Companheiro de Eto’o, brasileiro naturalizado belga já fugiu até da guerra e sonha com volta à seleção

Danilo, filho do ex-jogador Wamberto, ídolo do Ajax, atua pelo Antalyaspor da Turquia e, aos 26 anos, já foi capitão na base da Bélgica e teve de fugir de guerra na Ucrânia

Danilo comemora gol com camisa do Antalyaspor contra o Fenerbahçe
(Foto: Reprodução/Twitter)

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"Saltar, sair. Partir pé ante pé. Antes do povo despertar. Pular, zunir. Como um furtivo amante. Antes do dia clarear. Apagar as pistas de que um dia ali já foi feliz. Criar raiz e se arrancar". Poucas coisas poderiam definir a carreira de Danilo, do Antalyaspor (TUR), como esse trecho da música "Na carreira", de Chico Buarque e Edu Lobo, feita para a trilha sonora do espetáculo musical "O Grande Circo Místico".

Filho de Wamberto, ex-jogador brasileiro que fez carreira na Bélgica e na Holanda, Danilo começou a sua trajetória nas categorias de base do Ajax, após resistência do pai, que não queria a profissão de jogador para seu herdeiro:

- Meu pai nunca quis que eu e meus irmãos fôssemos jogadores, até tentava deixar a gente longe da bola, comprava carrinho e tudo, porque ele foi e passou por muitas dificuldades e não queria que nós passássemos por isso também, mas não teve jeito - afirmou.

O sucesso do jovem nas divisões de base do Ajax não demorou a acontecer. Com 14 anos, o talento foi comprovado pelo progenitor, que passou a apoiar a escolha. Aos 17, Danilo assinou seu primeiro contrato profissional e foi aí que Wamberto largou a carreira para definitivamente acompanhar o filho, mas ainda havia um possível incômodo a ser superado no clube o qual o pai é ídolo:

- No início era muito difícil, porque eu comecei justamente no clube que ele fez história, então isso pesava muito, queriam comparar toda hora e eu tenho um estilo diferente do meu pai, mas nunca afetou minha cabeça, sempre me foquei e dei o resultado em campo, então não tinham muito o que falar - avaliou.

Por azar, justamente no período em que Danilo fazia a transição para o profissional, o Ajax, clube mundialmente conhecido pela formação de jogadores, tentou mudar de filosofia para voltar a alcançar as glórias do passado e investiu milhões em contratações de peso, barrando a promoção de jovens de sua base, fato que forçou uma grande decisão:

- Na época em que eu estava no sub-19, o meu treinador era o Frank de Boer, ele me chamou pra conversar e falou que se estivesse no meu lugar, assinaria por mais três anos, porque se ele assumisse o principal, me levaria junto com ele. Eu era jovem ainda, mas vai que o cara não assume, não podia ficar esperando, já estava com 20 anos e decidi ir embora, fui para a Bélgica, pro Standard Liège - resumiu.

Como é sabido, Frank de Boer acabou assumindo a equipe principal do Ajax alguns anos depois e ficou por lá até o final da última temporada europeia. Já Danilo não teve sucesso com sua decisão. Um desentendimento entre a diretoria do clube belga e de seu ex-empresário fez com que ele ficasse afastado do time por um ano.

Restou a ele os treinamentos e uma de suas principais conquistas na carreira: as convocações para as seleções de base da Bélgica, na qual teve papel importante e conviveu com uma geração talentosa de jogadores que hoje figuram nos principais times do continente:

- Essa geração é a minha galera. Estivemos juntos desde as categorias de base, inclusive eu fui o capitão da equipe, quando eles me veem, brincam comigo e me chamam de capitão. Foi uma época muito boa, com o Hazard, Courtois, Alderweireld, a galera inteira - contou orgulhoso.

Graças a essas passagens pela seleção belga sub-17 até sub-20, Danilo conseguiu uma transferência para o Metalurh Donetsk, da Ucrânia, onde achou que se firmaria e constituiria uma carreira mais sólida do que aquela que lhe foi cerceada no país que defende as cores.

No entanto, a cidade de Donetsk fica localizada perto da fronteira com a Rússia, local que vinha sendo uma zona de intensos conflitos separatistas naquele momento. Um dos bombardeios, inclusive, acabou atingindo até mesmo o estádio do Shakhtar, clube mais rico do país e rival do Metalurh. Danilo, novamente, se viu obrigado a preparar outra mudança. Os procedimentos para isso, porém, não foram nada ortodoxos.

- Quando estavam começando (os bombardeios), eu fui o primeiro a meter o pé, mandei primeiro minha esposa e meu irmão para a Bélgica, fizemos toda a mudança e eles foram embora. Duas semanas depois, eu vi que o negócio estava ficando quente mesmo e pensei “Agora é a minha hora de ir, não vou ficar aqui não”, fui lá treinei tranquilo, já estava tudo pronto, não falei nada pra ninguém, comprei minha passagem e fui. Já tinha pegado meu passaporte no clube, dei a desculpa que precisava dele para renovar o contrato do meu apartamento. Não fiz alarde, quando deram conta eu já estava longe - relatou.

Com seus direitos esportivos ligados ao Metalurh, chegou ainda a ser emprestado ao Mordovia, da Rússia, sem tanto destaque. Na volta a Donetsk conseguiu se desligar do clube buscando auxílio da FIFA. Livre, assinou com o Dnipro, também da Ucrânia, longe dos conflitos separatistas, mas não dos problemas.

A passagem por lá durou apenas cinco meses, período curto interrompido pela falta de pagamento de salários, algo que não atingiu exclusivamente Danilo. Outra vez o meia teve de pedir ajuda para a FIFA, que rapidamente o liberou para procurar outro clube.

Já com a liberdade de assinar com qualquer agremiação, Danilo tinha tudo acertado para defender as cores de um time na China, mas como sempre o destino lhe reservaria outra decisão importante para tomar, na qual acabou optando por jogar no Antalyaspor, da Turquia, seu atual clube.

- Eu estava para ir para a China, já estava com tudo certo estava no caminho, mas quando estava em Frankfurt, no aeroporto, chegou uma proposta do Antalyaspor, aí em vez de ir para China, mudei minha rota e fui para Antalya, na Turquia, e lá foi uma coisa espetacular, fui muito bem recebido.

Ao lado de Eto'o, seu companheiro de equipe, Danilo quer se firmar de vez no esporte que tanto ama e que tem justificado todas as idas e vindas de sua carreira. O principal objetivo, porém, é voltar a defender a seleção belga, dessa vez no esquadrão principal.

- O futebol é uma carreira muito curta, eu tenho idade ainda de poder correr atrás do meu sonho que é poder voltar a jogar na seleção belga, enquanto eu estiver jogando, vou manter isso na minha cabeça, foi lá que as portas se abriram para a minha carreira profissional, tenho fé em Deus que vou voltar - finalizou.

Confira um bate-bola com o jogador:

Como você avalia a sua temporada?

Ter chegado na Turquia para mim foi uma grande surpresa, não esperava ir para lá, foi uma coisa muito rápida, A adaptação foi super tranquila, um povo muito fanático, gosta muito de futebol, são muito apaixonados e acaba tornando muito mais fácil a vida no país e no futebol.

Então a sua opção pelo futebol turco foi esportiva?
Querendo ou não, financeiramente, a proposta da China era boa, mas em termos de vida nem tanto. Por exemplo, Antalya é uma cidade de férias, uma cidade quente, de praia, cidade fantástica mesmo e o campeonato turco é muito bom, bem disputado, além da ambição e do projeto que o Antalyaspor me apresentou, coisa fantástica, não pensei duas vezes.

Você teve experiência de jogar em alguns países da Europa. O que isso te trouxe em termos de futebol e de vida?
No início foi bem difícil, apanhei muito no meio do futebol depois que saí do Ajax, mas foi muito bom, hoje eu vejo que aprendi muito, principalmente rodando, passei pela Ucrânia, mais pegado, mais correria, mas menos habilidoso, aí fui para a Rússia, que é um futebol pegado também, mas é mais jogado que na Ucrânia. Depois eu vim para a Turquia que é um futebol não tão forte fisicamente quanto os outros, mas é bem mais jogado. Hoje eu me considero um jogador com uma capacidade para disputar qualquer liga no mundo.

Acredita que a Bélgica tem chances na Euro?
Acho que é o melhor time dos últimos tempos e tenho quase certeza que eles vão chegar muito longe na Euro. Na Copa do Mundo todos estavam com uma expectativa, mas acabou acontecendo algo diferente, era a primeira vez, pessoal jovem, precisava de uma adaptação, jogar mais junto. Agora na Euro e na próxima Copa do Mundo eu acredito que eles vão disputar pelo menos as semifinais.

Como tem sido a experiência de jogar com o Eto’o?
Jogar ao lado dele ali no ataque, eu como ‘dez’ e ele como centroavante é uma coisa que não dá para explicar, é um sonho realizado, um cara que eu jogava no Playstation e hoje estou com ele. Fora de campo é uma figura fantástica, gente boa demais, brincalhão, sempre contando as resenhas dele com o Ronaldinho, com os outros brasileiros também, a gente fica de boca aberta ouvindo tudo o que ele conta.

Já teve proposta para jogar no Brasil?
Tive sim, inclusive no fim de 2013 eu quase fui para o Fluminense, estava para sair do Metalurh Donetsk, estava no meio daqueles conflitos no país, mas ficaram embaçando com a minha liberação no clube, acabou não dando certo, mas estava tudo em andamento, tudo praticamente certo, até hoje eu tenho essa vontade grande de jogar aqui, país que eu nasci, meu sonho é jogar no Brasil.

FICHA TÉCNICA

Nome:
Richard Danilo Maciel Sousa Campos
Data de nascimento: 13/1/1990
Local de nascimento: São Luís (MA)
Posição: Meia-atacante
Clubes: Base do Ajax-HOL (2007 até 2010), Standard Liège-BEL (2010 até 2012), Metalurh Donetsk-UCR (2012 até 2014), Mordovia-RUS (2014 até 2015), Dnipro (2015) e Antalyaspor-TUR (2016 até agora)

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