Agora religioso, Alex Silva diz: ‘Não sei o que fiz de tão grave no futebol’

Em nova fase na vida, zagueiro multicampeão com o São Paulo e com a Seleção Brasileira abre o jogo ao LANCE! e dá sua versão sobre a carreira e o mundo do futebol

Aos 31 anos, Alex Silva é apresentado no Hercílio Luz (Foto: Divulgação / Hercílio Luz)
 (Foto: Divulgação / Hercílio Luz)

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Poucas são as carreiras que levam o profissional do céu ao inferno em tão curto espaço de tempo quanto a de jogador de futebol. Nunca é demais lembrar que se trata de um ser humano como qualquer outro. Para o zagueiro Alex Silva, tricampeão brasileiro com o São Paulo, campeão da Copa América e medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim com a Seleção Brasileira, não faltaram elogios, glórias e, principalmente, julgamentos.

Dono de um potencial acima da média, tinha um futuro traçado com os melhores roteiros possíveis que a carreira oferece. No entanto, as lesões, algumas escolhas e até mesmo o estereótipo que se criou em torno de sua figura, talvez tenham ajudado a cercear o sucesso do defensor de 31 anos que, depois de algum tempo, conseguiu encontrar, na religião, o sentido que faltou em determinados momentos de sua vida, mas que agora faz toda a diferença.

- Na verdade eu já tinha um chamado, mas o tempo é de Deus, o calendário de Deus não é o mesmo calendário que o nosso, tudo é no tempo dele, e hoje esse tempo chegou. Ele me exaltou na Seleção, nos clubes grandes, e eu não o exaltei, esqueci que tudo que eu tinha era dele e não agradecia, precisei pagar um preço para entender que eu era um escolhido. Hoje chegou o momento de carregar a minha cruz, pra ser sincero não troco nada da minha vida com Cristo pelo meu passado, porque tudo aquilo que tinha, não era nada perto do que eu tenho hoje - afirmou.

Restaurado, como ele mesmo descreveu seu momento, assinou contrato com o Hercílio Luz, time da segunda divisão do Campeonato Catarinense. Empolgado com o projeto que topou fazer parte, o zagueiro se mostrou otimista quanto ao futuro do time e feliz pela oportunidade que seu novo clube tem dado a jogadores como Lima, atacante ex-São Paulo, Atlético-PR e Corinthians, Jeff Silva, ex-Avaí e Ávine, ex-Bahia, mas aproveitou para questionar os métodos de formação de elencos na elite do Brasileirão:

- O projeto do Hercílio Luz é bem interessante e que poucos fazem. Aqui junto o útil com o agradável. Antes de acertar, eu fui a Tubarão-SC conhecer o clube, bati um papo com a diretoria e fui muito bem recebido pela torcida e pela cidade. Fico feliz pelo Hercílio Luz ter dado essa oportunidade para jogadores que o futebol brasileiro tem fechado as portas. Vejo Série A e Série B e não dá para entender por que não tenho oportunidade. Isso não é só o meu caso. O futebol brasileiro tem caminhado para um lado ruim, não é mais o melhor que joga. Ou você tem que ter uma porcentagem para o diretor que te contrata ou ser jogador do treinador - declarou.

Durante o Paulistão deste ano, atuou com a camisa do Rio Claro, um dos seis rebaixados à Série A2 do campeonato. Na ocasião, porém, pôde mostrar que suas lesões não são mais obstáculos para disputar competições em alto nível, o que reforça o desejo de entender os motivos que o deixam fora da elite do futebol nacional.

- O mais engraçado é as pessoas dizerem na rua, na minha rede social, que tenho condições de jogar Série A, que viram minhas atuações no Campeonato Paulista, principalmente contra o São Paulo. Na verdade eu não sei o que fiz de tão grave no futebol, mas acredito que Deus está no controle de tudo e a porta que ele abrir homem nenhum vai poder fechar.

Por telefone, a reportagem do LANCE! conversou longamente com o jogador, que buscou sempre mostrar que está em um outro momento de sua vida, agarrado à religião, disposto a investir em sua carreira e de olho em novas oportunidades nos principais clubes do país.

Confira a entrevista completa com Alex Silva que, entre outros assuntos, falou sobre a atitude dos jovens de hoje no futebol, os esquemas que permeiam os bastidores do esporte, o desrespeito com a história e também sobre o São Paulo, onde atingiu seu ápice.

Acredita que os clubes não investem em seu futebol por algo que você tenha feito de errado? Alguém já justificou uma "não-contratação" utilizando esse argumento?

"Eu errei na época em ter gostado de pagode e de tomar cerveja. Me diz qual jogador de futebol não faz isso?"

Se for para falar do passado, teríamos que falar dos títulos né? São três Brasileiros, uma Copa América com a Seleção Brasileira e medalha de bronze na Olimpíada de Pequim, além de prêmios da CBF, então não dá pra entender. Sobre meu joelho, o Campeonato Paulista provou que ele está bem, porque se eu não estivesse aguentando jogar ou treinar eu já teria parado de jogar futebol e estaria fazendo outra coisa. Pra que ficaria sofrendo? No meu passado errei como qualquer jovem erra, pela pouca idade, quando todo jovem comete erros, mas já foi superado. Eu errei na época em ter gostado de pagode e de tomar cerveja. Me diz qual o jogador de futebol não faz isso? Se for por esse lado quem nunca errou que atire a primeira pedra. O que mais chateia, às vezes, é que tem jogador que foi pego em exame antidoping, com droga pesada, outros que saíram na mão com polícia em público, outro com foto na balada dormindo e estão ai jogando em clube grande. Então não dá para entender. Mas, na verdade eu já estou de saco cheio dessa história de passado, hoje sou outro homem. Renovado, restaurado pelo Senhor, a Bíblia fala que tudo se faz novo, as coisas velhas já passaram. Sou nova criatura. Então não fico remoendo e vivendo de passado.

Como você vê o futebol hoje?
Às vezes sinto que o futebol virou comércio, isso sim, e que entre um jogador de 20 anos de empresário que investe no clube e o Alex Silva, é mais fácil o de 20 que vai dar dinheiro, ninguém no futebol brasileiro se preocupa mais com a camisa, com o clube, ninguém respeita mais a história dos clubes. Hoje só querem ganhar enquanto podem, se perder quatro seguidas eu vou ser mandado embora mesmo. Então eu acho isso, acho que o amor à camisa e ao futebol está cada vez mais acabando no futebol brasileiro.

O que acha que precisa mudar?

"Futebol não é brincadeira, terminar os jogos, colocar o brinco e ir pra casa sorrindo"

Falta o jogador primeiro honrar a camisa e a história do clube, e o dirigente entender que clube de Série A tem que ficar na Série A. Isso não acontece mais, o comércio tem atrapalhado. Eu fui rebaixado com o Rio Claro, aconteceu, no Campeonato Paulista caíam seis, para clubes do interior, de pouca estrutura, é complicado, é o estadual mais difícil do país, mas acredito que para os mais jovens de lá foi bom, porque viram que o futebol não é brincadeira, terminar jogos colocar o brinco e ir pra casa sorrindo. Isso marca currículo e marcou o meu. Eu, independente da camisa, fiquei muito puto e chateado, pode perguntar ao Sérgio Guedes, treinador, como eu estava depois da derrota para o São Bernardo no vestiário. Chorei de raiva, fui para um canto, minha vontade era meter a porrada em um, porque eu honro a camisa que visto seja qual for, seja a do São Paulo, a do Rio Claro ou a do Hercílio Luz, para mim são todas iguais, porque respeito a camisa que visto. Eu odeio perder, na verdade.

Acha que falta aos jovens esse tipo de atitude? Não só em relação ao clube, mas também à carreira deles?
Claro, hoje eles vão muito pela cabeça do empresário que promete levar para o Barcelona, Real Madrid, diz a eles que jogam em qualquer time, aí eles não se preocupam com a história do clube, com a camisa, muitos não respeitam nem os funcionários mais antigos do clube. Por isso você vê a dificuldade que é para convocar a Seleção Brasileira. Ricardo Oliveira, Zé Roberto e outros vão jogar até quando quiserem, porque não tem nenhum jovem melhor que eles no país. Eu, no Rio Claro pude contribuir fora de campo também, podendo falar como conquistei meus títulos e também como errei em certas coisas e o preço que paguei, tudo isso para que eles mudem a postura, não cometam os mesmos erros e que se doem por um clube como eu me doei nos quais ganhei títulos. Aprendi que história no nosso país é quadro de campeão na parede.

Há pouco tempo, a torcida do São Paulo cobrava essa atitude do atual elenco, que acabou crescendo durante a temporada. Você sentia isso também quando assistia aos jogos do Tricolor?
Eu sempre fui um cara muito elétrico dentro de campo, porque aprendi a não aceitar a derrota, talvez esse seja o meu segredo. Acho que o São Paulo de hoje entendeu o que é o São Paulo Futebol Clube. Seis Brasileiros, três Libertadores e três Mundiais, os jogadores entenderam o espírito de vencedor da camisa do clube e estou torcendo para que seja campeão da Libertadores.

Foi lá que você viveu os melhores momentos da carreira, certo? Qual era o segredo daquele time para ganhar três Brasileiros seguidos?
Sem dúvidas, o segredo era muito trabalho com Muricy Ramalho. A união, o respeito de um jogador pelo outro, o amor à camisa e disciplina tática. Cada um sabia das suas qualidades e das suas limitações também.

E essa situação de saúde do Muricy? Chegou a falar com ele?
Não falo com Muricy há muito tempo, mas eu fico triste, porque se ele não continuar como treinador o futebol perde muito, o futebol precisa de pessoas com caráter, que amam e respeitam o futebol, e ele tem tudo isso, mas primeiro vem a saúde, todos temos família e somos seres humanos, mas espero que ele possa voltar como dirigente ou coordenador técnico, porque ele entende muito de futebol. A história dele mostra isso.

Em algum momento você chegou a se decepcionar com o futebol e pensou em largar?

"Foi por meio da fé que não desisti, mas pensei várias vezes em parar antes de estar nesse caminho maravilhoso"

Vários momentos, mas antes eu não conhecia a Cristo, o único caminho, a verdade e a vida. Pensei várias vezes em desistir, mas nesse caminho encontrei paz, não tinha tranquilidade e amor de verdade. Sou um privilegiado por servir a Cristo, ele me livrou das angústias e me colocou de pé nos momentos de fraqueza, vi que Deus não depende dos homens para me honrar, as críticas do homem não são nada para Deus. Foi por meio da fé que não desisti, mas pensei várias vezes em parar antes de estar nesse caminho maravilhoso com Deus.

Você teve duas passagens na Europa, pelo Rennes-FRA e pelo Hamburgo-ALE. O que você extraiu de experiência por lá?
Hoje posso entender como deve ser um atleta profissional de futebol. É aquilo que na Europa eu não dei valor, estou procurando fazer hoje na carreira, ser profissional, por isso estou sendo capitão por onde estou passando. Acho que aprendi lá que atleta tem que ser atleta. Jogador não dá. O que não valorizei nessa época, estou trazendo para minha nova vida hoje. Nunca é tarde pra se arrepender e fazer o certo.

Acha que falta profissionalismo no jogador e no futebol brasileiro?
Creio que sim, se você for ver, quem são os exemplos de profissionais no futebol brasileiro hoje? Vou citar três: Zé Roberto, Ricardo Oliveira e Renato. Esses três jogaram na Europa por anos e tiveram que voltar para mostrar ao futebol brasileiro o que é ser profissional. Aqui, o que tivemos, já parou, o mais recente foi o Rogério Ceni. Sem falar do Alex, que dispensa comentários.

O torcedor brasileiro, inclusive, tem perdido a paixão pela Seleção...
Pois é, mas não vejo culpa dos jogadores, afinal eles saem muito cedo daqui, então perdem um pouco essa identificação com o país, mas acredito que eles são melhores tratados e valorizados lá fora do que aqui, talvez por isso que não voltem.

Acha que falta respeito às conquistas do passado e aos jogadores mais experientes?
O Brasil na verdade nunca respeitou história, essa é a diferença do europeu. Precisa morrer pra ser homenageado com um minuto de silêncio. Precisamos mudar muita coisa!

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