Bandeira, ‘Fla-empresa’, Fred Luz, Lomba… Jayme abre o jogo ao L!

Ex-auxiliar explica o motivo para o momento turbulento do Flamengo em 2018, considera cobrança atual menor que a do passado e enxerga falta de experiência no futebol

Jayme de Almeida recebeu a reportagem do L! e conversou sobre diversos temas no decorrer da entrevista. Veja as imagens!
Marcello Neves

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As mudanças no departamento de futebol respingaram em Jayme de Almeida. Campeão da Copa do Brasil e do Carioca pelo Flamengo, ele estava no 'pacotão de demissões' com Paulo César Carpegiani, Rodrigo Caetano, Mozer e outros, em 29 de março. Passada a tempestade, o treinador recebeu o LANCE! e abriu o jogo sobre a sua saída do clube. A serenidade ficou de lado ao falar de Eduardo Bandeira de Mello, Fred Luz, e principalmente, a declaração de Ricardo Lomba, considerada por ele como o estopim para a crise na Gávea. 

— A declaração foi muito infeliz. Quem é vice-presidente não pode dar declaração de torcedor. No modo de pensar do Flamengo, parece que é um time que não pode perder porque investiu muito, parece que não tem adversário, parece que o Botafogo não tem direito de poder ser melhor. O Lomba e algumas pessoas no Flamengo pensam que não se pode perder. Com todo respeito, o Botafogo está em um momento difícil, mas é um grande clube.

As críticas à alta cúpula do rubro-negro não pararam por aí, e ganharam coro da maior reivindicação da torcida: o modo de trabalhar com o futebol. Se os torcedores queixam-se que o Flamengo virou uma empresa, Jayme corrobora ao reclamar que o clube está sendo gerido como tal. A criação de um 'Novo Flamengo' faz o passado do clube não ter ligação com o presente. 

— Eles (diretoria) estão lidando como uma empresa. Não vejo experiência, tempo de trabalho. O Flamengo virou resultado. Estão querendo fazer um Flamengo novo. Você pode olhar. Não tem uma pessoa que tenha vínculo com o passado do Flamengo. É uma empresa nova, tudo novo. O Bayern tem vários ex-jogadores na comissão, no Real Madrid também. O Flamengo tirou todo mundo, não tem na base, no profissional. Os últimos que saíram foram eu, Mozer e Martorelli. Você olha e não tem ninguém mais — e completou:

— Eles não têm experiência de futebol nenhuma. Ele (Bandeira) nunca teve experiência. Outro que manda muito é o Fred Luz. Quando ele chegou, em 2014, ele chegou para mim e falou: "Eu não entendo nada de futebol". Ele veio de outro ramo, entende de empresa. São esses caras que estão mandando.  Tudo que é passado, da história do clube, eles tiraram. O Flamengo de antes deles, não tem nada a ver com esse novo — explicou.

Outro alvo de críticas da 'Gestão Bandeira' é a cobrança interna após crises no rubro-negro. É comum ver episódios de eliminações ou campanhas abaixo do esperado que são blindadas pela alta cúpula do Flamengo. Jayme acredita que a cobrança poderia ser maior quando os resultados não são os esperados. 

— A cobrança é bem menor do que acho que deveria ser. Cobrar no sentido de entregar mais, para que melhorem e deem resultado. Essa tal de empresa Flamengo contrata para ter resultado, quando não acontece, tem que cobrar quem não foi bem. O que não pode é passar a mão na cabeça. Foi mal contra o Botafogo e caíram cinco. Não dá para trocar cinco jogadores, mas pode cobrar mais. Eu fui jogador e tinha cobrança quando perdia.

Confira outros trechos da entrevista com Jayme de Almeida: 

LANCE!: Como avalia as demissões de treinadores na 'Gestão Bandeira'?

Jayme de Almeida: A administração do Bandeira, do Wallim Vasconcellos, deu uma ajeitada nas finanças. Estruturou o centro de futebol, muitos profissionais de qualidade. O que está acontecendo é que fica na obrigação de ganhar por esses investimentos. Como os resultados não vêm, a pressão vai aumentando e acontecem erros. Quando você contrata um profissional, você tem que dar tempo para o trabalho. Não dar dois meses e mandar embora.

Jayme de Almeida - Flamengo
Jayme lamenta falta de paciência com os técnicos (Foto: Divulgação)

'Ele (Lomba) falou aquele tanto de bobagem e continua lá'

Como foi comunicado da demissão?

Soube da demissão depois de uma reunião para falar que o Carpegiani e o Rodrigo Caetano tinham saído. Depois me chamaram para dizer que eu estava fora. Assim que terminou a reunião, o Fred Luz falou com o Mozer. Ele estava na minha frente. Falou que queria falar com ele e depois comigo também. Ali eu vi que meu ciclo tinha acabado. Quem contrata tem o direito de demitir. Mesmo que não concorde muito, eu respeito.

O período eleitoral afeta no futebol do Flamengo?

A eleição tanto afeta que o vice-presidente de futebol falou aquele tanto de bobagem e continua lá. Falou do futebol, da comissão e continua lá. Ele deve carregar uma carga de votos que tem interesse na eleição, que faz o presidente continuar com ele.

Como avalia o trabalho que estava sendo feito pelo Carpegiani?

O Flamengo era campeão da Taça Guanabara. Empatou com River Plate no Nilton Santos, só não ganhou porque a arbitragem errou. Ganhou do Emelec. Depois de uma derrota que ninguém esperava, desencadeou um processo que acabou na demissão de vários profissionais. Ficou claro que o Flamengo trabalha muito mal com a derrota. Está sempre pressionado, tem que ser campeão de tudo, está sempre na ponta de faca.

'Flamengo está sempre pressionado, tem que ser campeão de tudo'

Já conversou com Carpegiani depois dessa saída em conjunto do clube?

Carpegiani é vizinho no condomínio. Nos falamos. Ele vai seguir a vida. Já foi demitido outras vezes. Eu, no Flamengo, fui cinco. Qualquer treinador do Flamengo fica pouco tempo porque tem essa ansiedade por resultado. Se fica dois, três meses e não ganhar, vai ser trocado. Essa diretoria já trocou muitos treinadores de qualidade, de estilo A, B ou C, com títulos, com fama, que trabalharam nesses seis anos de Gestão Bandeira e não tem continuidade porque qualquer coisa troca-se de treinador.

E com o Rodrigo Caetano?

Encontrei o Rodrigo (Caetano) duas vezes. Tenho respeito, é um profissional competente. Sempre me tratou com respeito. A forma como a coisa aconteceu que foi intempestiva. Eu acho que ele tem uma experiência boa no esporte, mas vive no Brasil onde tudo é imediato, onde tudo que dá errado sobra para treinador e comissão técnica.

A pressão da torcida pode influenciar no trabalho do Barbieri?

A torcida tem influência, pressiona, quer resultados imediatos. Se você acredita em um projeto, tem que mantê-lo. Botaram o Mauricio lá, mas não colocaram. Não é o treinador oficial. Isso é muito ruim. Não estou dizendo que ele vai perder, mas se tiver dois ou três resultados ruins, vai trocar de novo. Isso é ruim para ele, para a torcida, para os jogadores. Cada treinador tem seu modo de ver o jogo, e os jogadores têm que se adaptar. Você precisa de um plano de trabalho.

'Nem ele (Barbieri) tem certeza se é o técnico do Flamengo'

Acredita que ele pode dar certo, assim como você, Andrade e Zé Ricardo quando surgiram?

Eu torço para que ele consiga uma oportunidade. É uma oportunidade de ouro ser técnico do Flamengo. Já tive essa honra e prazer. Torço para que dê certo. É um garoto, está começando, cara correto. Ele está em um estado onde os jogadores não tem certeza se ele vai ser o treinador. Nem ele deve ter certeza se é o técnico do Flamengo.

Essa pressão por títulos pode ter atrapalhado o trabalho do Rueda?

Independente dele ser estrangeiro, não foi isso que atrapalhou. Ele tem 60 anos e uma experiência no esporte muito grande. Ficou pouco tempo, foi para as decisões de Copa do Brasil e Sul-Americana. No meu modo de ver, foi excelente. Quando você contrata um treinador igual o Rueda, você tem que dar tempo para os jogadores se adaptarem, ou então não contrata.

Jayme de Almeida - Flamengo
Técnico elogiou o trabalho de Rueda (Foto: Gilvan de Souza/Flamengo)

'Já ouvi muito 'não bota porque vão vaiar' no Flamengo'

O Flamengo 'rico' não tem acertado no momento das contratações?

O Flamengo vai no mercado e contrata bons jogadores. O problema é que eles acabam não rendendo o que se espera baseado no histórico. São grandes jogadores, com passagem pela Europa, mas nessa ansiedade fica 'não deu, não presta'. Vira uma bola de neve. "Não bota porque vão vaiar", ouvi isso muito no Flamengo.

Diego virou alvo de críticas...

O Diego é o cara com maior visibilidade. Quer queira ou não, a cobrança vai em cima dele, dos grandes jogadores. Ele tem experiência para saber lidar com isso. Tem que procurar reverter, o que ele faz sempre. É um profissional muito correto. Quando falam do nome dele, tem muita relação por ser o líder. Ele vai sofrer com essa liderança, por tudo que representa a cobrança vai ser maior. Pelo que conheço dele, tem capacidade para lidar com isso.

Rodrigo Caetano deixou o clube citando a influência das redes sociais...

Rede social influencia muito, não tem como correr disso. Imagina com o tamanho do Flamengo, acaba interferindo. Mas até onde você deixa. Se você acredita no seu trabalho e no que está fazendo, não vai interferir. Nas redes sociais a coisa cresce muito mais. Se você acredita no trabalho, dane-se as redes sociais. Os resultados vão vir e a pressão vai ser o contrário.

'Conexão com torcida se faz dentro de campo. Não tem marketing'

Considera que o Flamengo perdeu a conexão com a sua torcida?

​Joguei muito tempo no Flamengo. Conexão com a torcida se faz dentro de campo. Não tem marketing. Se a torcida percebe que tem essa conexão, essa conexão vai existir. Se não tiver, vai acontecer o que tem acontecido. Qualquer coisinha é motivo para vaia, time sem vergonha. Isso é muito ruim. Se você tiver um time que a torcida, que é enorme e fanática, está do seu lado, acontece igual a Copa do Brasil em 2013.

Pôster do Flamengo campeão da Copa do Brasil de 2013
Jayme esteve à frente na Copa do Brasil em 2013 (Foto: Divulgação)

Você foi campeão da Copa do Brasil e salvou o Fla do rebaixamento em 2013...

As pessoas falam muito da Copa do Brasil, mas quando entrei para ser técnico do Flamengo naquele ano, o clube estava para cair. A preocupação da diretoria era pedir para o Flamengo não cair. Tenho um orgulho danado da Copa do Brasil, mas tenho orgulho de não ter deixado o time cair.

A saída de 2018 doeu mais do que a de 2014?

Você ser mandado embora é sempre dolorido. O problema da saída de 2014 é que não fiquei sabendo pela diretoria do Flamengo. Não teve um diretor que me ligasse. Eu estava na praia, com minha esposa, dia de folga. Sentei na praia, tomei uma cervejinha, dei um mergulho e começou a tocar meu telefone. Todo mundo me ligando para que eu falasse da minha demissão do Flamengo. Ninguém do Flamengo me ligou.

'Preocupação da diretoria (em 2013) era para o Fla não cair'

Só falei com alguém às 18h, quando o Walim queria que eu fosse para a Gávea. Isso (demissão) saiu às 11h. O presidente mora do meu lado. Foi falta de educação e respeito com o profissional que deu o maior título dessa gestão. O maior marco dessa diretoria foi a Copa do Brasil que eu fui treinador. Eu ganhei, como técnico, quatro títulos em oito meses. Ninguém fez isso depois.

Quais  são os planos para o futuro?

Eu saí do Flamengo, tive uma experiência muito boa. Já tinha trabalhado em outros clubes, mas meu nome ficou muito ligado ao Flamengo. Estou tentando fazer contatos, conversando com pessoas, para voltar a trabalhar como técnico. Conquistei títulos no Flamengo e em outros lugares. Fui campeão na Desportiva, no CFZ.

Ter ligação com o Flamengo pode atrapalhar para conseguir novos clubes?

Acho que tenho condição de continuar trabalhando no esporte. Minha ligação com o Flamengo permite qualquer coisa. Quem me conhece sabe que sou um profissional correto, que tem experiência e que pode trabalhar em qualquer equipe.

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