Brasil, o que fazer. Como se relacionar com os governos. Isso me dá uma visão clara de todos os agentes e deste relacionamento, que é de sete anos, e como aproveitar isso para maximizar o aproveitamento dos Jogos.

L!: Como o IPC analisa a atual situação da Coreia, que passa por tensão política e é sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018?
AP: A gente está monitorando junto às autoridades coreanas. Eu viajo para a Coreia no dia 15, tenho reuniões marcadas com o Comitê Organizador, com o presidente do país, com o ministro das relações exteriores, com os governadores da província onde fica Pyeongchang exatamente para tratar destes temas. Obviamente que a segurança dos atletas, delegações e o que a gente chama de família paralímpica é fundamental para nós. Estamos assistindo esta tensão internacional juntamente com o COI que é o que podemos fazer. Estamos fazendo isso diariamente para, caso necessário, tomar providencias necessárias. Hoje, acreditamos que os Jogos vão transcorrer sem qualquer influência dessa tensão. Não vejo o risco de sair de Pyeongchang.

L!: Vocês já chegaram a visitar as estruturas para os Jogos de Tóquio-2020?
AP: Eu tenho uma posição privilegiada por ter feito parte da comissão de avaliação dos Jogos de 2020, na época que Tóquio ainda sede candidata. Também sou membro da comissão de coordenação do COI desde a eleição da cidade-sede. Tenho estado presente diversas vezes em Tóquio, conheço bom o projeto e os principais interlocutores e líderes do Comitê Organizador. A gente tem um departamento no IPC que faz o dia a dia com os Comitês Organizadores. Eu particularmente tenho um conhecimento muito bom dos Jogos de Tóquio. A gente pode esperar grandes Jogos. Eles estão continuamente buscando melhorias na questão da economia, que é fundamental. Cada dia os Jogos estavam mais caros, é fundamental trazer os custos para baixo, ainda mais para maximizar o legado versus o custo. Estamos muito confiantes com Tóquio. Temos expectativas enormes tanto em performance quanto em questões comerciais e exposição do movimento paralímpico.

L!: Hoje é muito debatido a questão de baratear os Jogos. Já existem estratégias para que isso ocorra?
AP: A gente está trabalhando com o COI, que lidera este processo. Estamos trabalhando com ele neste novo modelo de administração dos Jogos, tem esta questão da Agenda 20-20, que tem o games management 2020, com uma nova forma de conduzir os Jogos, visando exatamente esta redução de custos, sem afetar a qualidade da entrega. São Jogos mais racionais e estamos trabalhando junto com o COI para maximizar eficiência. Eles têm que ser mais baratos, senão a gente vai acabar afugentando potenciais países-sede. O dia que a gente perder as cidades-sede, o movimento olímpico e paralímpico estarão numa situação complicada. É o maior evento do mundo, vai custar bastante dinheiro mesmo.

L!: Como estão os locais para receber os Mundiais de Natação e Halterofilismo após o terremoto no México?
AP: A gente mandou uma equipe para lá. As estruturas de competição e treinamento não foram danificadas. Alguns hotéis sim, então não serão mais utilizados. É um ponto importante, e a gente entende o porquê do governo mexicano organizar esses eventos. Eles querem mostrar uma capacidade de reação e a gente respeita isso. A nossa primeira opção foi fazer no México em outra data. Alguns países sondaram se havia a possibilidade de levar as competições para outros locais. Isso foi cogitado, desde que as autoridades mexicana afirmassem que não teriam condições de recebê-las. Vai ser um momento muito especial por poder reconhecer e homenagear o esforço e a memória dos que se foram.

L!: O que ficou de legado para o esporte paralímpico após a Rio 2016?
AP: São quatro coisas fundamentalmente. A primeira foi o Centro de Treinamento, a segunda foi financiamento. Depois era uma visão diferente da sociedade. Ter mais de dois milhões lá nas instalações, principalmente crianças, muda a forma de ver o diferente. É o início de um respeito àquele que é diferente de mim. Por fim, a criação de novos ídolos. A gente precisa dessa renovação constante.

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