Do ‘nó tático’ ao ‘nó na garganta’: Os sonhos e planos para o Chapecoense x Atlético Nacional que não aconteceu

Hoje irmãos, times teriam jogado em 30 de novembro de 2016. Filho de Caio Júnior recorda ideias do pai para a partida. Clubes se encontram nesta terça, pela Recopa Sul-Americana

Foto posada antes de Junior Barranquilla 1 x 0 Chapecoense. Relembre a campanha da Chape na Sul-Americana
(Foto: AFP)

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Era para o avião ter pousado com segurança, era para ser mais uma partida histórica... O que teria acontecido se Chapecoense e Atlético Nacional tivessem jogado em 30 de novembro? É difícil imaginar, mas uma pessoa pode, melhor do que ninguém, projetar como teria sido a atuação do time catarinense. Matheus Saroli, de 25 anos, filho do técnico Caio Júnior, passou os últimos dias da preparação do elenco ao lado do pai e quase embarcou com a delegação da Chape em São Paulo, não indo somente porque esqueceu o passaporte.

Nesta terça, às 19h15, Chapecoense e Atlético Nacional se encontram após a dor pela tragédia que vitimou fatalmente 71 pessoas, incluindo Caio Júnior e todos os demais 17 integrantes da comissão técnica. Às vésperas do primeiro jogo da Recopa Sul-Americana, em Chapecó, Matheus Saroli topou conversar com o LANCE! sobre suas memórias e revelou as estratégias do seu pai para a final da Sul-Americana em Medellín: a Chape estava indo para fazer bonito, com uma possível surpresa na escalação e uma postura de jogo bem definida.

Matheus Saroli
Matheus Saroli e o pai Caio Júnior (Foto: Reprodução de internet)

Matheus mora em Curitiba e é dono de uma empresa de intercâmbio esportivo, mas tinha a intenção de começar uma faculdade de educação física em 2017 e já integrar a comissão técnica de Caio Júnior a partir deste ano. Até por isso, decidiu "colar" no pai para o jogo contra o Palmeiras, pelo Brasileirão, no domingo antes da tragédia, e também queria ter ido para a Colômbia. Emocionado, Matheus recordou as últimas confidências de Caio.

- Eu estava com a delegação até a hora deles (jogadores) irem para o aeroporto. Foi por um detalhe que acabei não indo. O pessoal passou dias estudando o time deles (Atlético Nacional) e tinha um plano de jogo específico para jogar lá. Meu pai estava entre duas situações de jogo e ele iria decidir na véspera. Eles estavam muito preparados e empolgados com o que estava acontecendo - contou Matheus, depois detalhando as táticas que estavam na cabeça de Caio.

- A primeira situação era jogar como foi na semifinal contra o San Lorenzo (4-5-1 com dois pontas), e a outra situação seria uma linha de quatro no meio, com Tiaguinho "espetado" junto com o Kempes na frente. Essa segunda situação teria Gil de um lado, Cleber Santana, Josimar e um jogador que não me recordo pelo lado esquerdo. Porém, ele estava mais confiante em escolher a primeira situação, pois era o time que vinha jogando - comentou Matheus Saroli.


​A ESCALAÇÃO SURPRESA QUE PODERIA TER APARECIDO


A escalação alternativa pensada por Caio Júnior foi resultado de muitos estudos do Atlético Nacional e o futuro mostraria a eficácia da estratégia. Foi com uma linha de quatro jogadores no meio que o Kashima Antlers goleou o time colombiano por 3 a 0 na semifinal do Mundial de Clubes, em 14 de dezembro.

Sobre a postura que o time apresentaria, a intenção era segurar a empolgação do rival no primeiro tempo e tentar voltar para casa com pelo menos um gol.

- Meu pai tinha sempre um plano de jogo para partidas decisivas, especialmente fora de casa, que era não tomar gol no primeiro tempo. Era ter uma posição mais cautelosa no primeiro tempo, ter calma, pois o jogo seria decidido no segundo. Então, no segundo tempo, com alguma mudança tática, seria a hora de tentar fazer um gol. Eles queriam ser campeões, não estavam com medo do Atlético Nacional. Eles não passaram a semana falando do jogadores do Atlético Nacional, mas sim da capacidade deles - disse Matheus.

O ENGANO QUE SALVOU MATHEUS

Matheus Saroli estava sem passaporte, mas poderia ter ido para a Colômbia apresentando apenas a carteira de identidade que estava no bolso. Porém, ele e Caio Júnior não sabiam disso. Matheus relata que insistiu muito para viajar:

- Estava definido que nenhum dos atletas, diretores e membros da comissão técnica poderia levar a família junto nos voos fretados. Eu viajei com minha mãe para o jogo do Independiente por conta própria. Para a final, essa regra não foi alterada, mas eu estava enchendo o saco do meu pai para viajar. Ele não achava justo, não era um cara que gostava de fazer esse tipo de coisa. Dormi no mesmo quarto que ele de domingo para segunda e, assim que acordamos, ele me disse que a primeira parte do voo não seria mais fretada. Como ele tocou no assunto, falei "eu vou" e ele acabou concordando de tanto eu pedir. Já saindo do hotel, no elevador, ele perguntou: "Cadê o passaporte?". Aí eu me liguei que deixei em Curitiba. Acabou que naquela conversa de 30 segundos nós definimos que eu não iria. E depois fui saber que eu nem precisaria do passaporte. Se não fosse isso, eu estaria no voo, não há dúvidas.

Com a definição por conta da ausência do passaporte, Matheus voltou para Curitiba por Congonhas, enquanto a delegação da Chape foi para Guarulhos. O saguão do hotel foi palco do último abraço entre Matheus e Caio Júnior.

- A gente teve um último momento. Dei um abraço nele, me despedi dele, de todo o pessoal que estava junto. Desejei boa sorte - lembrou Matheus Saroli, com a voz embargada.

LUTA POR LEGADO

Matheus, além de tocar sua empresa, agora trabalha pela primeira edição da Copa Caio Junior de Futebol sub-15, torneio que será realizado em Curitiba entre 30 de julho e 4 de agosto. Nove times já foram confirmados para a competição: Chapecoense, Coritiba, Paraná Clube, Grêmio, Internacional, Atlético Nacional, Jacksonville FC (EUA) e Chiba SC (Japão).

- Levo o caráter dele para a minha vida. O jeito de ser que ele ensinou, a humildade, o jeito de agir com as pessoas. Ele é meu exemplo e meu ídolo - ressaltou Matheus Saroli.

Outra questão que envolve o nome do técnico e está sendo acompanhada de perto por Matheus é a "Lei Caio Júnior", projeto de lei 7560/2014, proposto pelo deputado José Rocha (PR-BA). A emenda solicita que os contratos dos treinadores, auxiliares e preparador de goleiros sejam registrados na CBF e federações estaduais, o que daria benefícios para os profissionais - inclusive em casos de imprevistos. A família de Caio Júnior não entrou na lista de beneficiadas pela CBF com seguro de vida. A entidade alega que apenas atletas vinculados ao Boletim Informativo Diário têm direito ao valor de 12 salários.

O projeto atualmente passa por correções na Comissão de Tecnologia e será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça na sequência. Se aprovado, vai para votação na Câmara dos Deputados. Diversos técnicos da elite do futebol brasileiro estão empenhados para chamar atenção do parlamentares.

- A batalha pelos direitos dos técnicos sempre foi uma luta dele (Caio Júnior). Era um objetivo que ele tinha e lutava juntamente com o Dorival Júnior e o Vagner Mancini, que eram os mais atuantes por situações novas. É muito legal que tenham dado o nome do meu pai e a gente espera que realmente aconteça. E não só para treinadores de elite. O objetivo, na verdade, é beneficiar todos os treinadores, técnicos de divisões menores dos estaduais, do futebol feminino. É fundamental que os técnicos do Brasil tenham um respaldo e recebam os benefícios que merecem ter - destacou Matheus Saroli.

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