Matemática, trabalho em bar, crises… Walter conta história antes do Dérbi

Goleiro do Corinthians não vê duelo contra o Palmeiras como chance de se firmar 'de vez'. Fã de música sertaneja, ele fala de sua trajetória ao L!: 99% tímido, mas aquele 1%...

Walter, em sessão de fotos ao LANCE!
<br>Foto: Mauro Horita/Lancepress!

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Essa é uma velha história. Não "de uma flor e um beija-flor", como cantaria a dupla Henrique e Juliano. Essa é a velha história de quem tinha tudo para dar errado no futebol: estruturas precárias, falta de pagamento de salários, rebaixamentos, crises, desemprego, vontade de abandonar tudo e começar de novo... Por algum tempo, Walter não sabia se rasgava ou jogava fora cada parte dessa história. "Na hora da raiva", pensou até em pendurar de vez as luvas e estudar.

– Gostava muito na escola da parte de exatas, matemática, física, sempre me dei muito bem. Acho que ia partir para uma faculdade de Matemática, algo assim. Não sei se daria certo, mas era a opção – disse Walter, em entrevista ao LANCE!.

O matemático que o mundo perdeu se encontrou no futebol. Há seis jogos, roubou a posição de Cássio, um ídolo do clube, e se firmou como titular do Corinthians, clube em que está há três anos – sempre na condição de reserva. Neste domingo, às 16h, ele defenderá a meta alvinegra no Dérbi contra o Palmeiras, pela sétima rodada do Brasileirão. Será a hora de se firmar de vez?

– É só entrar e fazer o que tenho de fazer. É um jogo em que existe uma expectativa muito grande, mas não tenho que mudar nada, porque se mudar acabo errando – conta o tímido goleiro de 28 anos.

Fã de música sertaneja, especialmente as duplas Henrique e Juliano e Marcos e Belutti, Walter é "um cara esperto, fechado no seu canto". No elenco, nutre forte amizade com Felipe, Danilo e Cássio, curiosamente seu grande concorrente por posição.

Natural de Jaú, no interior de São Paulo, ele leva o estilo caipira no cotidiano: é caseiro, reservado, "não suporta uma briga". Do passado, inclusive os rebaixamentos por XV de Jaú e União Barbarense, não quer lembrar de "nada, nada, nada". Nem dos tempos em que precisou trabalhar no bar do pai, o senhor Walter Carlos, em Jaú, para ter alguma fonte de renda e não ficar parado.

– Fazia de tudo lá, né? Bar São Judas Tadeu. Você serve, pega o dinheiro e segue o barco. Foi um mês mais ou menos – conta Walter Leandro, nome de cantor sertanejo, mas, segundo ele, sem muito talento para a música.

GOLEIRO TEM PRIMO QUE É CORINTIANO FANÁTICO:

Renan e Walter
Renan e o primo Walter na Arena Corinthians (Foto: Reprodução)

A União Barbarense foi rebaixada do Paulistão de 2013 em 21 de abril, e Walter só seria anunciado pelo Corinthians um mês depois. Neste meio tempo, sem contrato, ele foi especulado em diversos clubes, mas deu preferência ao Timão por conta do pedido de um torcedor especial.

– Eu jogava em Santa Bárbara e morava em Piracicaba, nos fundos da casa do meu primo Renan. Ele abriu um site de notícias de manhã e foi até o meu quarto mostrar: "Corinthians quer Walter". Ele é bem louco mesmo, fanático pelo Corinthians, tem tatuagem nas costas e tudo. A sensação para ele foi até maior que para mim na hora. Fiquei com pé no chão, porque não sabia se era verdade, mas ele já se empolgou na hora, saiu pulando – relembra o goleiro, que na época morava com parentes em razão das dificuldades financeiras.

– Eu não recebia, não tinha como pagar aluguel, então minha família deu força neste momento – conta.

Neste domingo, Walter tentará fazer a alegria de Renan e de seus parentes corintianos. Mas sabe que deixará alguns outros bem incomodados.

– Minha família tem palmeirense também, é complicado – explica.

CONFIRA OUTRAS DECLARAÇÕES DE WALTER EM ENTREVISTA AO L!.

TIMIDEZ
Eu sou um pouco tímido em questão de imprensa, não gosto muito de aparecer. Mas quando cheguei no Corinthians tinha Emerson, Paolo Guerrero, Chicão, Paulo André, todos campeões mundiais, Cássio, Danilo, que são os que ainda estão com a gente, então o baque dos dois primeiros dias foi complicado. A gente só cumprimenta, não olha muito no olho porque fica com vergonha. Mas em questão de uma semana, um pouco mais, essa timidez foi embora, fui me soltando nos trabalhos, trocando ideia. Aos poucos foi ficando mais tranquilo.

AMIZADES NO GRUPO
Felipe, Cássio e Danilo. Todo o grupo é bem unido, mas com esses três há um carinho maior, de fazer coisas à noite com as famílias no tempo de folga, é com eles que a gente acaba se dando melhor.

DIFICULDADE DE SE FIRMAR COMO TITULAR
Titular tem que ter regularidade, não adianta ser o melhor em campo em um jogo e no outro ficar abaixo, tem que ter uma média. Nos treinamentos já procuro ter essa média para poder levar para o jogo. Claro que a pressão aqui é muito grande para permanecer. É muito difícil chegar a esse feito de ser titular, como está acontecendo, mas se manter é pior ainda. Tem críticas, problemas extra-campo e muita coisa que pode interferir, mas nós já temos experiência, então espero que não sinta essa dificuldade toda.

'Titular tem que ter regularidade, não adianta ser o melhor em campo em um jogo e no outro ficar abaixo, tem que ter a média. Nos treinamentos já procuro ter essa média para poder levar para o jogo', diz o camisa 27

PROXIMIDADE DA MAIOR SEQUÊNCIA COMO TITULAR: OITO JOGOS
Eu tive em 2013, quando cheguei e o Cássio machucou, uma sequência boa, mas agora vamos tentar passar, então espero fazer mais jogos. Respeito o Cássio, todos que estão trabalhando, Matheus e Caíque, mas se Deus quiser vai dar tudo certo e vou conseguir essa sequência maior para dar mais tranquilidade.

TRAJETÓRIA NO CORINTHIANS
Eu estava sendo rebaixado no Campeonato Paulista no comecinho de maio de 2013 e acabei vindo para cá. Só de vir para cá foi uma tremenda alegria, não tem muita explicação. Mas o trabalho a gente sabia que tinha sido bem feito, mesmo o time não indo tão bem. Na verdade não indo bem, né? Não tem nem como falar que não foi "tão" bem (risos). Mas eu sempre procurei, em todos os clubes que passei, ter rendimento alto em treinos e jogos, ter amizade com todos do grupo. Chegar aqui, conseguir jogar e com contratos longos para mim foi um absurdo.

INTERESSE DO CORINTHIANS EM 2013
Foi um primo meu, o Renan, o primeiro a me contar. Eu jogava em Santa Bárbara e morava em Piracicaba, nos fundos da casa dele. Ele abriu um site de notícias de manhã e foi até o meu quarto mostrar: "Corinthians quer Walter". Ele é bem louco mesmo, fanático pelo Corinthians, tem tatuagem do Corinthians nas costas e tudo. A sensação para ele foi até maior que para mim na hora. Eu fiquei com pé no chão, porque não sabia se era verdade, mas ele já se empolgou na hora, saiu pulando.

RENAN
Somos bem próximos. Ele me ajudou bastante, tanto que eu morava na casa dos fundos, meus tios me deram oportunidade de morar lá. Eu não recebia, não tinha como pagar aluguel ainda. Minha família é bem mesclada, tem corintiano, palmeirense, são-paulino, é uma briga diária.

DOIS REBAIXAMENTOS NA CARREIRA
Conversei muito com o Mauri (Lima, preparador de goleiros do clube) quando cheguei, porque quando você está brigando contra o rebaixamento a pressão psicológica é muito maior do que quando você está nas cabeças. Lá em cima você tem confiança, time indo bem, é mais fácil jogar do que tendo que jogar sem errar um lance. Ainda mais a fase estando ruim, a bola sempre entra. Mas no mesmo ano em que fui rebaixado pelo XV de Jaú fui campeão da Copa Paulista pelo Noroeste, e isso me deu um "up" na carreira.

VONTADE DE ENCERRAR A CARREIRA
Sim, é claro. Tive campeonatos em que fui campeão, mas a maioria das coisas era negativa. Em todas as profissões se acontece um monte de coisa ruim você decide desistir, e fez parte da minha história também. Até no União Barbarense mesmo, mais ou menos na metade do campeonato, eu estava muito triste. Mas aí comecei a fazer bons jogos e as coisas andaram. Mas passa pela cabeça, sim, aí você se apega a Deus e anda.

O QUE FARIA SE PARASSE?
Não tenho noção, cara. Eu gostava muito na escola da parte de exatas, matemática, física, sempre me dei muito bem nisso. Acho que ia partir para isso, uma faculdade de Matemática, algo assim. Eu gostava muito. Nunca estudei tanto, mas sempre tirava notas altas, e minha tia está de prova, ela é professora de matemática. Eu tinha muita vontade. Não sei se daria certo, mas era uma opção.

Walter no Corinthians:
- 40 jogos
- 29 gols sofridos
- Estreia: 29/10/13, contra o Criciúma
- Contrato válido até 30 de agosto de 2017

TRABALHO DURANTE O TEMPO PARADO
Trabalhei mais ou menos um mês no bar do meu pai, em 2011, depois que saí do Corinthians Paranaense. Não tinha nada acertado com nenhum clube, então fiquei um mês no bar e treinava nas horas vagas, me preparando para estar bem. Meu pai me deixava sozinho no bar, então fazia tudo. Eu entrei no lugar do meu avô, que estava passando por problemas de saúde, então 13h eu chegava e saía às 17h, ajudei bastante. Foi uma experiência que ajudou a me fortalecer.

O QUE FAZIA?
Ah, fazia tudo, né? Você serve, pega o dinheiro e segue o barco. O bar existe ainda, meu pai tem há mais de 30 dias no mesmo lugar, é referência dos amigos.

COMO É O BAR?
Não era barzinho, era botecão mesmo. Bar São Judas Tadeu. Meu pai canta direto lá, ele gosta demais. Ele canta, brinca com os amigos, e de vez em quando aparecem os violeiros e ele dá uma palhinha de sertanejo. Interior não tem como, só sertanejo das antigas.

SERTANEJO UNIVERSITÁRIO OU MODÃO?
Gosto dos dois. Gosto de modão e do sertanejo universitário que está na moda agora também. Não tenho uma dupla que eu goste mais. A gente acaba gostando de quem está com música estourada, tipo Marcos e Belutti, Fred e Gustavo, Henrique e Juliano.

TAMBÉM CANTA?
Canto nada. Olha a minha voz. Cantar como? O cara está de brincadeira aqui!

CÁSSIO ROQUEIRO E WALTER SERTANEJO. DÁ BRIGA?
Dá nada, pô (risos). Ele gosta de rock, mas gosta de sertanejo e a gente curte junto.

COMO FAMÍLIA ENCAROU TITULARIDADE
Foi natural. Pelo respeito e amizade que temos com o Cássio não teve muita euforia. Claro que é uma notícia que a gente espera, é uma alegria grande, mas premia o trabalho do dia a dia. A família ficou feliz, como ficava com as vitórias em que eu não estava em campo. A felicidade é grande quando o Corinthians vence, e isso é o que mais importa.

DÉRBI
Entrei no meio do segundo tempo em 2015, quando o Cássio foi expulso com os dois amarelos. Entrei e foi só aquela vez, teve uma defesa com os pés em que dei um pouco de sorte por cair antes, e aquilo deu a vitória para a gente. Aquela atuação é uma referência, pela confiança de ter entrado e ajudado. É entrar, fazer o que temos feito em todos os jogos, com confiança, e fazer uma grande partida.

Walter durante treino do Corinthians nesta sexta-feira (Foto: Daniel Augusto Jr)
Walter está no clube desde maio de 2013 (Foto: Daniel Augusto Jr)

JOGO PRA SE FIRMAR
Não é para se firmar ou não, é só entrar e fazer o que tenho que fazer. É um jogo em que existe uma expectativa muito grande, mas não tenho que mudar nada, porque se mudar acaba errando. Tem que fazer o trabalho do dia a dia, pode ser que tome gol porque é normal, mas tranquilo, atenção grande, mas entrar com naturalidade que as coisas vão acontecer.

CLÁSSICOS MARCANTES
Clássico bom era Jota Malucelli e Iraty, são times primos, dos dois irmãos Malucelli. Era uma rixa muito grande, se perdia o presidente chegava chutando lixo e o caramba. Não tinha torcedor, mas a pressão era forte e era bom de jogar. Aqui em São Paulo tem XV de Jaú e Noroeste, mas eu não cheguei a jogar, não.

CLÁSSICO
É bom, né? Valoriza bastante, ainda mais tendo uma boa vitória e fazendo um bom trabalho.

FERNANDO PRASS COMO EXEMPLO
O trabalho que ele faz no Palmeiras desde que chegou é brilhante, ele é o melhor em campo em praticamente todas as partidas, sempre com grandes defesas. É um goleiro pegador de pênaltis e referência para nós, porque se cuida, trabalha pra caramba. Isso aí a gente vê e quer seguir igual.

PRASS FOGE DO CONVENCIONAL. E VOCÊ?
Para mim não vale a pena. Eu gosto de estar antenado em tudo, sempre vejo jornal na televisão, me informo, busco saber o que acontece na própria política, que está um rolo só, mas não vou entrar nesse assunto. Só acho que tem gente com muito mais inteligência para entrar nessas discussões e eu deixo para eles.

ÍDOLO DO CLUBE NA RESERVA
A gente trabalha sempre com intuito de jogar, em todo lugar é assim. Claro que um ídolo ficar de fora a pressão é sempre maior, mas eu não encaro assim. Existe essa pressão, claro, mas existe também o comportamento dentro de campo, existe eu fazendo meu trabalho com muito esforço e honestidade. Isso de deixar ídolo no banco é para as pessoas de fora, mas o Cássio é um líder, um ícone, e se Deus quiser vou fazer uma boa história também.

ANTES TIME PEQUENO, AGORA GRANDE. ANTES RESERVA, AGORA TITULAR. QUAL É O PRÓXIMO PASSO?
Só pensar em continuar fazendo meu trabalho. Muitos falam que preciso pensar em Seleção, que estão testando, mas eu acho que não tenho que pensar em nada disso, tenho que deixar as coisas fluírem como estão fluindo. Eu não esperava muito entrar, mas entrei. Então não adianta pular etapas, tem que ir passo a passo, jogo a jogo, dar conta quando exigido no dia a dia, me dedicar, aperfeiçoar e deixar as coisas seguirem na mão de Deus.

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