Torcedor relata humilhação no Maracanã: ‘PM fez corredor polonês’

Ao LANCE!, torcedor alvinegro que não quis se identificar revela momentos de tensão após o jogo Flamengo x Corinthians no Maracanã: 'A gente ia descendo e levando porrada'

Briga entre corintianos e PM
 (Foto: Wagner Assis/Eleven/Lancepress!)

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No último domingo, após a partida entre Flamengo e Corinthians, os torcedores corintianos ficaram retidos no Maracanã. Devido a um conflito com a Polícia Militar do Rio de Janeiro antes do apito inicial, as autoridades decidiram manter os torcedores paulistas no estádio até encontrar os envolvidos na confusão. A imprensa não teve autorização para se aproximar da cena. 

Ao LANCE!, um torcedor corintiano que esteve no estádio para o jogo detalhou o que aconteceu antes, durante e depois da briga. Segundo o relato, a PM "humilhou" a torcida do Corinthians e abusou da violência para encontrar os culpados, sem permitir que os torcedores utilizassem seus celulares. 

- A torcida do Corinthians foi humilhada pela PM-RJ. Levamos chá de cadeira, tivemos que ficar sem camisa durante quase uma hora e, no fim, apanhamos. Eles fizeram uma espécie de corredor polonês e a gente ia descendo e levando porrada. Nunca tinha passado por isso - disse o torcedor, que, por questões de segurança, preferiu não ser identificado. 

Confira abaixo o relato completo do torcedor corintiano ao L!:
A primeira briga foi antes de o jogo começar. Vi torcedores do Flamengo correrem em direção ao setor onde estava a torcida do Corinthians, e os corintianos fizeram o mesmo em direção aos flamenguistas. Um dos corintianos quebrou a grade de proteção entre as duas torcidas e um policial ficou caído no chão. Nesse momento, me afastei e fui para um lugar seguro, na outra ponta da arquibancada. 

Começou o jogo e estava tudo normal, sem problema algum. A torcida do Corinthians estava fazendo a maior festa. No fim do primeiro tempo, três ou quatro policiais vieram na direção das organizadas do Timão e pediram as faixas, bandeiras e bandeirões. Ali, teve outro tumulto porque os caras não queriam entregar as coisas. Continuei longe, perto das cabines de imprensa.

No intervalo, mais uma briga. A gente estava na fila para comprar lanche e, do nada, pessoas com o rosto coberto vieram para cima com cassetetes e mandaram a gente voltar para a arquibancada. Não sei se era polícia ou exército, mas com certeza era alguma autoridade. A gente não estava fazendo nada de errado. O clima ficou tenso e me escondi no banheiro para não apanhar. Depois de dez minutos, voltei para o segundo tempo e tudo parecia normal de novo. Porém, a torcida do Corinthians já havia parado de cantar. 

Aos 30 minutos do segundo tempo, o locutor do estádio deu orientações sobre a saída dos flamenguistas e avisou que a torcida do Corinthians só ia sair após determinação da Polícia Militar. É comum a torcida visitante aguardar uns 40 minutos até que os donos da casa possam ir embora em segurança, mas a coisa ficou estranha quando a imprensa deixou as cabines e desceu para a zona mista. A PM chegou e mandou toda a torcida do Corinthians ir para o lugar mais alto da arquibancada e sentar em fileiras, todo mundo junto. Organizadas de um lado, torcedores comuns de outro. 

Longe do olhar da imprensa, a PM ia abrindo o vídeo da briga e procurando as pessoas que estavam envolvidas. Depois de uns 40 minutos, liberaram as mulheres. Assim que elas deixaram o estádio, a gente teve que ficar sem camisa e se sentar. Eles foram olhando um por um de nós. E aqueles que a PM achava que estava na briga, eram obrigados a descer por um corredor do estádio. Eu não sei o que aconteceu com eles lá.

A imprensa voltou e começou a filmar a cena. Eles diziam: "Vocês tem sorte de que eles estão filmando, aqui é Rio de Janeiro, aqui é disciplina, corintiano tem que apanhar mesmo. Vocês são um bando de vagabundos". Tinha pai com filho pequeno, uma criança que estava do meu lado não tinha mais que dez anos. Esse pai estava muito perplexo. Explicou a situação à polícia e pediu para ir embora, mas o PM falou que se ele não calasse a boca, tomaria um tapa.

Assim, os policiais foram identificando as pessoas e mandando quem eles achavam culpado descer por esse corredor. Depois, mandaram a gente por as camisas de volta e deram mais um chá de cadeira na gente. Por volta das 22h, mandaram a gente fazer uma fila para sair. A gente levantou e começou a descer de forma organizada, mas a PM fez uma espécie de corredor polonês. Totalmente a esmo, os caras deram cacetada na gente, jogaram spray de pimenta na nossa cara. Um amigo que estava comigo ia descendo descalço. A PM falou para ele colocar o chinelo, e quando ele obedeceu, o policial deu uma bicuda nele e mandou voltar para o fim da fila porque ele estava atrasando todo mundo. Ele voltou levando bica, tapa na cabeça. Ficou uns dez minutos apanhando e depois desceu de novo.

Quando a gente desceu e saiu do estádio, a PM gritou que se a gente não fosse embora em cinco minutos, ia apanhar mais. Então peguei o táxi e corri para a rodoviária. Foi totalmente humilhante, me senti desrespeitado. As pessoas que brigaram estão erradas e tem que pagar pelo que fizeram, mas generalizaram a torcida do Corinthians. Acabaram com a festa e com meu fim de semana. Ao invés de boas lembranças, vou lembrar do dia em que fui humilhado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. A maioria dos torcedores não fez nada e foi humilhada, teve seus direitos desrespeitados. Foi uma completa invasão.

Antes de eu chegar na fila, quando ainda conseguia ver o campo, ouvia o barulho das pessoas apanhando. A gente já estava com isso na cabeça, de que ia apanhar. O pessoal dizia: 'Se prepara que a gente vai levar um coro aqui'" 

Machuquei a mão, levei uma porrada de cassetete. Quando eu estava passando pelo corredor polonês, um policial jogou spray de pimenta direto na minha cara. Tinha um corrimão, eu estava segurando no corrimão e ele falou que não era para eu segurar. Por isso soltou o spray. Meu pulmão doía, nunca tinha sentido isso na vida. Eu não conseguia enxergar e ele falava que se eu não andasse, todo mundo ia apanhar. Os corintianos foram me empurrando porque eu não conseguia ver ou respirar, meu chinelo quebrou, minha mochila abriu, minhas coisas caíram no chão. A PM disse que se eu não acelerasse, ia levar porrada, mas se alguém me ultrapassasse na fila, ia levar mais porrada ainda. Foi totalmente uma ditadura, imposição de força por nada. A gente se sentiu muito humilhado pelo que eles fizeram. 

Eu vi que a PM está negando. Infelizmente, a gente não tem como provar o que aconteceu no Maracanã porque eles não deixaram pegar os celulares. Teve uma hora que um cara tentou mandar mensagem para alguém, a polícia fez ele descer para aquele corredor onde estavam os supostos envolvidos com a briga. "Pode ir lá para baixo", disseram. Essa parte do corredor ninguém filmou, só quem viu o que aconteceu foram os torcedores, os policiais e os funcionários do Maracanã, que usavam roupa verde. Eles não encostaram a mão na gente, mas ajudaram a PM a fazer o corredor polonês. Não tinha ninguém da mídia.

A PM ficava dando volta e procurando por traços determinados nas pessoas. Um dos caras tinha uma tatuagem na perna direita, outro do lado esquerdo das costas, outro estava com uma camisa branca escrito "Vida Loka" nas costas. Quem tinha tatuagem, tinha que mostrar para eles verem se era igual a do vídeo da briga. 

Ninguém tentou se rebelar porque os caras estavam com cassetete na mão, arma no cinto, algema. Pensa, uns caras gritando com arma na sua cara, te xingado, difícil alguém tentar rebater porque sabia que ia apanhar muito. A gente tava com medo de ser torturado. Aqueles que eram chamados para descer estavam com medo de serem torturados. Um cara que tinha uma tatuagem no ombro esquerdo - não sei se estava na briga ou não -, foi parado pelos policiais. Eles viram a tatuagem é falaram: "É esse aqui". Veio um grupo de sete pessoas ver se era mesmo o cara, uns discordavam, outros concordavam. Até que um lembrou que o cara do vídeo usava boné. O rapaz tatuado abriu a mochila para mostrar que não tinha boné, alegando que não tinha nada a ver com a briga. Então um dos policiais pegou o boné de outro torcedor que não tinha nada a ver com a história, jogou na cara dele e disse: "Agora você tem boné. Pode descer". O cara foi quase chorando para lá. 

Foi uma total humilhação. Saí de São Paulo e fui para o Maracanã ver a partida e passar um domingo agradável com meus amigos vendo o time que torço. A ação da PM tirou toda a imagem positiva que tive do fim de semana. A maioria das pessoas que estavam ali não fizeram nada para receber o tratamento que receberam. Fomos desumanizados e humilhados pela ação da PM do Rio.

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