Vanguardista, Atlético-PR busca sucesso misturando passado e futuro: ‘Temos de fazer diferente’

Ao LANCE!, vice-presidente Márcio Lara explica a filosofia que traz ex-atletas para as categorias de base do clube com o objetivo de aperfeiçoar a formação de novos jogadores

A primeira rodada do Campeonato Brasileiro teve uma boa média de gols. Em 10 jogos realizados, 27 gols foram marcados, fazendo com que esta média ficasse em 2,7 gols por jogo. A partida com mais gols foi entre Atlético-PR 5 x 1 Chapecoense.
Com Diniz, Atlético-PR se vê próximo da consolidação da filosofia de trabalho do clube (Foto: Geraldo Bubniak/AGB)

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O Atlético-PR disputou 23 jogos oficiais nesta temporada, mas apenas sete foram realizados com o time principal, comandado pelo técnico Fernando Diniz. Isso porque o Furacão opta por disputar o estadual paranaense com uma equipe sub-23, dirigida por Tiago Nunes. Embora a amostra tenha sido pequena, as primeiras impressões foram aprovadas, principalmente nos últimos três duelos (vitórias contra São Paulo, Newell's Old Boys e Chapecoense). A expectativa no Atlético é que nesta quinta-feira, novamente contra o São Paulo, a boa fase seja confirmada com classificação para a próxima fase da Copa do Brasil - clube venceu a ida por 2 a 1, em Curitiba, e joga pelo empate no Morumbi.

As atuações do time de Diniz chamam atenção e a chegada do ex-treinador do Audax é a consolidação de um processo bastante complexo de metodologias e políticas de um clube que se considera inquieto, buscando sair do lugar comum no Brasil. A diretoria entende que é chegada a hora de colher os frutos produzidos por uma entidade, na visão deles, de vanguarda.

- O cenário sempre colocou o Paraná como sendo um estado secundário, então houve a necessidade de ser construído algo diferente, e foi isso que o Atlético-PR sempre pensou, porque se fizéssemos coisas iguais, nós não teríamos conseguido mudar de status. Estamos sempre buscando processos novos, inovadores, tecnologia, para que a gente consiga ter esse destaque, principalmente agora que tudo o que diz respeito a estrutura e patrimônio foi concluído, todo o foco do clube está voltado para a bola. O pensamento aqui todos os dias é que o Atlético-PR precisa fazer na bola o que fez em sua infraestrutura, que hoje é a melhor do Brasil - declarou Márcio Lara, vice-presidente do Furacão, ao LANCE!.

Ao mesmo tempo em que procura se aproximar do futuro, o Atlético-PR evita se afastar do passado, ou melhor, tenta juntar essas duas fases na formação de jogadores. A intenção é trazer para a comissão técnica das categorias de base ex-atletas, que tiveram uma história no clube e que, necessariamente, tenham preparo como treinador, para aperfeiçoar o processo de desenvolvimento de jovens promessas.

- Dentro desses processos, da evolução que aconteceu no futebol, você tem treinadores que foram formados em vários cursos que a própria CBF fornece, que é algo interessante, embora nós sejamos críticos à entidade, e existe também uma série de jovens treinadores que foram estudar em outros países, hoje nós temos uma vasta literatura de conceitos e o Atlético-PR, em suas categorias de base, vem trabalhando fortemente com esse perfil de treinador e sempre com auxiliares que tenham vivido o mundo da bola, o vestiário, que tenha essa experiência, que é fundamental e importante. Esse tipo de balanço, que é identificação com o clube, ter jogado, ter conseguido resultados esportivos, e ter se preparado técnica e academicamente, é fundamental. Você tem essa mistura perfeita para tocar todas essas categorias, e quem sabe, no futuro, também chegar a ser treinador de uma equipe principal - afirmou Lara, que destrinchou ao LANCE! a função de alguns desses ídolos no clube.

Marcão, técnico do sub-20 - vice-campeão da Copa Libertadores-2005
- O nosso sub-20 tem o Marcão, nosso ex-atleta, que começou como auxiliar de categoria sub-15, foi estudando, se preparando e hoje já é o treinador da nossa categoria sub-20, que é uma categoria extremamente importante, é o processo final de formação, praticamente.

Rogério Correa, técnico do sub-17 - campeão brasileiro em 2001
- O treinador da categoria sub-17, que começou agora, é o Rogério Correa, que foi campeão brasileiro em 2001, e que depois que parou teve um processo muito forte de formação acadêmica.

Alessandro, auxiliar-técnico do sub-15 - campeão brasileiro em 2001
- No sub-15 é um treinador que não foi jogador, mas tem preparo acadêmico, que faz esse balanço com um ex-atleta, que é o Alessandro, que também foi campeão brasileiro.

Cocito, Coordenador de Suporte aos Atletas da Formação - campeão brasileiro em 2001
- Na coordenação, que a gente chama de coordenação social do jogadores, que faz a interface com a comissão técnica, está o Cocito, que é campeão brasileiro, que está se preparando também para essa função, e tem todos os requisitos necessários para trabalhar no Atlético-PR e para formar o atleta, que é ter sido campeão brasileiro, que representa para torcida um símbolo do Atlético-PR, jogador com raça, que tem muita identificação com o clube e com a torcida.

Paulo Miranda, Coordenador de Suporte aos Atletas Profissionais - campeão estadual em 1998
- No profissional, temos o Paulo Miranda, que se preparou muito para essa interface dos atletas com o Fernando Diniz

O clube conta ainda com Kelly, campeão brasileiro em 2001, como auxiliar técnico de Fernando Diniz, Alexandre Silva, campeão paranaense em 1998, como auxiliar do sub-19, e a lenda do clube, Nilson Borges, que integra a comissão técnica do profissional. Mas engana-se quem pensa que a escolha é feita apenas pelo histórico no clube.

- O boleiro, como a gente chamava antigamente, dificilmente tem espaço, porque o futebol evoluiu muito, em razão de todos os estudos que existem. Aqui no Atlético-PR, dentro dessa questão do acompanhamento científico, nós temos empresas que nos dão assessoria, temos métricas para performances físicas, táticas e técnicas, e tudo isso, se o ex-atleta não se preparou, ele não vai entender e consequentemente ele não vai aplicar essa metodologia do clube - explicou o vice-presidente.

Ainda que a performance dentro do campo já esteja chegando próximo daquilo que vem sendo planejado pelo clube, Márcio Lara prefere não identificar essa política de trazer ex-jogadores para integrar a comissão técnica do clube como a responsável pela boa fase, mas sim todo o trabalho interdisciplinar do Furacão.

- O clube desenvolveu uma metodologia de treinamento, metodologia de jogo, e esses profissionais se adequaram perfeitamente a essa metodologia, então a gente trabalha dentro do clube com um conceito que não é nem mais interdisciplinar, é de transdisciplinaridade, que é obtido por meio de um trabalho efetivo de equipe, não dá para cravar se é um ou outro fator, todos estão tão interligados que você não tem como aferir se foi o treinador, se foi o ex-jogador, é o processo, aqui todos nós ganhamos juntos e perdemos juntos, então dentro dessa filosofia, é um fator importante que vai trazer resultados, mas não dá para ser conclusivo que é por isso que o clube está tendo resultados - concluiu.

Confira a entrevista completa com Márcio Lara, vice-presidente do Atlético-PR

Acredito que vocês estejam bastante satisfeitos com o que o Atlético-PR está jogando...

Sem dúvidas, a gente tem visto esse processo que vem se desenvolvendo desde o começo do ano, que foi feito exatamente para que a gente começasse a ter, não só resultado, mas também essa perspectiva de termos um futebol diferente do que tem sido apresentado no Brasil.

Vocês tem tentado sempre estar à frente do seu tempo em comparação com os outros clubes do Brasil...
É um projeto do presidente Petraglia, que começou lá em 1995, que tinha o objetivo de sempre fazer coisas diferentes, porque se fizéssemos coisas iguais, nós não teríamos conseguido mudar de status, e assim foi feito. Então sempre o Atlético-PR priorizou a questão de construir uma infraestrutura que pudesse fazer com que o desenvolvimento esportivo fosse perene, principalmente considerando que nós não estamos nos principais mercados, o que representa menos receitas, temos o absurdo da diferença da televisão, então nós tínhamos que compensar fazendo coisas completamente diferentes daquelas que os outros fazem.

De quem partiu a ideia de empregar ex-jogadores para trabalhar em funções importantes do clube?
Dentro do pensamento que existe no clube, em que é fundamental ter um processo de formação de atletas diferenciados, porque como você pode ver as diferenças absurdas de receita que existem no Brasil, como por exemplo os contratos de direito de transmissão, no caso específico da Globo, em que o Atlético-PR em um jogo contra o Flamengo recebe R$ 150 mil de pay-per-view, e o Flamengo R$ 3,2 milhões, a única forma de você competir não é por meio da contratação de jogadores, porque esses clubes de maior receita sempre terão maior poderio, mas sim formar jogadores desde as categorias mais tenras, infelizmente a gente só consegue alojar dentro do CT jogadores com 14 anos, que é o que permite a legislação e algo que trabalhamos fortemente para mudar, para que pelo menos seja a partir dos 12 anos.

Como é o processo de seleção desses profissionais?
Hoje nós temos um processo de seleção treinadores, auxiliares técnicos, preparadores físicos, que é uma seleção como existem nas grandes empresas, não é apenas por indicação, é por avaliação de currículo, é por avaliação de capacidade, é por processo de entrevista, os profissionais precisam apresentar por escrito o que é o trabalho deles, como eles entendem futebol, como eles aplicam isso, então é um processo de seleção mesmo, não é que o fulano de tal jogou com beltrano e por isso vou indicar para treinador, não tem mais como ter resultados com esse tipo de situação.

Então não tem uma questão de filantropia?
Não, porque se fosse assim, quantos atletas teríamos que contratar? Teríamos centenas de ex-atletas pendurados nas costas do clube, sem produzir absolutamente nada. O nosso modelo é: primeira questão é capacidade, conhecimento e forma de trabalho, se vai se adequar ou não ao modelo do Atlético-PR, e segundo, se você consegue conciliar esses atletas, que se prepararam, com o fato de terem sido jogadores vitoriosos dentro do clube, e pelo Atlético-PR ser um clube formador, você tem esse fator que é importante passar para as novas gerações, que é importante que sejam vitoriosos dentro do clube e não como acontece muitas vezes em outros clubes, que o atleta entra com 14 anos e já está pensando em ir para a Europa, ou seja, tem que ter essa identidade e essa mente vitoriosa voltadas para ter resultados esportivos dentro do clube.

E eles se motivam a querer ganhar por cada categoria de base que passam no clube...
Eles precisam querer ser campeões no time principal do Atlético-PR, e esses ex-atletas que estão na nossa comissão têm essa percepção, porque sempre foram atletas vitoriosos dentro do clube, mas nunca sem deixar de considerar a sua capacidade de trabalho, isso é fundamental, só ser atleta sem preparação não é suficiente.

E para a garotada? Como eles reagem ao trabalhar com ídolos do clube?
Isso traz uma motivação enorme, porque esses caras são os paradigmas desses meninos, ele olha e quem está treinando o time é um campeão brasileiro, quem treinou aqui foi atleta de Seleção Brasileira, foi multicampeão no Atlético-PR, teve sucesso em sua carreira, e isso para a visão do menino é muito importante. Além de ter uma situação em que esses ex-jogadores também viveram as expectativas dos meninos, eles têm essa sensibilidade, essa empatia, de muitas vezes saber o que se passa na cabeça dessa garotada, é fundamental essa prática.

Para os ex-atletas também é uma motivação poder ajudar no crescimento desses meninos...
Sem dúvidas, porque a vida do atleta é muito dura, e os atletas que atingem os resultados, a fama, o sucesso, o dinheiro, para eles talvez, seja uma situação ainda mais dura quando eles vão parar, vão ter que deixar esse mundo, essa posição de sucesso, a imprensa. Muitos falam que quando o jogador para, ele se sente como se tivesse morrido, então para eles também é muito motivador uma carreira em que eles possam continuar no futebol, com o mesmo nível de exposição e com uma carreira projetada por um tempo muito maior do que quando eram jogadores, o jogador tem 15 anos de carreira, o treinador pode ter 30, 40 anos de carreira.

Muita gente procura vocês em busca de emprego?
Ah sim, com certeza, nós recebemos currículos diariamente, porque o Atlético-PR passa a ser um case, a gente recebe muita gente de fora do país, gente de outros clubes, que não imaginam a estrutura do Atlético-PR, não imaginam o trabalho que é desenvolvido aqui e isso, logicamente, desperta o interesse de muita gente querer participar desse projeto e a gente sempre é muito criterioso na escolha dos profissionais.

De que forma o Atlético-PR se torna um case no cenário do futebol?
O Atlético-PR sempre teve uma presença em seminários, inclusive internacionais, mas como ouvinte, para absorver tecnologia, hoje já começa a acontecer que nossos profissionais estão sendo convidados a ministrar palestras internacionais, exatamente pela referência que tem se tornado não só no futebol brasileiro, mas em outros mercados. Isso porque o Atlético-PR vende seus atletas e os clubes do exterior veem e reparam que o atleta é bem preparado, bem preparado fisicamente, tem um entendimento de jogo diferenciado em relação à média dos atletas brasileiros, ou seja, tem o carimbo do Atlético-PR, que é feito por meio dessas filosofias e desses profissionais capacitados que nós contratamos.

Muitos aspirantes a treinador procuram o Atlético-PR?
Sim, muita gente. Por exemplo, nos cursos que nós temos, que a CBF patrocina, licença A, B e C, há a necessidade de um estágio prático em clube de futebol, então semanalmente a gente recebe solicitações de profissionais que fazem esse curso e que gostariam de fazer esse estágio obrigatório aqui no Atlético-PR. Muitos deles, quase todos, quando há possibilidade, nós atendemos, porque é uma obrigação nossa dotar cada vez mais profissionais capacitados no mercado, porque um dia eles podem vir para cá.

Os outros clubes brasileiros procuram o Atlético-PR ou você acha que há um orgulho por parte deles?
Não existe essa reserva de mercado para cada um, eles trocam muitas informações, nós temos bom relacionamento com praticamente todos os clubes, e é uma troca, porque você tem clubes que investem mais e clubes que investem menos. Tem tecnologia, tem novas formas e o Atlético-PR sempre está aberto a discutir, abrir a sua casa. Há dois anos o Flamengo esteve aqui, nós tivemos uma relação muito boa enquanto estava em construção o seu CT, então muito do modelo que nós aplicamos aqui, foi aplicado no Flamengo de uma forma de troca de tecnologia, sempre com visão que o presidente Petraglia tem de crescimento do bolo do futebol brasileiro como um todo, porque vai ser melhor para todos. Não é me tornando mais forte, oprimindo meu adversário, que eu vou melhorar a minha condição. Nós queremos que o futebol cresça como um todo e aí é um processo que todo mundo vai ganhar, porque vai aumentar esse bolo, vai aumentar a receita, vai aumentar a capacitação e isso traz benefício a todos.

Alguns clubes estão caminhando nesse sentido...
Eu acho que está caindo a ficha de alguns clubes, principalmente quando você vê a situação da questão da divisão das receitas, quando você tem privilégio hoje de dois clubes, os outros reagem, muito mais por uma constatação de que vem acontecendo, do que pelo pensamento de crescer o bolo, mas acho que a única forma e isso o Atlético-PR e o presidente Petraglia sempre propagaram é que você não vai conseguir tirar uma parte de quem já recebe para dividir com os outros, esse cara que recebe não vai permitir isso, mas a única forma de você fazer isso é crescer esse bolo e dividir de uma forma melhor, sem tirar de ninguém, então eu acho que essa percepção é muito forte e alguns clubes já começam a perceber isso, mas muitos ainda são reticentes a isso, preferem olhar somente para os seus umbigos e não para o todo. Infelizmente, mas uma hora isso vai ter que mudar. Não sei quantos anos vai demorar para mudar, mas a gente tem esperança.

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