Gianni Infantino, de olho na Fifa: ‘Há remédio para a corrupção no futebol’

Secretário-geral da Uefa e candidato à presidência da Fifa dá entrevista durante visita à Conmebol. Ele diz que o Brasil tem que ser um exemplo para o mundo da bola

Gianni Infantino falou sobre a reta final da campanha e os planos para a presidência da Fifa (Foto: Igor Siqueira)
Gianni Infantino falou sobre a reta final da campanha e os planos para a presidência da Fifa (Foto: Igor Siqueira)

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Ser presidente da Fifa não estava nos planos. A carreira de 15 anos na Uefa (os últimos seis como secretário-geral), estava tranquila para esse advogado de 45 anos. Mas, o então chefe dele, Michel Platini, foi "barrado no baile" eleitoral, e Gianni Infantino entrou na disputa. Com muita força. Suíço de origem italiana, fluente em várias línguas (está começando a se virar no português), ele saiu de quase desconhecido e hoje já aparece como um dos favoritos para ser eleito o novo mandatário do futebol mundial no dia 26 de fevereiro, em Zurique. Atualmente, ele conta com o apoio em massa dos votos da Uefa, de boa parte da Concacaf e da Conmebol – o que o garante com musculatura num pleito que conta com 209 votantes – e ainda espera angariar votos na Ásia, África e Oceania.

Durante a passagem por Assunção, onde buscou manter o acordo de apoio feito com a administração anterior da Conmebol, Infantino – chamado equivocadamente de Gianini pelo atual presidente da CBF, Coronel Nunes – diz que a corrupção que se enraizou no futebol mundial tem remédio. Ele, que chegou a dizer que, se Michel Platini tivesse condição jurídica, deixaria a corrida eleitoral para abrir espaço ao francês, ainda fez questão de ressaltar que, apesar da afinidade com presidente afastado da Uefa, tem ideias e candidatura próprias. O dirigente, que falou ao LANCE! e outros dois veículos, vê também o Brasil como país estratégico para o futebol e, por conta disso, tem que dar exemplo ao mundo.

Era seu plano de vida ser presidente da Fifa?
Não estava na minha cabeça nem nos meus planos, tanto que há quatro meses não pensava nesta possibilidade. Mas o futebol passa por uma situação complicada, difícil. E nós, dirigentes deste esporte, temos duas possibilidades em momentos como esse. A primeira é passiva. Ficar tranquilo, como eu no meu escritório, na Uefa, onde tudo vai bem, e olhar como a situação piora. E a outra é assumir a responsabilidade, dar a cara a tapa e tentar fazer algo, ajudar a salvar o futebol. E também Fifa, uma organização importante. Tive de pensar pouco, e decidi rapidamente quando o Comitê Executivo da Uefa e as associações me pediram. Estou convencido de que as pessoas que ocupam cargos no futebol precisam assumir suas responsabilidades. Por isso, sou candidato.

Você não é uma candidatura do Platini? Como fazer para mostrar que não é?
Não, eu sou Gianni Infantino, e Michel Platini é Michel Platini. Somos pessoas diferentes, cada um com pontos fortes e fracos. Somos completamente diferentes como pessoas. Trabalhamos juntos por anos e coincidimos em algumas ideias. Quando vou fazer alguma coisa, não vou a 100%, mas a mil por cento com minhas ideias e paixão, meu coração, e quero convencer todos a votar em mim pelo que sou eu, pelas ideias do Infantino.

"Temos que fazer as reformas, ser mais transparentes, mostrar de onde vem e para onde vai o dinheiro".

Está confortável com os apoios que já obteve até o momento?
Estou numa situação em que tenho confiança com os apoios públicos que obtive também fora da Europa. Minha mensagem é uma mensagem de futebol. Mas não estou acomodado, tenho que estar pronto para tudo.

Há alguns meses você conversou com algumas pessoas, como Napout. Agora está lidando com outras, porque aquelas foram presas. Como é esta situação?
Sempre tive boas relações com muita gente, sobretudo na América do Sul. Ainda que meu trabalho seja na Europa, na Uefa, eu conheço as pessoas. As confederações antes eram muito fechadas, individualizadas. Sou uma pessoa do futebol, gosto de falar de futebol, e aqui vocês são loucos por futebol, então, as relações são boas. Sobre o que passou, os dirigentes que estavam envolvidos agora estão em seus procedimentos jurídicos e temos que ver o que acontece. Nesta semana, a Conmebol deu um passo importante para a frente com a eleição de Domínguez, presidente jovem, com quase minha idade, mas bem preparado. Gostei de ver a vontade dele de fazer algo novo, e a unidade entre todos aqui. Isso é essencial e fundamental para escrever uma nova página. Não podemos esquecer o que passou, mas temos de olhar para o futuro. Temos que fazer as reformas, ser mais transparentes, mostrar de onde vem e para onde vai o dinheiro, ter regras de bom governo e tudo isso a Fifa vai fazer e a Conmebol, também.

Há um remédio para a corrupção no futebol?
Há corrupção em todos os lados da vida, e é claro que há remédio para acabar com ela. E mais importante do que o remédio é o médico, as pessoas. Se as pessoas não se deixam corromper, não há corrupção. Se as pessoas são honestas e colocam as regras para fazer negócios transparentes, vamos reduzir o risco, e acredito que já comprovamos na Uefa que isso é possível. Na Uefa, fazemos 200 contratos comerciais por ano e não temos problemas porque o fazemos de maneira aberta. Isso tem que vir para a Conmebol, para as federações e para a Fifa.

É um plano da Fifa obrigar as confederações e as associações a seguirem regras de transparência?
Não acredito em obrigação, mas na convicção. Se há bons argumentos, se pode convencer os outros a seguirem este rumo. A Fifa tem que ser o exemplo para o mundo. E, com ela encampando esta ação, será mais fácil de convencer as confederações. Estas precisam fazer as reformas porque acreditam nelas, não porque são obrigadas. Não precisamos ter vergonha de colocar dinheiro no futebol, mas ele tem que ir para o desenvolvimento do esporte, não para as pessoas.

O investigador Michael Garcia foi contratado pela Fifa para fazer um relatório sobre possível corrupção na escolha de Rússia e Qatar como sedes das Copas do Mundo de 2018 e 2022, respectivamente, mas a entidade não divulgou o documento. Você pretende publicar o relatório do Michael Garcia?
Tudo o que puder contribuir para maior transparência do futebol, inclusive nisso, estou a favor. Agora, fala-se desse assunto há cinco anos. Gostaria de poder começar a organizar isso, fazer uma festa do futebol na Rússia e no Qatar e seguir para o futuro. Fala-se há cinco anos disso, mas algo substancial e concreto, eu nunca vi. Se houvesse algo concreto, vocês da mídia já saberiam.

As Copas na Rússia e no Qatar são irreversíveis?
Para mim, sim. A decisão foi tomada em 2010, estamos em 2016. Houve especulações, que fizeram muito dano ao futebol em geral e se um dia houver algo concreto, claro que vamos avaliar. Mas se depois de cinco anos nunca houve nada concreto, temos de ir para a frente.

"Se eu me eleger presidente da Fifa, ajudarei o Brasil como puder para tomar essa posição de exemplo para o mundo".

No Brasil,  Marco Polo Del Nero, indiciado nas investigações do FBI, pediu licença, retornou por um dia apenas para garantir a eleição de um vice mais velho do que um opositor e saiu de licença novamente (numa manobra política para que este recém-eleito assumisse interinamente enquanto ele prepara a sua defesa na Fifa). Como o senhor vê ações como essas ocorrendo no futebol brasileiro?
Não conheço a situação do Brasil em detalhes. Conheci o presidente aqui (NR: Coronel Nunes) e ele me pareceu uma pessoa agradável. O importante é que o Brasil se dê conta de que precisa ser um exemplo para o mundo. Quando você fala de beisebol, fala dos Estados Unidos. Quando fala de futebol, é o Brasil. Não se fala da Alemanha, ainda que ela seja a campeã do mundo, ou da Itália, se fala do Brasil. Então este país tem que ser um exemplo de gestão. Passou por momentos complicados, ainda está passando, o importante é que os brasileiros se unam. Se eu me eleger presidente da Fifa, ajudarei o Brasil como puder para tomar essa posição de exemplo para o mundo.

No Brasil há uma discussão sobre a Liga de clubes. Sem detalhes, conceitualmente te parece mais adequado o modelo de ligas?
Eu acho que cada caso é particular. Não conheço a situação do Brasil. Na Europa há situações muito diferentes. Há lugares onde a Liga se dá bem com a federação, há lugares que não. É importante que todos percebam que não há só o futebol de clubes ou o futebol de seleções, há apenas o futebol. Existem opiniões diferentes sobre tudo, e eu passei os últimos 15 anos na Uefa tentando encontrar soluções para tudo. Se há esse movimento no Brasil, espero que todos conversem e busquem a melhor solução para o Brasil. Se eu puder ajudar, ótimo.

Você propõe aumento de participantes na Copa do Mundo...
Acredito que hoje o Mundial é assim, com 32 seleções, e para as edições de 2018 e de 2022 não mudará. Para 2026 imagino que seria bastante positivo aumentar o número de seleções. E digo isso porque o futebol só melhora em todo mundo. E não é populismo. Qual é o papel principal da Fifa, o que a Fifa tem que fazer? Desenvolver o futebol no mundo, fazendo as pessoas participarem do mundo. Quando se jogava só na Europa e na América do Sul, só havia estes. A Copa América é uma competição muito bonita. E quantos jogam? Todos os integrantes da Conmebol e alguns convidados. Na Eurocopa vamos jogar com 24 seleções deste ano, são pouco mais de 40% dos países-membros da Uefa. E a experiência que fizemos na Europa de aumentar o número de seleções foi excepcional. Fomos criticados por populismo, porque a classificatória foi chata. Mas tivemos uma eliminatória espetacular, porque seleções que nunca tiveram sucesso, como a Albânia, se classificaram, e potências que sempre se destacaram, como a Holanda, não foram. Por quê? Porque se você dá a oportunidade para alguém se classificar, isso cria uma dinâmica diferente. Os times jogam porque acreditam que podem ganhar. Antes, quando o sorteio dava Alemanha ou Inglaterra num grupo, os pequenos celebravam porque teriam um dinheiro de TV. Hoje eles jogam essas partidas para ganhar. Albânia, Islândia e Irlanda do Nortes se classificaram. Do ponto de vista esportivo, é um êxito. E nesses países, de novembro, quando acaba a Eliminatória, até junho, quando começa o torneio, todo mundo fala de futebol. É a melhor publicidade.

Por isso a sua ideia de Copa do Mundo com 40 seleções?
Sim, com 40. Em mais de um país-sede. Claro que depende do país, se for muito grande, como um Brasil, um país só. Mas pode ser em quatro ou cinco países, por que não? A Euro 2020 será disputada em 13 países diferentes. Por que não?

Pensando assim, a Copa de 2030, que Argentina e Uruguai querem organizar está de acordo com o que pensas? Os dirigentes destes países aproveitaram a sua presença aqui em Assunção e falaram com você?
Sim. E argentinos e uruguaios já falaram comigo, claro. Acho que é um objetivo muito importante, a história tem de ser respeitada.

E sobre os direitos de TV. A Conmebol deveria centralizar esta discussão?
Eu espero que façam isso. Porque é assim que nós fazemos na Uefa. Reduz enormemente o risco de corrupção. Mas também porque aumenta a arrecadação e a exposição. Quando cada país negociava, os jogos só passavam nos dois países. Agora, você pode mostrar para o mundo inteiro. Isso aumenta a arrecadação, aumenta a exposição. Eu vou ajudar as confederações a fazer isso.

Mas esta centralização aumentou em quanto o dinheiro para as federações?
Vou te dar os números: na Uefa, entre 2010 e 2014, vendendo separadamente, arrecadamos no total 560 milhões de euros (no câmbio atual, R$ 2,5 bilhões), dos quais tínhamos que dar 20% para intermediários. Agora para o período de 2014 a 2018 chegamos a quase 1 bilhão (R$ 4,5 bilhões) e sem intermediários. Mais do que o dobro.

"Acho que posso fazer diferença porque trago muita paixão pelo jogo."

Você não deveria ser o candidato à presidência da Fifa. Era para ser Michel Platini. Como você se sente quanto a isso?
Me sinto bem. É um desafio, mas também uma chance. Uma chance para a Fifa. Foi como um terremoto, mas do qual algo bom pode ser construído. Eu sou um cara positivo, que pensa positivo. Acho que posso fazer diferença porque trago muita paixão pelo jogo. É emocionante.

Platini uma vez disse que o presidente da Fifa deveria ser um alguém do futebol, como ele, e não algum administrador. Mas você é um administrador...
Ele estava brincando, mas estava certo. Eu sou uma administrador, mas eu também sou alguém do futebol. Sei exatamente como começar a fazer as coisas. Sei implementar desde o começo, tenho a experiência de administrar uma entidade grande e sei o que acontece. Posso ajudar e contribuir como o líder da Fifa.

Na Rússia em 2018, Platini vai pensar que ele deveria entregar o troféu....
Nós entregaremos as medalhas juntos.

Ele teria ciúmes?
Não, acho que não, ele ficaria orgulhoso.

Se ele for inocentado e você tornar-se o presidente da Fifa. Platini não pedirá para você sair?
Não. Eu estou concorrendo para a Fifa e isso é sério. Se ele fizer isso, se me ligar e falar isso, responderei que não, óbvio. É uma responsabilidade grande comandar a maior entidade do futebol no planeta. Estou viajando o mundo inteiro. Chego em Madagascar, Senegal, Ruanda, Moçambique, Gabão, Caribe e vejo pessoas tentando organizar futebol com pouco recurso e esperando ajuda. Numa situação como essa, você não pode desapontar essas pessoas. Eu não desapontarei, quero ser o presidente delas.

Você está sendo mais generoso que os outros candidatos, aparecendo nos países, dizendo que distribuirá mais recursos financeiros...
Não sou mais generoso. Estou sendo realista. Eu sei como administrar. Sei quanto dinheiro precisa entrar, quanto precisa sair. Esse dinheiro tem que ir para o futebol. Não é para ser jogado pela janela, mas tem que ser distribuído para desenvolvimento do esporte

Qual time você gosta de ver no futebol, o que te faz parar em frente à TV?
Eu vivo futebol. Aonde vou, se houver um jogo, eu quero estar lá acompanhando.

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