Entenda por que o Carioca é fracasso de público e tem ‘bilheteria negativa’

Problemas de gestão e violência estão entre fatores que afastam torcida dos jogos. Ferj e clubes lutam para mudar quadro e alegam que cotas de TV fazem competição ser rentável

Veja públicos, rendas brutas (RB) e rendas líquidas (RL) dos clubes no Campeonato Carioca
(Vitor Silva/Botafogo - Gilvan de Souza/Flamengo - Lucas Merçon/Fluminense - Divulgação/Vasco)

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Há poucos anos considerado como o "campeonato mais charmoso do Brasil", o Carioca padece em mais uma temporada com públicos minguados. Com média de 2.218 pagantes após 63 partidas disputadas (clique aqui e veja a tabela), a competição (que no momento está na fase de grupos da Taça Rio) sofre com vários obstáculos para levar torcedores de volta às arquibancadas. 

Especialista em marketing, João Henrique Areias crê que o Campeonato Carioca começa a ter problemas já em seu modelo de gestão. A desorganização desanima o torcedor a ir ao estádio.

- Além de sofrer com o mesmo problema crônico de modelo de gestão de outros estaduais, o Carioca traz situações ainda mais críticas de falta de planejamento de clubes e da Federação. Lidamos, por exemplo, com a falta de estádios, que ficou acentuada diante da situação do Maracanã. Tivemos uma final da Taça Guanabara que foi disputada no Espírito Santo, organizada às pressas. Isto é muito ruim para a imagem da competição - afirmou, ao LANCE!.

Por divergências de bastidores, apenas a quatro dias da semifinal da Taça Guanabara foi batido o martelo sobre o local do clássico entre Flamengo e Botafogo. O embate foi realizado no Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, no sábado de Carnaval.  

O sociólogo Maurício Murad atribui a redução de público nos estádios ao caos urbano que assola o Rio de Janeiro.

- A crise é social, econômica, de emprego, mas, acima de tudo, é um escândalo moral. Mais de 70% dos torcedores que deixaram de ir aos estádios alegaram que o principal motivo é a insegurança que reina nas cidades - declarou.

O autor do livro "A Violência no Futebol; Novas Pesquisas, Novas Ideias, Novas Propostas" detalhou que as razões, que afetam polícia e clubes.

- Os índices de violência são assustadores, e têm atingido em geral os negócios e atividades econômicas, inclusive o futebol. O cidadão de bem está assustado, a polícia sucateada e, infelizmente, a impunidade ainda reina.   

A edição de 2018 vem desanimando os clubes a mandarem partidas em estádios no Rio de Janeiro (*veja números completos abaixo). Em especial quando se trata de clássico no Maracanã, reduto tradicional de futebol do estado, o custo é alto e os jogos acabam em prejuízo financeiro. Apenas dois clássicos foram realizados no Maraca (Fla x Vasco e Flu x Bota): todos os clubes saíram com renda líquida negativa na bilheteria. No jogo entre Flamengo e Vasco, por exemplo, taxas e custos do estádio fizeram com que cada um dos clubes "pagasse" quase R$ 229 mil para jogar em 27 de janeiro.

Embora não seja usada com tanta frequência nesta edição, a venda de mando de campo surgiu como um alento na renda para alguns clubes. 

Segundo maior público até o momento da competição (15.885), o Fla-Flu rendeu R$ 350 mil para a dupla que atuou na Arena Pantanal. Outras "migrações" também tiraram clubes do vermelho. O caso mais emblemático foi a final da Taça Guanabara (quarto maior público da competição até agora).

Com preços variando entre R$ 100 e R$ 200, o triunfo do Rubro-Negro sobre o Boavista, por 2 a 0, levou 15.587 pessoas ao Kleber Andrade, em Cariacica. A partida (com mando do clube de Saquarema) teve renda bruta de R$ 1.352.600,00: cada clube voltou ao Rio com a quantia de R$ 300 mil.

Já na quinta rodada da Taça GB, o Flamengo também lucrou com a venda de mando de campo feita por um adversário. O triunfo por 1 a 0 sobre o Nova Iguaçu, disputado no Mané Garrincha (em Brasília), rendeu R$ 250 mil aos rubro-negros, e R$ 130 mil à Laranja da Baixada.

INFERIOR A OUTROS ESTADUAIS

Botafogo x Cabofriense
Carioca tem média de público inferior a vários estaduais(Vitor Silva/SSPress/Botafogo)

Lidando com problemas externos da cidade e também com a desmotivação do torcedor, o Campeonato Carioca se vê hoje ultrapassado tanto na média de público quanto na de de renda por outros estaduais. Com 2.218 pagantes de média (e um total de 168.570 pessoas que foram ao estádio até o momento), a competição tem média de renda bruta de R$ 81.618,01, mas sua média de renda líquida é de R$ -14.897,62. 

Está atrás de competições como Paulista, Mineiro, Gaúcho, Paranaense e de outros estados.

PAULISTA - 7.715 pagantes - RB: R$ 306.587,82 / RL: R$ 178.278,72
MINEIRO - 5.665 pagantes - RB: R$ 117.771,33 / RL: R$ 59.321,64
PARANAENSE - 3.125 pagantes - RB: R$ 77.957,13 / RL: R$ 6.810,54
GOIANO - 2.859 pagantes - RB: R$ 61.765,73 / RL: R$ 31.052,10 
BAIANO - 2.846 pagantes - RB: R$ 59.015,94 / RL: R$ 30.528,56
GAÚCHO - 2.725 pagantes - RB: R$ 90.290,79 / RL: R$ 55.941,72
BAIANO - 2.563 pagantes - RB: R$ 43.528,28 / RL: R$ 8.544,22
RB = Média de renda bruta / RL = Média de renda líquida

FERJ DIZ QUE HÁ 'VISÃO DISTORCIDA' SOBRE ESTADUAL

Marcelo Vianna é o diretor de competições da Ferj (Foto: Úrsula Nery/Ferj)
'Temos de superar diversas variáveis que levam à falta de público', diz Marcelo Vianna (Foto: Úrsula Nery/Ferj)

A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) rebate os dados e afirma que a competição não é deficitária. Ao LANCE!, o diretor de competições, Marcelo Vianna, afirmou que há uma "visão distorcida" ao avaliar o Estadual por não considerar as cotas de TV para cada jogo.

- Não existe nenhuma partida deficitária. Há um contrato de direito de televisionamento em vigor que garante mais de R$ 1,6 milhão por jogo (demonstrado nos borderôs, independentemente da quantidade de público presente). O total auferido para disputar o campeonato de 90 dias supera o arrecadado no ano com patrocínio máster. Excluir o valor da cota e a cota por jogo da receita é uma distorção equivocada, contábil e financeira. 

Porém, o dirigente não escondeu sua frustração com a pouca presença de público.

- Mesmo superavitários, é impossível não ser incômoda a falta de público nos estádios. E esse é o nosso desafio. Superar diversas variáveis que contribuem para isto, como violência urbana, falta de estádios, carência de ídolos e talentos, preço dos ingressos, horários distantes da aceitação do torcedor... 

Marcelo Vianna disse que há uma mobilização para melhorar a presença de público.

- Estamos em andamento com reuniões sobre formas de atratividade. Ressalte-se a importância do engajamento dos clubes. São discussões que tenho certeza nos levarão a melhorar, sim, o público, nos estádios.

O diretor de competições nega que o criticado regulamento atual tenha trazido impactos. O Estadual prevê a realização de dois turnos (ambos com semifinais e decisão) e, em seguida, semifinal e finais. Neste ano, há uma mudança em relação ao ano anterior: o clube que vencer os dois turnos estará classificado para a decisão.

A ideia inicial seria aumentar uma força do Estadual: contar com mais clássicos, nos dois turnos e no decorrer das outras fases.

- A fórmula contemplando mais clássicos nada tem a ver com o momento atual, até porque, já vem de alguns anos. Obviamente, o grande contra o grande acirra a rivalidade e leva mais público. Vejamos: o Flamengo e Vasco levou 18 mil (18.587 pagantes), sendo que parte da torcida do Vasco boicotou por motivos políticos. Tivemos semifinal em Volta Redonda por falta de estádio. São pontos que, somados, pesam no final.

No borderô, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) cobra taxa de 10% da bilheteria de cada partida. De acordo com a entidade, os valores são destinados a subsídios e fomento de vários setores do futebol. 

DIRIGENTES DE CLUBES AVALIAM COMPETIÇÃO

Montagem - Nelson Mufarej (Botafogo) / Pedro Abad (Fluminense) / Alexandre Campello (Vasco) / Bandeira de Mello (Flamengo)
Dirigentes falam de sucesso na telinha. Agora, em estádios... (Reprodução)

O discurso dos grandes clubes do Rio de Janeiro se assemelha à postura da federação sobre o atual momento do Estadual. Embora ressaltem os valores vindos das transmissões, ninguém esconde que ainda há dificuldades para atrair o público de volta às arquibancadas. 

- O Botafogo tem participado ativamente em reuniões da Ferj em prol desta maior atratividade no Carioca, apresentando sugestões de melhoria já para a atual edição da Taça Rio. De fato, a rentabilidade das bilheterias está abaixo do esperado, mas as cotas de televisionamento são importantes para o clube e os índices de audiência reforçam sua força televisiva - afirmou Nelson Muffarej, presidente do Botafogo, ao LANCE!.

Segundo o dirigente do Alvinegro, a tendência é de que a competição traga seus torcedores de volta. 

- De forma construtiva, com engajamento de todos, temos certeza de que o Carioca estará sempre em destaque.

Presidente do Vasco, Alexandre Campello exige uma mobilização para que o Estadual voltar aos seus velhos tempos.

- Sempre fui favorável a um Carioca forte. Não me agrada esse esvaziamento que as pessoas tentam fazer do Carioca, talvez porque eu seja da época em que ia no Maracanã para ver jogo com 100 mil na arquibancada. acho que é um campeonato viável, rentável e precisamos trabalhar para melhorar o público nos estádios - afirmou.

O dirigente do Cruz-Maltino também se ampara nos valores que a televisão dá aos clubes para exaltar a competição.

- Ao analisar o carioca, ele é muito rentável. É o estadual com melhor resultado de audiência. Audiência é dinheiro. Há um numero maior de pessoas assistindo pela televisão, e isto aumenta o interesse dos patrocinadores. O patrocinador não quer saber se deu 5 mil ou 10 mil (de público no estádio), mas quando tem sua equipe jogando com TV aberta, aumenta o interesse do patrocinador.
 
O presidente do Fluminense, Pedro Abad, também mostra-se otimista com novidades nos estádios, devido à busca por alternativas feita por Ferj e clubes.

- O Estadual é rentável, já que os clubes recebem uma significativa cota de televisão. A questão da média de público tem sido objeto de estudo por parte da própria Ferj que, junto aos clubes, busca alternativas para crescimento da atratividade da competição - disse.

Já a postura do Flamengo diverge em alguns pontos de vista dos seus rivais nas quatro linhas. Em entrevista ao LANCE!, Eduardo Bandeira de Mello faz críticas à organização da competição, e deixa um alerta.

- O Campeonato Carioca está muito mal planejado. A gente precisava ter um modelo que desse maior atratividade até o final. No momento, o que vemos é um público muito fraco. As partidas que vêm rendendo mais para nós são as de fora do Rio de Janeiro, por conta de termos torcedores em outros locais interessados em ver a equipe jogar.

Confira os números dos grandes como mandantes:

VASCO

0x2 Bangu - Quinta - 18/01 - 19h15 - São Januário - Portões fechados

4x2 Nova Iguaçu - Domingo - 21/01 - 17h - São Januário - Portões fechados

3x1 Volta Redonda - Domingo - 04/02 - 17h - São Januário
Preços: R$ 20 a R$ 80
Público: 2.098 pagantes
Renda bruta: R$ 52.220,00
Renda líquida: R$ -72.725,79

2x1 Macaé - Quinta - 01/03 - 19h30 - São Januário
Preços: R$ 20 a R$ 60
Público: 1.986 pagantes
Renda bruta: R$ 44.765,00
Renda líquida: R$ -95.362,61

4x3 Boavista - Domingo - 4/3 - 19h30 - Kleber Andrade
Preços: R$ 20 a R$ 120
Público: 7.461 pagantes
Renda bruta: R$302.040,00
Renda líquida: R$ 149.764,28

BOTAFOGO
2x2 Portuguesa - Terça - 16/01 - 21h30 - Nilton Santos
Preços: R$ 20 a R$ 50
Público: 4.055 pagantes
Renda bruta: R$ 84.100,00
Renda líquida: R$ -193.969,03

1x0 Boavista - Domingo - 28/01 - 17h - Nilton Santos
Preços: R$ 20 a 50
Público: 3.003 pagantes
Renda bruta: R$ 62.560,00
Renda líquida: R$ -194.872,04

0x0 Madureira - Sábado - 03/02 - 19h - Nilton Santos
Preços: R$ 20 a R$ 50
Público: 3.285 pagantes
Renda bruta: R$ 68.730,00
Renda líquida: R$ -214.802,14

FLAMENGO
1x0 Cabofriense - Domingo - 21/01 - 20h15 - Ilha do Urubu
Preços: R$ 20 a 50
Público: 3.332 pagantes
Renda bruta: R$ 86.072,00
Renda líquida: R$ -197.259,97

1x0 Bangu - Quarta  - 24/01 - 19h30 - Ilha do Urubu
Preços: R$ 20 a R$ 50
Público: 3.777 pagantes
Renda bruta: R$ 101.869,00
Renda líquida: R$ -175.042,85

0x0 Vasco - Sábado - 27/01 - 17h - Maracanã
Preços: R$ 20 a R$ 145
Público: 18.857 pagantes
Renda bruta: R$ 529.937,00
Renda líquida: R$ -235.092,52 (Flamengo) / R$ -228.892,52 (Vasco)

3x1 Botafogo - Sábado - 10/02 - 17h - Raulino de Oliveira
Preços: R$ 40 a R$ 100
Público: 5.460 pagantes
Renda bruta: R$ 257.600,00
Renda líquida: R$ -30.317,39 (Flamengo) / R$ 35.051,08 (Botafogo)

4x0 Madureira - Quarta-feira - 21/02 - 19h30 - Nilton Santos
Preços: R$ 20 a R$ 60
Público: 3.865 pagantes
Renda bruta: R$ 105.520,00
Renda líquida: R$ -282.091,89

1x0 Botafogo - Sábado - 3/3 - 17h - Nilton Santos
​Preços: R$ 60 a R$ 80
Público: 7.396 pagantes
Renda bruta: R$ 294.643,00 
Renda líquida: R$ -137.831,24 (Flamengo) / R$ - 206.746,86 (Botafogo)

FLUMINENSE

0x0 Botafogo - Sábado - 20/01 - 17h - Maracanã
Preços: R$ 40 a 60
Público: 7.126 pagantes
Renda bruta: R$ 220.510,00
Renda líquida: R$ - 145.041,26 (cada um)

0x0 Portuguesa - Quarta-feira - 21h45 - Giulite Coutinho
Preços: R$ 15 e R$ 30
Público: 1.270 pagantes
Renda bruta: R$ 21.135,00
Renda líquida: R$ -119.350,59

1x0 Macaé - Sábado - 03/02 - 19h - Los Larios
Preços: R$ 15 a R$ 40
Público: 526 pagantes
Renda bruta: R$ 12.420,00
Renda líquida: R$ -80.728,45

4x0 Flamengo - Sábado - 24/02 - 17h - Arena Pantanal
Preços: R$ 60 a R$ 250
Público: 15.885 pagantes
Renda bruta: R$ 976.580,00
Renda líquida: R$ 350.000,00 (para cada clube)

2x1 Volta Redonda - Domingo - 4/3 - 17h - Los Larios
Preços: R$ 20 a R$ 40
Público: 632
Renda bruta: R$ 14.300,00
Renda líquida: R$ -86.480,99

*Confira a tabela completa e mais dados do Carioca aqui

**Colaboraram David Nascimento e Bernardo Cruz

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